As montanhas próximas de Beirute estão servindo de refúgio para muitas pessoas que fugiram da explosão no porto da cidade libanesa, nesta terça-feira (4). É o caso da bancária Carla Tarraf que vive há seis anos no Líbano e tem familiares em Florianópolis.

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O Diário Catarinense conversou com ela no começo da tarde desta quarta. A casa fica a 900 metros acima do nível do mar. Lá é quase noite, já que são seis horas a mais. Confira:

Onde você estava e o que fazia no momento da explosão?

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Bem, eu saí do trabalho às cinco da tarde, e eu não havia terminado o meu trabalho. Então eu cheguei em casa, eu peguei o meu laptop, eu fui para um café que tem ao lado da minha casa… Tinha, porque desmoronou também. Eu peguei o laptop, desci para continuar trabalhando. E esse café, que é o lado da minha casa, ou seja, a minha casa e o café é separado do porto só por uma estrada. Por uma via rápida, uma highway [rodovia]. Então eu estava lá trabalhando na hora que aconteceu, e explodiu a primeira… deu o primeiro barulho, a gente ficou sentado porque infelizmente a gente já está meio que acostumado com esses barulhos, mas não foi tão alto como a segunda vez. E quando explodiu a segunda, quando deu a segunda explosão, já era… não tinha mais como ver nada. Fumaça, pessoas gritando, e eles começaram a gritar e falar para todo mundo subir, porque o café fica numa descida. Subir para a rua, porque até então ninguém sabia o que era, ninguém sabia se ia continuar ou não.

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O que você pensou quando viu a nuvem da fumaça e a bola de fogo causados pela explosão?

Olha, na verdade, na verdade, a primeira coisa que você pensa é que é um atentado, infelizmente, por conta da situação do país e da região. Então, eu acho que não só eu como todo mundo achou que fosse um atentado. E, sinceramente, não sei se isso faz parte da pergunta, mas eu e a grande maioria das pessoas que estávamos ali naquele momento pensou: que já era, [que] morreu todo mundo, porque, sinceramente, foi uma coisa bem grande. Foi bem catastrófica.

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Como você conseguiu se refugiar nas montanhas de como foi esta primeira noite? Está sozinha ou com amigos?

Na verdade, uma coisa que é muito boa é que, tirando toda a tragédia que aconteceu, eu sempre prefiro ver as coisas pelo lado bom. E o lado bom nessa hora é a hospitalidade das pessoas. As pessoas são solidárias com todo mundo. Então, eu vim, porque como eu moro sozinha aqui, e no meu trabalho eles sabem que eu moro sozinha, eles me “contactaram”, o presidente da empresa me “contactou”, e falou que estava mandando alguém me buscar, para eu vir com ele para a casa da montanha onde ele viria ficar com a família dele. Aqui é tranquilo, aqui nem chegou, porque nós estamos a 900 metros acima do nível do mar, que é acima de Beirute. Então, aqui está tranquilo, como se não tivesse acontecido nada. Mas não dá para esquecer que aconteceu. Hoje, eu passei o dia inteiro aqui, eu precisava ficar, eu e os meus pensamentos, e não fui para Beirute. Então eu não sei como estão as coisas lá. Mas, para mim, aqui hoje foi um dia de muita reflexão, e muito agradecimento, principalmente.

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Como está sendo enfrentar o problema da comunicação com sua família que vive aqui no Brasil?

Ontem (4), desde a hora que aconteceu até a noite, foi bem difícil porque eu acho que a explosão acabou afetando o sinal do telefone, o sinal da internet, e, obviamente, para falar com o Brasil eu preciso da internet, porque a gente faz contato por WhatsApp. Ontem foi difícil, e ontem tinha também o problema que até eu chegar em algum lugar a bateria do meu celular ia acabar e eu ia ficar sem comunicação. Então eu acabei só mandando mensagens e falando “eu tô bem”, “eu tô bem”, só que, lógico, pai e mãe, família que está longe não acredita. Então eles acabam… não duvidando, mas eles acabam achando que a gente está escondendo alguma coisa para poupá-los de algum sofrimento. Inclusive, ontem foi uma coisa muito louca, um sentimento muito louco, porque eu recebi mensagens eu acho que de todos os continentes do mundo. Inacreditável como correu a notícia muito rápido. Pessoas que estavam na França, na Austrália, em Portugal, no Brasil nem se fala. No Brasil inteiro as pessoas que eu conheço mandaram mensagens, perguntaram pelo Instagram, pelo Facebook, só que ontem foi impossível responder alguém. Então hoje foi o dia da reflexão, principalmente também por ter escutado tanta mensagem solidária e bonita.

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Esta tragédia mexeu com o seu desejo de voltar o pretende ficar no Líbano?

Olha, essa é uma pergunta que, para você ter uma ideia, em 2006 eu estava aqui, na época da guerra. Em momento algum eu pensei em ficar aqui, tudo o que eu queria era ir embora. Em 2006 foi muito mais fácil, porque a gente escutava, a gente não via nada. Eu, pelo menos, não via nada. Eu só escutava o bombardeio super longe. Só que lá era diferente, eu era mais jovem, eu não tinha uma estabilidade no país, então hoje eu tenho um emprego fixo há cinco anos, eu estou construindo uma carreira, eu tenho um compromisso com o banco onde eu trabalho. Hoje a decisão precisa ser muito bem pensada. Hoje eu não vou me basear no medo e no susto que eu tomei. Hoje vai ser uma coisa mais pensada, mais pé no chão. Mas eu acho que eu sou mais uma cidadã desse país e, infelizmente, você cria uma força. Porque eu acho que o que… que as coisas boas desse país acabam sobressaindo, acabam te fazendo pensar muito em não ir embora, em não abandonar. Porque hoje seria um abandono, eu não vou te negar isso. Hoje seria “estou com medo e vou embora”. Eu acho que eu devo a mim e a muita gente que estendeu os braços essa responsabilidade mental, sabe? De pensar mesmo e de tomar a decisão certa, que eu acredito que seja continuar no país.

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