Em Balneário Camboriú para a abertura do 6º Fórum de Reitores do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), esta semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes falou em entrevista ao DC sobre a judicialização da política brasileira, espetacularização de operações policiais e delações premiadas.

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Ex-ministro da Justiça, elevado à corte por indicação do presidente Michel Temer (PMDB) em meio a polêmicas, Moraes não se esquivou de assuntos como a legalização das drogas e o ensino religioso confessional nas escolas. Veio a Santa Catarina para palestrar aos reitores sobre ética e educação _ o que, segundo ele, é o que falta para alavancar o país.

O senhor veio a Santa Catarina falar em ética e educação. É o que falta no Brasil?

Sem duvida, é por isso a minha crítica ao sistema educacional brasileiro que tem muitas matérias extremamente técnicas quando não tem essa necessidade, e as pessoas chegam à universidade sem terem tido um grande contato com ética, filosofia, sem terem contato com seus direitos e deveres fundamentais. Pouquíssimos alunos, inclusive os que fazem Direito, chegam à universidade já tendo aberto ou lido pelo menos o artigo 5º da Constituição. As pessoas não conhecem seus direitos, deveres, os métodos de cobrança de seus representantes, deputados, vereadores, prefeitos eleitos, e não têm uma noção que liga ética e cidadania. O grande desafio do ensino brasileiro é juntar essas noções, ética e cidadania, para alavancar um país melhor.

Recentemente o senhor fez uma reflexão sobre as delações, elas devem ser rediscutidas?

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É o momento de verificarmos os eventuais erros ocorridos nessas grandes delações, e essa última (delação) mostrou claramente, com pedido do Procurador Geral da República para rescindir. Precisamos aprender com esses erros para evitar perpetuar injustiças. Não podemos permitir que um criminoso utilize uma delação para indicar alguém, e não todos que participaram, e se salvar totalmente. A delação, como a free bargain nos Estados Unidos, e hipóteses semelhantes em Portugal e na Itália, não pode permitir manipulações. O delator é um criminoso, e isso é o que num determinado momento no Brasil, lamentavelmente pela imprensa, foi esquecido. O delator não é um herói, é um criminoso que praticou crimes gravíssimos. A lei dá a oportunidade para que ele indique, na cadeia criminosa, quem está acima dele. Ele não deixa de não ter ética, de ser criminoso, e deve ser tratado como tal.

A morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, levantou a questão da espetacularização. Há exagero nas operações?

Você tem que ser extremamente duro com o criminoso, a Justiça tem que ser rápida, eficaz e dura, mas sem humilhar qualquer que seja. Seja o condenado, e muito menos eventuais investigados e réus. Um dos grandes problemas que precisamos consertar no ordenamento jurídico são vazamentos seletivos que acabam depois não se confirmando, mas acabam com a honra de uma determinada pessoa. Não me refiro a esse caso porque não tenho conhecimento, mas os vazamentos seletivos, principalmente das delações, são um grande problema.

A interferência cada vez maior do Judiciário no Executivo e no Legislativo é saudável?

O Judiciário só se manifesta quando é provocado. É uma característica do Judiciário a inércia, ele não escolhe as causas. Mas cada mais vem sendo provocado, principalmente pela ocorrência de inúmeros gravíssimos fatos. O Judiciário deve sempre atuar com serenidade e fazendo ponderação, no que é sua função jurisdicional e o que é uma opção do legislador, política.

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Há judicialização da política?

Há algum tempo e isso foi ampliando, uma judicialização muito grande causada principalmente pelos políticos. O que ocorre, e só uma reforma do sistema político eleitoral poderia atenuar, é que hoje temos 31 partidos com representação no Congresso, e todo partido que perde uma votação no Congresso judicializa a questão. Lá vigora a regra da maioria. Se o povo votou mais em determinados representantes, desde que não haja inconstitucionalidades, isso não deve chegar até o judiciário. Hoje chega, e o próprio Congresso com isso acaba se desmerecendo, porque judicializa questão Interna Corporis (questão interna).

A situação do Rio de Janeiro deve acender a discussão sobre a legalização das drogas?

A violência no Rio de Janeiro é ligada ao trafico de drogas e ao trafico de armas, e isso não há nenhuma discussão para liberalizar. A grande questão que deve ser discutida na verdade é o combate conjunto, principalmente na inteligência, com as forças armadas. Sou defensor da atuação conjunta de inteligência e fronteiras. Não as forças armadas atuando como polícia, porque a expertise das forças armadas é outra. O que temos é que acabar com uma tradição brasileira: o Brasil prende muito, mas prende mal. Prendemos quantitativamente _ desde o furto de um botijão que alguém pula o muro, sem violência ou grave ameaça, mas é furto mediante escalada e vai para a prisão _ até um roubo de carro-forte, com fuzil, um roubo qualificado. Um fica 10 meses e outro fica 5. Condutas totalmente diferentes, só que a bandidagem violenta, a alta criminalidade, fica muito pouco tempo na cadeia. Eu já tinha proposto isso como secretário de Segurança e levei ao Congresso como ministro da Justiça: réus primários, sem violência ou grave ameaça, penas alternativas. Não há necessidade de prisão. Agora, para crimes com violência ou grave ameaça, não se justifica cumprir um sexto da pena e estar na rua. Crimes que amedrontam a sociedade, latrocínio, homicídio, tráfico de drogas, de armas, como em qualquer lugar no mundo, teria que cumprir metade da pena no mínimo antes de verificar se poderia sair. Enquanto não tomarmos uma postura séria em relação à criminalidade, continuarmos com demagogia, vamos ficar enxugando gelo.

Legalizar as drogas então não resolve?

Está sendo discutida no Supremo Tribunal Federal a descriminalização do uso. Desde a última alteração na lei de tóxicos, quem é pego usando droga não é mais preso. A lei ficou no meio do caminho, se faz um termo circunstanciado e no máximo uma medida alternativa. Já não pode dar prisão, é uma questão de saúde pública. Nós temos que atacar o traficante. O traficante se empoderou, é um criminoso violento. Há discursos falsos moralistas românticos de que é uma vitima da sociedade. Não, ele é um bandido, um criminoso violento, que mata pessoas, faz chantagem. A droga que ele vende vem junto com sangue. Temos que atacar o traficante, e não o usuário que nem preso mais pode ser.

SC pode receber uma prisão federal de segurança máxima e o assunto não é bem visto por parte da comunidade. Unidades assim trazem benefícios ou problemas?

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A sociedade tem que optar se quer combater a criminalidade ou não. Não se combate com ninguém querendo presídios federais. Você tem que construir demonstrando que vai ter total segurança, trazendo a população próxima para verificar que não vai gerar nenhum problema, e logicamente com compensações àquela população. Quem aceita um presídio merece também uma nova infraestrutura em outra área. Se a população quer combate à criminalidade, precisamos ter unidades de segurança máxima em todos os estados da federação.

O senhor votou favorável ao ensino religioso confessional nas escolas. Não corremos o risco de ferir o estado laico?

Não existe nenhum risco, tanto que o STF afastou por maioria essa alegação. Não é questão de gosto, mas de determinação constitucional. Ouvi alguns articulistas dizendo que a Constituição não deveria prever isso. Mas ela prevê, e se prevê tem que ser aplicado. Primeiro, total liberdade religiosa, a matrícula é facultativa. Quem não quiser fazer não faz, não se pode obrigar. Segundo ponto, ensino religioso não é história das religiões, filosofia das religiões, ciência das religiões. É o ensino dos dogmas religiosos. Os pais que querem matricular seus filhos para ter ensino religioso presbiteriano, católico, espírita, de umbanda, eles não querem que o filho tenha o ensino de outra religião. Então ao Estado compete fazer isso. Todas as religiões, dentro do princípio da igualdade que já existe no sistema penitenciário. Se tem presos de quatro religiões, essas quatro podem dar sua contribuição para esses grupos. É o que deve ser feito nas escolas, sem favorecer uma ou outra.