Nunca se sentiu tanto calor no inverno como nestes dias de agosto. Há dois anos, nevava no Cambirela. Agora, o sol está queimando moleiras e frigindo ovos ao meio-dia desta estranha estação de um tempo seco e quente.

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À maneira de Orson Welles, que adorava um filme-catástrofe e um enredo como o programa de rádio A Guerra dos Mundos, obra de H.G. Wells, adaptada à Nova York de 1938, penso em assustar o leitor com um relato do fim da Ilha de Santa Catarina, depois que o Estreito “secou”.

Primeiro, choveu uma semana de granizo. Então, formou-se no horizonte uma segunda versão do furacão Catarina, que liberou a fúria indômita do seu primo-irmão americano, o Katrina, temível predador. Depois do vendaval, ao contrário do famoso filme de John Ford – em que depois da briga vinha a bonança – ao segundo furacão “Catarina” sucedeu-se um longo período de seca, calor e infelicidade.

A ventania soprou em espiral e seu cone assassino cometeu mais do que um atentado à paz e à harmonia citadinas. Consumou um crime hediondo: derrubou a figueira da Praça XV!

Cobras e lagartos se arrastaram no calçadão da Felipe Schmidt, sob o sol causticante do meio-dia. Bichos repelentes – escamados, exibindo cristas pontudas e esponjosas – monstrinhos cujo DNA se perdera na poeira dos cosmos apareceram nas calçadas da cidade, a Ilha transformada numa jurássica Galápagos.

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O sol já nascia adiantado, no meio do céu, sua circunferência de fogo quase tocando o Morro da Cruz. Nossas duas lagoas, umbigos admirados pela lascívia humana, revelaram suas entranhas, feitas de algas e peixes mortos.

O anátema da seca se abateu sobre a Ilha com a peçonha das cobras traiçoeiras – a cascavel, a surucucu, a coral.

As mãos rasgadas, os lábios talhados, os corações em desespero, os ilhéus e suas Filhas de Maria subiram as escadarias da Catedral em busca de conforto espiritual.

Todos imploraram por perdão e por água, enquanto o sermão da missa das dez apontou a corrupção e a luxúria como os males que levaram o Senhor a castigar a Ilha com tanta inclemência.

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Floripa experimentou seus dias de Sodoma e Gomorra – e quem olhasse para o ventre côncavo e desnudo das duas baías, transformar-se-ia numa estátua de sal.