A maioria da vizinhança do pescador Cleber De Brum, de 39 anos, que mora da rua das Orquídeas, em um bairro distante 10 quilômetros do Centro de Jaraguá do Sul, nem sabe o que ele passou na madrugada de terça para quarta-feira para se manter vivo.

Continua depois da publicidade

Cleber é um dos 12 sobreviventes de um dos maiores naufrágios de Santa Catarina em que cinco pessoas ainda estão desaparecidas. Nesta quinta, ele estava tranquilo em casa na companhia da mulher Adriana de Lourdes Rocha, dos três enteados e do filho. O naufrágio, embora recente, parecia estar no passado para Cleber. O que ficou agora foi a preocupação com os companheiros que ainda não foram encontrados.

Cleber é natural de Porto Alegre, mas mudou-se com a família para Imbituba no Sul do Estado, quando tinha apenas quatro anos. O “cataúcho” é filho e neto de pescadores aprendeu no litoral de Imbituba a lida do mar com o pai. Quando o Cleber tinha 15 anos, a família veio para Jaraguá do Sul em busca de emprego em indústrias. A pesca ficou para trás e Cleber tornou-se um operário.

Mas a saudade do mar falou mais alto dentro do pescador e há dois ele voltou a pescar. Continuou morando com a família em Jaraguá do Sul, mas ia para os portos em busca de trabalho, geralmente a pesca da sardinha. Chegava a passar um mês longe de casa. Na traineira Vô João G, ele trabalhava há sete meses.

Continua depois da publicidade

Pescador profissional, Cleber disse que sempre soube que o mar é traiçoeiro e com ele não se brinca, mas afirma que nunca imaginou que iria passar por uma circunstância em que viu o morte de perto.

A mulher Adriana, soube do que aconteceu só às 13 horas de quarta-feira, quando Cleber telefonou para ela e disse que o barco tinha naufragado, mas que ele estava bem.

– Fiquei angustiada por não ve-lo, mas feliz por saber que ele estava bem e vivo – comenta.

Continua depois da publicidade

Como foi a saída de vocês para esse dia de trabalho?

Cleber De Brum – Saímos tranquilos de Itajaí por volta das 21 horas de terça-feira. O tempo estava bom e nossa rota seria até Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Fomos em 17 pescadores. Eram para ser 18 , mas um não estava bem e não embarcou.

Vocês sabiam da previsão do tempo? Havia algum aviso de tempestade em alto mar?

Cleber De Brum – Pelo que soube do mestre da embarcação (Mário Jacinto) o tempo estava bom. Se não estivesse a gente nem saía. Nunca arriscamos.

Você sabe que a embarcação estava legalizada?

Cleber De Brum – Acho que sim, a embarcação não apresentavam problemas e nós (os pescadores) estamos com toda documentação em dia.

Continua depois da publicidade

Como aconteceu o naufrágio?

Cleber De Brum – Era perto da meia-noite, estávamos perto da região da Ilha dos Trombetes, em São Francisco. Eu e outros nove pescadores estávamos dormindo no alojamento que tem beliches e fica ao lado da cozinha, na parte chamada casario da embarcação. Lá em cima estava o mestre e mais dois pescadores. Um barulho muito forte fez que eu caísse da parte debaixo do beliche. Alguns de meus colegas também pularam da cama. Quando olhamos para cozinha estava tudo caindo, panelas, pratos, gavetas e armários se abriram e a água começava a invadir o local. O barco começou a inclinar e eu, assim como meus colegas, procuramos a porta que dava para o convés da embarcação. Nem deu tempo de procurar os coletes salva-vidas.

O que você fez quando saiu de lá?

Cleber De Brum – Ao chegar no convés, notei que as ondas chegavam a mais de 6 metros e o barco estava virando. O mestre disse que tentou tirar a embarcação da tempestade, mas não conseguiu, já que a tempestade estava muito forte. Nunca tinha visto um mar assim, só no filme Mar em Fúria. Eu e outros pescadores buscados o bote salva-vidas. Acho que teve algum colega que tentou buscar coletes na outra parte do barco e acabou não voltado, já que o barco estava afundando.

Como vocês saíram com o bote salva-vidas?

Cleber De Brum – Quando tentamos pegar o equipamento entramos em desespero, porque a gente não sabia como usar aquilo. Eu e os outros colegas nunca tinham usado o barco salva-vidas. Buscamos uma faca para cortar a corda a ninguém achava. Até que vimos que um dos pescadores estava sentado em cima do local onde ficava a faca. A gente precisaria de treinamento para que o uso do equipamento fosse mais eficiente. Nunca passei por um treinamento.

Continua depois da publicidade

Você viu o barco afundar?

Cleber De Brum – Sim. Sabia que cinco de nossos colegas não tinham conseguido entrar. A gente nem sabia onde eles estavam. Ficamos ali no salva-vidas, os 11 pescadores olhando para o lugar onde o barco estava afundando. Cheguei a enxergar um colega, mas o chamei e ele não saiu da embarcação. Acho que alguns dos desaparecidos podem ter pego a saída errada quando estava no dormitório e ido em direção à outra porta em que água havia invadido a casaria e podem ter se afogado. Dali, a gente seguiu para outra incerteza, a de sair vivo do bote salva-vidas.

Quanto tempo levou essa corrida de vocês para sair da embarcação?

Cleber De Brum – Tudo foi muito rápido. Desde que a gente acordou e viu que o barco ia afundar foi questão de minutos. Acho que em menos de cinco minutos a gente estava fora. A hora mais difícil foi na hora de o que fazer. Ou a gente salvava a nossa vida ou a vida deles. Foi muito triste, não tinha como voltar.

E depois, no bote salva-vidas, vocês procuram por ajuda?

Cleber De Brum – O mar continuou revolto e as ondas nos jogavam de um lado para o outro. Por pouco a gente não virou. Quando o mar se acalmou, a gente começou a buscar ajudar. Vimos que há umas duas milhas (cerca de quatro quilômetros) tinha uma embarcação. Acionamos o sinalizador, mas como estava muito longe. Não tivessemos resposta.

Continua depois da publicidade

Como foi que vocês passaram a madrugada dentro do bote salva-vidas?

Cleber De Brum – Parte de colegas estava sujos de óleo, por terem entrado em contato com o que vazou do barco e por terem contato com a água ao irem para o salva-vida. Por isso, eles tiraram as camisas. Estava muito frio e principalmente quem estava sem camisa começou a tremer muito. Depois de um bom tempo é que encontramos no bote salva-vidas três cobertores térmicos. A gente estava com muito medo. As ondas poderiam fazem com que a gente se chocasse com uma ilha ou rochas e aí seria o fim, morreríamos afogados ou esmagados nas pedras.

De que forma vocês encontraram o rumo da praia?

Cleber De Brum – Quando a tempestade começou a passar, conseguimos avistar os barcos bem longe notamos que deveria ser o porto de Itajaí. A gente se guiava pelo farol. O dia estava amanhecendo e notamos que o vento mudou e fomos em direção a praia. Ficamos aliviados, mas ao chegar perto da Praia Grande, em São Chico, pegamos a rebentação e uma onde forte virou o bote. Alguns colegas saíram nadando e eu fiquei embaixo do bote. Conseguimos desvirar o bote e também nadei até a praia.

Como vocês foram localizados?

Cleber De Brum – Um senhor estava passando na rua perto da praia de caminhão viu a gente e parou para ajudar. Contamos do naufrágio e o motorista o chamou uma ambulância. Um de meus colegas estava com a perna machucada e foi com a ambulância do Samu. Os outros nove e eu fomos espremidos dentro do caminhão para o PA de São Chico.

Continua depois da publicidade

Como fica a sua vida agora? Vai voltar a pescar?

Cleber De Brum – Gosto de ser pescador. Não é pelo dinheiro, mas sim porque gosto dessa profissão. Trato esse naufrágio como uma fatalidade. Lamento pelos meus colegas que ainda não apareceram. Pensei muito em minha família na hora que a gente estava no bote salva-vidas. Mas rezava para que tudo terminasse bem e conseguisse ver minha mulher e filhos logo.