Só é possível prevenir o que conhecemos. E ignorar um assunto não ajuda a resolver problemas que estão mais presentes na sociedade do que muitos imaginam. Ainda é difícil falar sobre suicídio, mas é crescente a necessidade de debates sobre doenças mentais e outras causas que levam a esse ato extremo. Nos últimos anos, a causa de morte se tornou a terceira mais comum entre jovens brasileiros. Precisamos falar sobre suicídio porque mais pessoas em Blumenau tiraram a própria vida do que foram assassinadas ou morreram em acidentes de trânsito nos últimos anos. Porque discutir o assunto ainda é uma das melhores formas de prevenção.

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Há um consenso entre profissionais da saúde e pesquisadores: o tema precisa ser debatido, especialmente para a quebra de uma série de tabus que ainda se erguem como paredes entre o paciente e a ajuda. Por ser o resultado de diferentes circunstâncias, o suicídio também não pode ser tratado com soluções simplistas que focam em uma única resposta.

Quando se fala em mortes causadas pela criminalidade, investimentos em segurança e educação são tratados como solução; quando a causa é o trânsito, cobram-se melhorias nas condições de tráfego das estradas; e se há uma epidemia causada por alguma doença, a recomendação é a prevenção e o tratamento de qualidade. Mas quando a doença é silenciosa – e às vezes nem considerada uma doença por alguns? Quando a angústia é pessoal e dolorosa, mas não aparente aos que estão ao redor?

Para a psiquiatra e professora Carolina Zadrozny Gouvêa da Costa, falar sobre suicídio da maneira correta é imprescindível para reduzir o estigma sobre o assunto:

– As pessoas às vezes têm dificuldade em pedir ajuda, em diferenciar uma tristeza normal que faz parte da nossa vida quando algo acontece, mas que passa em alguns dias, de um quadro mais grave que não depende apenas da força de vontade da pessoa. Casos de saúde mental são bem mais frequentes do que se imagina e poder falar ajuda, não só como uma forma de colocar para fora, mas especialmente quando quem escuta procura compreender o quadro e apoiar a pessoa a procurar ajuda.

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Segundo as organizações de saúde, Santa Catarina atualmente ocupa o segundo posto no Brasil em índice de suicídios, atrás somente do Rio Grande do Sul. Em 2018, Blumenau teve 31 casos até agosto. Mais que o dobro das 13 mortes em acidentes de trânsito dentro da cidade no mesmo período e também superior aos 22 casos de homicídio registrados pela polícia. No mesmo período a Secretaria de Estado de Saúde registrou 182 tentativas de suicídio na cidade.

– Há um trabalho forte para aumentar as notificações dos casos que antes eram registrados com outras causas de morte e isso pode ter contribuído no aumento das estatísticas de suicídio. Mas se nota em nível nacional um aumento considerável por questões sociais, econômicas, políticas, transtornos mentais e agravantes como o uso de álcool e drogas – explica o coordenador municipal de saúde mental do município, Jorge Fernando Borges de Moraes.

Para conter o aumento dos índices, políticas públicas têm sido trabalhadas e ações como o Setembro Amarelo – campanha de prevenção ao suicídio – trazem o assunto à tona. Em Blumenau, desde março está em vigor um protocolo de atendimento voltado aos casos de suicídio, que mira especialmente na formação continuada no preparo dos profissionais da saúde e em atos de conscientização à população, com palestras e outras atividades em escolas e bairros da cidade. A ideia, segundo Moraes, é aprimorar a rede de apoio e criar níveis de classificação de risco para os moradores que procuram a rede pública.

– A porta de entrada do atendimento na rede pública é a unidade básica de saúde e de lá a pessoa é encaminhada para o atendimento correto. Se é um caso que a pessoa tem um transtorno, planeja a morte, há uso de drogas ou álcool, ela é encaminhada logo para o Centro de Atenção Psicossocial. Se há um caso mais grave ainda ela pode ser levada para internação no hospital, ou se for algo mais leve o acompanhamento pode seguir nos postos de saúde – explica o coordenador.

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Caps têm atendimento em três unidades em Blumenau

De acordo com a psiquiatra Carolina Zadrozny Gouvêa da Costa, geralmente os casos de suicídio ou tentativa vêm em cenários com transtornos de humor como a depressão ou bipolaridade, principalmente quando há agravantes de uso de álcool e drogas – mas não restritos a esses casos. Por isso que muitas vezes o tratamento precisa, também, abordar questões além da saúde mental.

Carolina atua no Centro de Atenção Psicossocial para adultos em Blumenau, umas das três unidades específicas da rede pública, que tem também o Capsi (para crianças e adolescentes) e o Capsad (que engloba situações com álcool e drogas). Nessas unidades, equipes multidisciplinares fazem acompanhamento próximo e contínuo dos pacientes, com atendimento de psicólogo, farmacêutico, assistente social, equipe de enfermagem e terapeuta ocupacional.

– Geralmente as pessoas vêm de encaminhamentos de outras unidades para um atendimento mais completo no Caps, seja com sessões individuais ou em grupo. Quando há um caso mais grave de alguém que já tentou o suicídio o encaminhamento ao Caps pode vir direto do hospital também – explica Carolina.

A psiquiatra comenta que desconhece que existam estudos específicos que analisem as possíveis causas do número de suicídios e tentativas em Blumenau e região, mas que algumas hipóteses como fatores culturais de pressão e cobrança podem estar atrelados ao índice, assim como o fator do estresse (além do aumento das notificações em si). Por isso, segundo ela, é importante estar atento aos sinais que surgem e estar disponível para conversar com quem pode estar começando a ter pensamentos suicidas:

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– As mudanças de humor, tristeza constante ou irritabilidade, isolamento, perda de interesses, mudanças no sono e perda de apetite, são sinais de atenção. É importante falar com a pessoa para que ela possa reconhecer que precisa de ajuda, que tenha uma rede de apoio.

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