Foram poucas as vezes na carreira em que Tiago Splitter sucumbiu a algo dentro de quadra. Nem mesmo as divididas com os gigantes da NBA no garrafão, ou as trombadas com os brutos no basquete europeu fizeram o grandalhão de 2,11 metros de altura desabar. A morte da irmã Michelle, em 2009, vítima de leucemia, poderia ser um bom motivo para fazê-lo abrir mão de muitas coisas, inclusive na carreira. Mas não. Encontrou forças enquanto a família se reconstruía, chegou à principal liga de basquete do planeta um ano depois e, mais do que isso, a conquistou. Colocou o Brasil em meio aos gringos vencedores na terra do Tio Sam em 2014, e entre os quiques da bola laranja consolidou o seu nome.

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Ontem Tiago não sucumbiu, não foi o derrotado da história, mas teve que tomar uma decisão digna de um atleta maduro: a de se aposentar. Tão maduro quanto ele mesmo teve de ser aos 15 anos, quando deixou a pacata Blumenau para morar em Bilbao, na Espanha. Depois de um título da NBA, um ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003, dois títulos de Copa América e ser eleito melhor jogador da temporada regular da Liga Espanhola em 2010, ele abriu mão da luta. Preferiu interromper a batalha contra seus quadris – após uma lesão constatada dois anos atrás –, antes que ela se tornasse uma guerra.

Mas engana-se quem pensa que há decepção ou frustração por deixar as quatro linhas do basquete. Para quem teve de conviver com uma carreira de sangue, suor e lágrimas, ao se referir às lesões, ao esforço de se tornar um atleta de alto rendimento e à morte da irmã – como ele mesmo revelou em entrevista ao Santa em julho de 2013 –, se aposentar é um recomeço.

– Durante esse ano realmente tentei. Tentei fortalecer o quadril e fugir da segunda cirurgia, mas a dor estava cada vez maior. Para o meu bem era melhor parar – contou Splitter à reportagem ontem, pouco depois do anúncio oficial.

Se aposentar, claro, é uma decisão particular. Splitter disse que foi algo conversado com a família e muito bem pensado antes de se tornar oficial. Para o treinador de Blumenau, Sérgio Carneiro, o Serjão, a despedida das quadras foi algo prematuro e quem irá perder é o fã do atleta. Um dos primeiros técnicos do blumenauense durante as categorias de base da S.R.E. Ipiranga – de onde foi revelado para o mundo –, ele avalia que o pivô poderia render mais algumas temporadas no basquete europeu e ter tranquilamente uma despedida das quadras em alto nível jogando o Novo Basquete Brasil (NBB).

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– Acho um pouco prematura (a decisão), mas cada um sabe de seu próprio joelho. Como o Leandrinho e o Varejão optaram por jogar no Brasil, acho que ele também teria condições. Mas é uma opção e nós temos que aceitá-la. Ele está desde jovem treinando em um ritmo muito forte e isso desgasta demais – avalia Serjão.

Desenvolver o Esporte no Brasil e em Blumenau está nos planos

Se por um lado quem se acostumou a vê-lo com a regata acinzentada do San Antonio Spurs, a avermelhada do Atlanta Hawks ou a azulada do Philadelphia 76ers terá de se familiarizar com sua ausência na NBA, por outro o esporte brasileiro ganha força fora das quadras. A promessa de Splitter é de desenvolver o basquete, que passa por um momento de reformulação e transição. A continuidade no trabalho com o Instituto Tiago Splitter – recém- criado e gerido pelo irmão, Marcelo – também está nos planos, muito embora o atleta não descarte a possibilidade de se tornar treinador:

– Um atleta nunca quer parar, acho que na nossa cabeça vamos ser atletas para sempre, só que vamos competir de forma distinta. Estou com vários projetos, estudando e melhorando meu inglês, fazendo estágio em times da NBA, e quero ajudar o basquete brasileiro, a começar pelo meu instituto.

No fim das contas, o trabalho agora em Blumenau é fazer com que um novo Splitter apareça. Missão para ao menos um entre os 100 jovens jogadores que hoje integram as categorias de base do município e que sonham em um dia ir além do rapaz que conseguiu levar o nome da cidade para o mundo.

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 Blumenau - SC - Brasil - 19022018 - Tiago Splitter anuncia aposentadoria, camisa em sua homenagem no clube Ipiranga em Blumenau.
Camisa de Tiago está eternizada no ginásio da S.R.E. Ipiranga, em Blumenau Foto: Patrick Rodrigues / Jornal de Santa Catarina

 De Blumenau para a Espanha

Destaque nas categorias de base das equipes de Blumenau e também da Seleção Brasileira, o ala-pivô ainda adolescente chamou a atenção de olheiros do basquete espanhol, uma referência da modalidade no Velho Mundo. Após defender o time de Blumenau na Liga Nacional, o garoto de 15 anos acertou a transferência para a Espanha, contratado pelo Baskonia.

Tiago Splitter ala-pivô do clube de Basket Bilbao PÁGINA: 42 Fonte: Agência RBS Fotógrafo: Edemis Garcia Data Evento: 00/08/2003
Tiago com a camisa do Tau Cerâmica em 2003 Foto: Ver Descrição / Ver Descrição

Tiago se desenvolve como atleta na Espanha. Ao todo, foram 10 anos atuando por clubes espanhóis e brilhando nas quadras europeias em competições internacionais. Foi bicampeão da Liga ACB, o campeonato espanhol de basquete em 2008 e 2010. Em 2010, ganhou o prêmio de melhor jogador (MVP) da temporada regular e das finais da liga.

Contratado pelo Santo Antonio Spurs

O bom desempenho nas quadras europeias atraiu os olhares de treinadores da principal liga de basquete do mundo, a NBA. Ele foi selecionado pelo San Antonio Spurs no draft (formato utilizado para a contratação de jovens talentos e jogadores internacionais na NBA) em 2007, mas só assinou o contrato com a franquia texana e se transferiu para os Estados Unidos na temporada de 2010/2011.

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É campeão!

Tiago escreveu o nome dele na galeria de campeões da NBA e na história do baquete do Brasil na madrugada de 16 de junho de 2014. Com a vitória do San Antonio Spurs sobre o Miami Heat por 104 a 87, o Spurs fechou a série final da temporada em 4 a 1 e conquistou o quinto título da franquia. De quebra, o blumenauense se tornou o primeiro brasileiro a levantar a taça da liga norte-americana de basquete.

2014 NBA Finals - Game FiveSAN ANTONIO, TX - JUNE 15: Tiago Splitter of the San Antonio Spurs poses for a portrait with the Larry OBrien Trophy after defeating the Miami Heat in Game Five of the 2014 NBA Finals on June 15, 2014 at AT&T Center in San Antonio, Texas. NOTE TO USER: User expressly acknowledges and agrees that, by downloading and or using this photograph, User is consenting to the terms and conditions of the Getty Images License Agreement. Mandatory Copyright Notice: Copyright 2014 NBAE   Jesse D. Garrabrant/NBAE via Getty Images/AFPEditoria: SPOLocal: San AntonioIndexador: Jesse D. GarrabrantSecao: BasketballFonte: NBAE / Getty ImagesFotógrafo: Contributor
Foto: Jesse D. Garrabrant / NBAE / Getty Images

Casa nova e últimos jogos

Em julho de 2015, Splitter foi negociado pelo San Antonio Spurs, com quem tinha mais dois anos de contrato, e foi para o Atlanta Hawks. Defendeu a equipe da Geórgia por uma temporada. Machucou-se entre 2015/2016 e não disputou a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.

Em 2017, Tiago transferiu-se para o Philadelphia 76ers e chegou a atuar por oito partidas. Após a cirurgia no quadril, não conseguiu mais voltar às quadras e ficou sem time no início dessa temporada. Ontem, Splitter pôs um ponto final na carreira como atleta profissional. Na NBA, disputou 420 jogos, com média de 7,9 pontos e cinco rebotes por jogo. Pela Seleção Brasileira, conforme dados da Fiba, atuou por 99 partidas, com média de 11,5 pontos e 6,2 rebotes por jogo. Destaque para os títulos do Sul-Americano e Pan-Americano de 2003, e a Copa América de 2005 e 2009.

OPINIÃO
O ponto final de um guerreiro
Everton Siemann
everton.siemann@somosnsc.com.br 

O basquete viu um campeão colocar um ponto final em sua carreira ontem. Não um campeão qualquer. Disciplinado e determinado, Tiago Splitter pode muito bem ser usado como sinônimo de guerreiro. O garoto criado na Rua Petrópolis, no Centro de Blumenau, é um obstinado. Foi o jogador de basquete brasileiro que alçou o voo mais alto para quem é apaixonando pelo esporte da bola laranja. Em 2014, tornou-se o primeiro atleta do Brasil a erguer a taça Larry O’Brien, o troféu da liga norte-americana, a NBA. Transformou o sonho de infância em realidade e marcou o nome dele na história do basquete.

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Acompanhei a trajetória dele desde o início. Fomos colegas nas categorias de base da S.R.E. Ipiranga, na Itoupava Seca. Lembro como se fosse hoje do dia em que aquele magricela, com mais de 1,80m aos sete para oito anos, chegou para treinar pela primeira vez. Era tão grande que corria todo desengonçado.

A vontade de vencer era tão grande que aos poucos aquele grandalhão se tornou peça fundamental em cada uma das equipes em que atuou do Ipiranga, depois de Blumenau, das seleções de Santa Catarina e, consequentemente, da Seleção Brasileira. Chamou a atenção dos gringos e, aos 15 anos, foi bater bola do outro lado do Oceano Atlântico. Construiu uma carreira brilhante e vitoriosa na Espanha. Foi evolução atrás de evolução até desembarcar na terra do Tio Sam e alcançar a inédita conquista do basquete verde-amarelo há quatro anos. Sempre com muito sacrifício, ou como uma vez muito bem definiu o pai dele, Cássio: com muito suor, sangue e lágrimas.

Seja contra a distância da família, a morte da irmã ou as lesões de quem joga em alto nível, o guerreiro sempre lutou. Enfrentou as dores e chegou a jogar com prótese no lado direito do quadril. O diagnóstico de uma nova cirurgia do outro lado do quadril o fez refletir e optar por abreviar a carreira, aos 33 anos. Tiago põe um ponto final na história como atleta e, por tudo o que conquistou dentro de quadra, tem um papel fundamental para o futuro do esporte: inspirar novos talentos a trilhar o caminho percorrido por ele, em busca da vitória e do sucesso, seja no basquete ou em outra modalidade.

Obrigado por tudo, guerreiro.