O abril é verde para marcar a passagem do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, celebrado nesse sábado. Mas a cor que melhor representa os números relativos ao tema em Blumenau e região é o vermelho. Nos últimos seis anos, 20.799 Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) foram registradas em apenas sete municípios do Vale do Itajaí. O número equivale a 13,2% de todos os casos de Santa Catarina. Neste mesmo período, ao menos 81 pessoas perderam a vida no exercício da função nas cidades. Os dados são do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, vinculado ao Ministério Público do Trabalho, e acendem o alerta para urgência de diminuir esses números.
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Entre as cidades pesquisadas pela reportagem, Itajaí lidera o ranking de CATs e óbitos. Entre 2012 e 2017, 8.452 acidentes de trabalho ocorrem no município e 29 pessoas morreram. Blumenau aparece em segundo lugar, com 5.631 ocorrências e 20 vítimas fatais. Na terceira colocação está Balneário Camboriú, com 2.505 comunicações e 18 mortes. Embora Itajaí tenha o índice mais alto de CATs, é o único entre os três municípios que teve redução na quantidade de comunicações nos seis anos analisados. Uma comparação entre os dados de 2012 e 2017 aponta queda de 10%. Blumenau, por sua vez, viu os registros dispararem nesse período. O crescimento foi de 46%, passando de 726 para 1.062 casos. Indaial, Timbó, Pomerode e Gaspar completam a lista de cidades analisadas.
O chefe de fiscalização do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Macrorregião de Blumenau (Cerest), Francisco Giuberto de Brito, reforça que não é possível fazer uma comparação entre números de cada município em virtude da diversidade de ramos produtivos de cada um deles e o tipo de casos que podem ocorrer em cada setor. Apesar disso, os dados apontam que por dia, em média, nove acidentes de trabalho foram registrados nestas cidades. E o pior: a cada 27 dias, uma pessoa morreu enquanto trabalhava.
Fiscalização permanente
Brito vê o aumento do número de CATs como reflexo da conscientização das empresas sobre a necessidade de registrar as ocorrências. Segundo ele, muitas vezes há resistência por parte dos empregadores por causa das consequências legais. A fiscalização permanente também contribui, pois quando a empresa sabe que está sendo observada ela formaliza os casos conforme prevê a legislação, defende.
No Cerest de Blumenau, os números de atendimentos aos acidentes e às doenças ocupacionais têm caído ano a ano. Em 2012, o centro realizou 4.416 atendimentos e em 2017 ficou em 2.861. Em 2018, até 22 de abril, o número era de 806, considerado dentro da média para o período.
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A redução, para o chefe de fiscalização, é também fruto do trabalho fiscalizatório intensificado, que evita que as ocorrências se repitam. Em março, 192 empresas passaram por avaliação. Um trabalho que ocorre a partir de solicitações registradas pelos mais variados canais, desde solicitações do Ministério Público do Trabalho, até denúncias de sindicatos ou via ouvidoria.
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Reflexo de uma série de fatores
O engenheiro em Segurança do Trabalho Marcos Alexandre Sell vê os índices como reflexos de uma série de fatores, sobretudo, da inexistência de uma cultura voltada à prevenção. Ele defende a necessidade de que as empresas considerem a segurança dos funcionários como um item inseparável do produto ou serviço que oferecem.
– As ações voltadas à segurança do trabalho são muito mais reativas do que preventivas. Muitas empresas não enxergam isso como um valor do negócio, apenas como mais uma das tantas obrigações que o governo impõe – afirma Sell.
Na análise do engenheiro, os desafios para reduzir os números de CATs consistem em capacitação permanente dos trabalhadores, bem como fazer com que as pessoas reconheçam a responsabilidade no contexto da segurança do trabalho. Nesse aspecto, é primordial a atuação do colaborador.
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– É preciso ter políticas que valorizem a saúde e a segurança e não o contrário, como ocorre com os adicionais de insalubridade e de periculosidade pagos a quem se sujeita a agentes insalubres ou a atividades perigosas – argumenta.
O presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Blumenau, Paulo Winkler, aponta como principais causas de acidentes a falta de treinamento e fornecimento de equipamentos de proteção adequados, bem como a ausência de fiscalização eficiente. O advogado pontua que este cenário se agrava com a recente reforma trabalhista. Winkler explica que as penalidades impostas às empresas são variadas e vão desde multas, ação regressiva acidentária da previdência social, além de indenização pelos danos.
– A empresa também pode sofrer consequências de ordem tributária, além da possibilidade de responder criminalmente.
Na visão de Winkler, reverter os índices de acidentes de trabalho começa por uma maior fiscalização pelo Ministério do Trabalho, que, segundo ele, tem um déficit de pessoal e não dá conta da demanda. Outro caminho é um trabalho de conscientização junto ao empresariado sobre mais investimentos em treinamento, equipamento de proteção e fiscalização.
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Comunicação de Acidentes de Trabalho (CATs) de 2012 a 2017
* Fonte: Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho.
A dor de quem se recupera
O relógio marcava 19h30min de sábado à noite em Blumenau. Hanfley Berkembrock havia acabado de fazer uma entrega no bairro Progresso. Era a primeira viagem da noite, que prometia ser produtiva para o trabalhador de 29 anos, que desde os 18 atua como motoboy pelas ruas da cidade. No momento em que voltava para buscar outra pizza recém-tirada do forno, porém, um acidente viria a complicar a vida do motociclista dali em diante. Justamente no Dia Internacional das Vítimas de Acidente de Trabalho, lembrando em 28 de abril, Hanfley completa seis meses sem poder trabalhar.
Depois de um movimento repentino de um carro que estava à sua direita na Rua 7 de Setembro, ele caiu da moto, passou sobre o canteiro central e acabou parando apenas na pista contrária. Foram cinco costelas quebradas, perfuração em um dos pulmões e fratura em uma das clavículas. Hanfley desacordou e só foi despertar no dia seguinte, já no Hospital Santo Antônio. De lá para cá, passou por cirurgias e com dores, vive à base de remédios.
Com cirurgia marcada para o dia 4 de maio, Hanfley acredita que poderá voltar a trabalhar o quanto antes. Desde aquele 28 de outubro, o motoboy tirou da rotina o emprego rentável e passou a viver do auxílio do governo federal. “Encostado”, na linguagem popular, ele conta com a ajuda do pai para pagar as contas. Enquanto isso, torce para que tudo melhore.
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– A gente se vira como pode, mas ainda sinto dor nas costas e no ombro principalmente à noite – conta.
Mesmo com tudo que viveu, Hanfley não tem dúvidas de que voltará a trabalhar sobre duas rodas:
– Trabalho há 12 anos e esse foi meu primeiro acidente. Não tenho medo, até porque não lembro. Mas tenho que voltar. É o meu ganha pão.
Hanfley é um dos 1,2 milhão de motoboys que saem às ruas diariamente no Brasil, conforme dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A ele, resta levar ao pé da letra a música Profissão Perigo, da Rap Sensation: voltar a trabalhar, e sair à rua levando “o Senhor na garupa”, afinal de contas tem vezes em que “a morte tenta alcançar sem culpa” e com a convicção que sair de casa sem saber se volta é uma realidade. Dia após dia.

A dor de quem espera
Luiz Miranda ainda espera. Já passou mais de um terço da própria vida aguardando. Mais de 8 mil dias se passaram depois do 28 de outubro de 1995 que mudou a vida do motorista nascido em Apiúna e que hoje mora em Rodeio. Luiz era motorista de caminhão com bomba de concreto e trabalhava entre Curitiba e Blumenau quando foi vítima de um acidente de trabalho. No bairro Belchior, perto do limite entre Gaspar e Blumenau, ele estava na obra de uma agropecuária quando um problema travou o pistão do caminhão e, ao tentar arrumar, a pressão arrancou a mão direita dele. Luiz chora ao lembrar da ferida e se emociona ao relatar os detalhes daquele dia
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Meses depois do acidente, em 1996, Luiz entrou na Justiça pedindo uma indenização pelo acidente. Motorista e destro, ele não era mais capaz de fazer o serviço.
– Não conseguia nem olhar para um caminhão – diz, ao explicar que precisou se aposentar.
Foi aí que a espera começou. Treze anos depois ele ganhou o processo que moveu contra a empresa na Justiça, mas até hoje não recebeu um centavo. Passaram quase 23 anos daquele dia em outubro e a situação trabalhista não amenizou a dor de Luiz.
– Olha o número de pessoas que passaram por esse processo. Quantos juízes, advogados, promotores, até desembargadores. Só quero justiça – conta o aposentado de 63 anos.
Conforme o advogado de Luiz, Márcio Pickler, e informações do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a empresa em que ele trabalhava na época do acidente faliu e, atualmente, não tem bens para vender e quitar as dívidas. Os cerca de R$ 175 mil que a Justiça disse que o ex-motorista deve receber estão na lista de prioridades caso alguma verba entre na conta da companhia. Porém não há previsão para isso.
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Segundo a juíza da 1a Vara do Trabalho de Blumenau, Desirré Bollmann, estima-se que cerca de 30% de todos os processos da esfera trabalhista são de acidentes. Até 2004 os processos de reparação de danos por acidente de trabalho eram encaminhados à Justiça comum, então demoravam mais tempo para tramitar. A partir de 2005, a Justiça do Trabalho assumiu a demanda e tornou o processo mais ágil, com tempo média de 214 dias de processamento na primeira instância e 228 na segunda.
A dor da perda
Na manhã de 11 de setembro do ano passado, Marcos da Silva, 21 anos, cumpriu o ritual antes de partir para o trabalho: deu um beijo de bom dia em seus pais e disse que os amava. Uma rotina para o jovem amoroso e feliz, como conta a irmã Joice Jacira da Silva Avi. Porém, este seria o último ato de carinho com os pais. Marcos sofreu um acidente enquanto desempenhava seu trabalho em uma empresa de esquadrias. O jovem caiu do telhado do galpão de uma empresa no bairro da Velha, em Blumenau. Ele não resistiu aos ferimentos e morreu.
A queda foi o ponto final na vida de um jovem que estava feliz, pois recém havia iniciado os estudos na faculdade de Administração e sonhava em crescer profissionalmente.
– Ele queria casar, ter filhos, tinha planos de morar com a namorada e queria buscar uma melhor oportunidade de trabalho com o curso – conta a irmã mais velha.
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Para a família, há seis meses restam apenas lembranças e silêncio nos encontros de domingo, que antes eram repletos de momentos de descontração.
– Ainda continuamos almoçando juntos no domingo, mas é horrível fazer algo que antes era tão feliz e agora nos traz tantas lembranças e saudade. Lembro de meu irmão chegando animado para o almoço, sempre com o belo sorriso no rosto – relata Joice, às lágrimas.
Depois do acidente, a família vive um misto de sentimentos e formas de enfrentar a realidade. Joice conta que a mãe teve que procurar ajuda de um psicólogo, enquanto o pai não toca no assunto, tratando o silêncio como um remédio na tentativa de curar as dores de não ter mais o filho no lar.