Professor de escravidão contemporânea na Universidade de Hull, na Grã-Bretanha, Kevin Bales é autor do ranking da escravidão em 162 países. Bales, cujo livro Disposable People: New Slavery in the Global Economy (Em tradução livre, Pessoas descartáveis: A nova escravidão na economia global) foi indicado ao prêmio Pulitzer e elogia a atuação do Brasil, afirmando que o maior preocupação são os países ricos, que deveriam servir de exemplo, mas não o fazem. Leia trechos da entrevista:

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Zero Hora – O que você quer dizer com escravidão moderna?

Kevin Bales – Não estamos falando em um tipo específico de escravidão, mas sobre as condições que existem quando a pessoa está sendo escravizada. Ela está sob controle total de outra pessoa, é tratada como se fosse propriedade, não pode ir embora, violência pode ser usada para manter este controle e é economicamente explorada. Há muitos tipos de escravidão, mas todos apresentam essas características.

ZH – É um problema que está crescendo?

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Bales – Não sabemos porque não tínhamos um índex anual. Não podemos saber para onde vamos se não sabemos aonde vamos. Em alguns anos, vamos poder saber se o problema está aumentando ou não. É algo que as pessoas devam se preocupar? Sim, é a violação dos direitos humanos fundamentais.

ZH – Quanto tempo levou para elaborar o relatório?

Bales – Houve um pouco de trabalho de campo. Muito é informação coletada nos países. Reflete o trabalho feito no campo. Informação coletada por diferentes. Digging of a large team. Aproximadamente um ano e meio levou para fazer este relatório.

ZH – Você ficou surpreso com alguma região?

Bales – Não. Acho que este relatório irá surpreender alguns países porque há alguns que têm algumas pessoas vivendo sob escravidão, mas pensam que não tem nenhuma. Estava na Finlândia na semana passada e eles ficaram surpresos quando dissemos que acreditamos que existam algumas centenas de pessoas sendo escravizadas na Finlândia. Quem está sendo escravizado lá em geral foi levado até lá e forçado a trabalhar ou a se prostituir ou fazer trabalhos domésticos. Uma das razões pelas quais os países ricos têm escravidão é pela ignorância a respeito da situação dentro de suas fronteiras. O relatório é muito crítico em relação aos países ricos, que não têm desculpas para manter pessoas nesta situação.

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ZH – O que foi descoberto sobre o Brasil?

Bales – O Brasil tem boas políticas nacionais, a lista suja, fiscalização especial, um plano nacional de erradicação do trabalho escravo. Está à frente da maioria dos países. Então, Brasil é um bom exemplo e queremos mostrar isso. O trabalho escravo no Brasil assume diferentes formas. Há o probelma na fronteira, na Amazônia, no Pará, onde as pessoas realizam trabalhos limpando áreas, devastando ilegalmente a floresta, mineração, também fazendo com carvão. Há também imigrantes escravizados em fábricas, mulheres escravizadas na prostituição. A estrutura legal para combater esses problemas é boa, mas a resposta não é grande o suficiente. Mas um dos melhores exemplos para se lidar com o trabalho escravo é a lista suja. O governo publica uma lista de qualquer empresa envolvida em escravidão, que a impede de receber apoios governamentais de qualquer forma. Brasil é o líder nisto. Outros países tentam dizer que se alguma empresa fizer algo ruim, nós reforçaremos ações legais, isso funciona também, mas uma lista suja pública, na internet, é um instrumento poderoso. Outros países não fizeram isso ainda.

ZH – Qual é o problema da escravidão no Haiti?

Bales – As pessoas muito muito pobres lá não estão em escravidão, mas há um grande número de crianças escravizadas no que chamamos de sistema de servidão Restavek. Eles são aliciados ou sequestrados e levados a fazer serviços domésticos, cozinhar, limpar, dormem no chão, são muitas vezes sexualmente abusados. São escravos.

ZH – Por que Cuba é o melhor posicionado?

Bales – Uma das explicações é porque eles estão isolados. De alguma forma, é difícil de fazer tráfico humano. E também é um governo com uma forte ênfase em serviços sociais, educação e cuidados médicos e também tem uma presença policial forte. Há um controle forte da polícia nas comunidades, o que dificulta a ocorrência pelo menos desse tipo de problema.

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ZH – Qual é a região mais preocupante?

Bales – Estou mais preocupado com os países ricos porque poderiam terminar facilmente com a escrividão. Eles não têm desculpa. Países pobres, que enfrentam muitos outros problemas, têm mais dificuldade em terminar com a escravidão. Quem deve fazer algo? Os países ricos, que deveriam ser exemplo e liderar. Me preocupa especialmente a América do Norte, o Leste Europeu e Japão. Eles poderiam liderar para o resto do mundo terminar com a escravidão, mas não conseguem lidar com o problema em seus próprios países.