Santa Catarina está em festa neste fim de semana. Uma festa silenciosa por todos os que conheceram, trabalharam ou conviveram com Victor Fontana, o engenheiro químico nascido há exatos 100 anos em Santa Maria da Boca do Monte (RS). Será uma celebração especial de todos os familiares: da esposa, Lia, que com ele vive há décadas na Lagoa da Conceição, em Florianópolis; e dos irmãos, filhos e demais familiares, que moram em São Paulo.

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Detentor de uma biografia única na história de Santa Catarina, ele soma modelar atuação na vida pública com direito a comemorar o centenário com invejável saúde, lucidez intelectual, memória excepcional, de um lado; e uma performance profissional na área privada que mantém Santa Catarina até hoje em destaque nacional na criação, industrialização e comercialização de suínos e aves em geral.

Attilio Fontana, o criador e dono da Sadia, foi o empreendedor visionário que incentivou um modelo inovador e único no Brasil com os integrados no meio agrícola, até hoje um dos pulmões da economia catarinense. Mas o cérebro do agronegócio foi Victor Fontana, pelas inovações genéticas na suinocultura, na importação das mais modernas tecnologias de abate e venda, na proteção dos suinocultores e em práticas de toda a cadeia produtiva que permanecem até hoje.

Singular é também sua performance política. É o único entre os mais ilustres políticos catarinenses a celebrar 100 anos com vida.

É outra revelação extraordinária da colonização italiana em Santa Catarina. Seus pais vieram do Veneto. Ficou órfão de pai aos três anos, sua casa era de chão batido e sem forro no teto, aprendeu a ler com a mãe e uma professora particular, começou a trabalhar com apenas 11 anos para sustentar a família, e nunca mais parou.

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Até hoje, aos 100 anos, comparece todos os dias no escritório particular no edifício Ildefonso Linhares, centro de Florianópolis. Atualiza a correspondência e a leitura e, com frequência, recebe amigos aqui da Capital, do interior e de outros Estados.

Está sempre atualizado em relação aos temas de interesse público. Ficou até a uma hora da madrugada de quinta- feira acompanhando a eleição do novo presidente da Câmara Federal e só se recolheu depois do discurso do deputado Rodrigo Maia. Sobre a mesa do escritório ou na cabeceira da cama, sempre um livro atualizado. Está neste momento na página 50 de Lava- Jato, do jornalista Vladimir Netto, o mais vendido no Brasil.

Exerceu vários mandatos eletivos, começando pela Câmara dos Deputados, a partir de 1979, depois como constituinte. No meio, vicegovernador com atuação decisiva na vitória de Esperidião Amin sobre Jaison Barreto. Começou como secretário da Agricultura de Konder Reis e presidiu as duas mais importantes estatais catarinenses: o Besc e a Celesc em períodos distintos. É cidadão honorário de oito municípios catarinenses e seu escritório é decorado com dezenas de condecorações, diplomas e variadas homenagens, sendo as mais importantes a Medalha Anita Garibaldi ( maior honraria do Estado) e a Medalha do Mérito Industrial.

Como principal técnico da Sadia, viajou pelo mundo, sempre em busca de novas tecnologias, tendo visitado Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Dinamarca, Itália, Suécia, Bélgica, Inglaterra, Holanda, entre outros.

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No setor privado, exerceu os principais cargos na Sadia, na Frigobrás, no Moinho da Lapa ( SP) e Frigorífico Pioneiro ( PR).

Victor Fontana acrescenta outras qualidades e virtudes a seu currículo. Tem uma memória privilegiada, declama trechos de Dom Quixote em espanhol, apreciador de boa música e adora cinema.

É uma unanimidade rara em todas as instituições que criou ou de que participa até hoje. São incontáveis os testemunhos de antigos e novos amigos da Associação Rural de Concórdia e do Sindicato da Indústria da Carne de Santa Catarina, por ele fundados. Seus amigos do Clube do Gourmet e do Clube do Vinho de Florianópolis não poupam referências elogiosas sobre os encantos que transmite aos convivas. É um exímio e divertido contador de histórias, está sempre bem- humorado e enobrece qualquer roda social e política.

Uma vida em comunidade que se enriquece e se completa com a jovem esposa, Lia, a qual não se cansa de elogiar, em outro exemplo magnífico e raro de um casal apaixonado que revela para o mundo as maravilhas de um grande amor. Confira a entrevista com Victor Fontana:

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O mundo melhorou ou piorou nestes 100 anos? 

Sem dúvida nenhuma, melhorou. E muito! Muitas coisas em que não se acreditava antes foram conquistadas. Hoje, se faz tudo. Por isso, acredito muito num futuro melhor para todos. A educação foi expandida a nível mundial. Hoje, os trabalhadores brasileiros estudam muito mais. Estão se especializando lá fora para trazer desenvolvimento aqui e também mostrando ao mundo suas experiências. 

Fatos que o senhor destacaria que o deixaram feliz? 

Com vocês aqui em Florianópolis eu vivo muito bem. Não tem outro lugar no mundo para se sentir muito bem como aqui nesta Ilha. Os florianopolitanos sempre têm tempo para ouvir a gente. Uma maravilha. 

Como o senhor viu o escândalo de corrupção na Petrobras? 

Este escândalo deixou a população brasileira muito triste. Ninguém consegue suportar tanto sofrimento. É realmente uma grande tristeza. Eles gastaram demais, roubaram demais e nós é que teremos que pagar a conta. 

O senhor se considera mais realizado na vida profissional ou na política? 

Eu me realizei tanto na atividade profissional quanto na vida pública. Trabalhei muitos anos no setor privado, com destaque para a Sadia, onde realizei minha carreira profissional. Tive o prazer de registrar que ali o que idealizei e executei teve grande sucesso. Orgulho- me na qualificação da criação de suínos, na adoção de modernas técnicas de industrialização e de ter criado em Concórdia a Associação Rural e o Sindicato da Indústria de Carnes de Santa Catarina. Com os técnicos e os amigos fiz a Empasc com nova metodologia. 

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Qual a emoção de chegar aos 100 anos? 

É uma sensação única: chegar aos 100 anos e poder comemorar. Constato que é realmente muito bom chegar aos 100 anos para uma grande celebração com a minha mulher, com os amigos, estar com a família. Esta é razão maior de nossa vida. 

O senhor continua um otimista? 

Eu não sou pessimista de achar que não tem solução, porque situação difícil o Brasil já atravessou várias. Foi assim com o Collor, o Sarney e todos eles passaram por dificuldades e parecia que não tinha solução, mas a encontraram, e é assim, desde que queiram encontrar a solução. O Brasil vai sair melhor desta crise. 

E qual é a saída para a crise? 

Será difícil porque hoje muitos políticos entram na política para fazer seu pé- de- meia, como se vê nos escândalos. Prejudicam todo o povo porque cada vez querem ganhar mais do Estado, e o Estado cada vez tem menos dinheiro para investir. A máquina está cada vez maior, mais recursos vão para mão dos deputados, e eles acabam não levando o benefício aos municípios. 

Como foi o processo de renovação e crescimento da Sadia, quando o fundador Attilio Fontana enfrentou problemas? 

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Ele estava com problemas na fábrica de Concórdia, as mercadorias eram despachadas em São Paulo e Rio de Janeiro e ninguém comprava, eram devolvidas. A banha era o produto principal, mas ninguém queria banha. Aí ele resolveu me convidar para fazer o tratamento no produto para que ficasse comestível e de acordo com as normas higiênicas em vigor. 

E o criativo sistema integrado? 

A matéria- prima tinha que ser de qualidade. O porco, desde que nascia, tinha que ser bem tratado, alimentado e com boa higiene. Onde eu fui achar isso? Nos Estados Unidos. Eu fui lá ver como era, porque lá o sistema era integrado, e apliquei a integração em Concórdia. E junto com o porco, o sistema foi aplicado às aves também. No começo abatíamos 6 mil frangos por dia. Hoje são abatidos mais de 2 milhões por dia. 

E os derivados do suíno que surgiram depois na Sadia também? 

Daí começamos a fazer o aproveitamento da parte industrial, comecei a visitar institutos de pesquisa, fui à Alemanha. Lá, foi interessante porque foi a grande jogada de seu Atillio Fontana. Ele tinha uma cabeça extraordinária e visionária. Perguntou- me assim: o que você precisa fazer para que essa marca seja considerada de produtos de qualidade? Eu disse que era estudar a tecnologia. Ele me perguntou o que era a tecnologia? E eu disse que era experimentar, estudar novos sistemas, só que no Brasil não tinha como. Então eu disse que ia viajar para a Alemanha, porque para avançar tinha que ir para lá. Ele me perguntou se eu sabia falar alemão, eu não sabia, mas ele chamou meu irmão, que era o diretor- financeiro da empresa, que me deu dinheiro para passar seis meses na Europa, fazendo curso em fábricas de embutidos. Então eu fui. 

Qual a solução para a atual crise no preço do milho e soja? 

A urgente construção de ferrovias. Tem que ter trem. Fui usuário de ferrovia durante 15 anos. Eu tenho um sentimento profundo de tristeza quando passo pelo Rio Grande do Sul e constato que tudo virou ferrovelho. E Brasília não está nem aí. 

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A construção de Brasília foi um erro histórico? 

Foi. Com o dinheiro que se gastou com estradas para o Brasil Central, faziam- se 10 estradas nacionais de ferrovia. 

Conselhos aos que querem chegar aos 100 anos? 

Trabalhar, trabalhar e trabalhar. Acho que a coisa mais importante na vida do homem é preencher seu tempo trabalhando. Dando de si aquilo que veio ao mundo para dar. Não existe melhor coisa na vida do que conhecer e falar com gente. Todos os conferencistas que vêm aqui ou falam pelo Brasil chegam à mesma conclusão: o negócio é conversar com pessoas. Além disso, ler bastante. Eu sempre li. E, claro, viajar muito. 

Duas obras literárias que o senhor aprecia e recomenda? 

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, um clássico indispensável . E A Divina Comédia, de Dante Alighieri. A coisa mais importante na vida de um homem é preencher seu tempo trabalhando. 

A sabedoria de Fontana

Empresarial
Sobra de dinheiro é mais perigosa que a falta dele. O sujeito não sabe onde colocá- lo. E aí faz besteira. Quer ser o primeiro em tudo. Isto custa muito milho”. 

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Arrogância
“Dono fantasiado de príncipe e diretor vestido de marquês corroem uma empresa”. 

Prognóstico
“Quando uma empresa compra um avião, uma emissora de televisão ou está construindo uma moderna sede é concordata à vista”. 

Trabalhista
“Quando o sujeito não fala com os empregados, vai ter problemas. Acaba contratando alcaguetes e eles sugam o teu sangue sem dizer o que está ocorrendo no chão da fábrica”. 

Crescimento 
“Só vai para a frente quem agrega valor ao que faz”. 

Prioridade
“Quem não confia e prestigia o pequeno não tem futuro garantido”. 

Urgência
“Se algo precisa ser feito, que se faça logo, mesmo errando. Depois, se for o caso, se corrige”. 

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Comunicação 
“Fale direto. Olhos nos olhos. E não mande recado”. 

Prudência
“Não se troca parelha de burros em subida. Primeiro, calce as rodas da carroça”.

Desconhecido
“Não se entra em baile de cobras sem perneira”. 

Experiência
“O diabo sabe, porque é diabo; mas sabe mais, porque é velho”. 

Prevenção
“Nunca chegue em casa onde tem cachorro magro”. 

Provocação
“Macaco que se coça, quer chumbo”. 

Oportunidade 
“Cavalo encilhado só passa uma vez na vida”. 

Impostor
“Todo medíocre costuma ser solene”. 

Presença
“O olho do dono engorda o gado”.

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