O abuso sexual pode comprometer de forma significativa a autoestima da vítima. Dependendo do modo como é tratada a partir da constatação, a pessoa pode entrar em situação de autodestruição física e emocional, aponta a doutora em psicologia e professora da Furb, Catarina Gewehr.

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Em Blumenau, 52 crianças e adolescentes sofreram algum tipo de abuso sexual e foram atendidas no Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi) em 2018. Neste ano, em menos de dois meses, já são nove novos casos registrados, cada qual enfrentando de uma forma diferente os traumas de um sofrimento muitas vezes silencioso.

A preocupação inicial é com a saúde da vítima. O Serviço de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violência Sexual (Savs), vinculado à Secretaria Municipal de Promoção da Saúde, é o responsável por atender os casos. No local, localizado no 1º andar do Centro de Saúde Rosânia Machado Pereira, na Itoupava Norte, são feitos exames e acionados outros serviços.

– É importante procurar o quanto antes o atendimento e fazer os exames laboratoriais, para saber se houve algum contágio com doenças sexualmente transmissíveis. Este tratamento e a continuidade de exames seguem até seis meses após a decorrência do abuso – afirma a ginecologista do Savs, Marilena Messina Brower.

A procura por atendimento muitas vezes acontece de forma tardia, o que dificulta o tratamento psicológico e de doenças físicas. Além disso, compromete a investigação policial sobre o caso, pois a falta de denúncia acaba por maquiar a quantidade de casos, que o delegado de Proteção à Criança, Mulher, Adolescente e Idoso (Dpcami) de Blumenau, David Sarraff, caracteriza como cifra negra.

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– Na maioria desses casos a vítima não revela, não chega ao conhecimento da polícia. Estima-se que entre 10% e 20% dos casos de abuso vêm à tona – diz Sarraff, apontando que parte dos casos ocorre dentro do ambiente familiar e doméstico.

Para Catarina a dificuldade na identificação dos casos está diretamente relacionada à credibilidade que se dá para a denúncia do abuso por parte da vítima.

– Um princípio que devemos levar é que a palavra da vítima sempre é verdadeira. Nunca se pode duvidar de alguém que relata um abuso. Não é possível admitir que se corra o risco de não apurar. A melhor forma de ajudar é depositar total confiança – diz Catarina.

Eduarda*, atualmente com 18 anos, teve uma experiência de violência quando tinha apenas 15. Ela relata que estava na casa de praia de parentes quando foi sido abusada sexualmente pelo tio. O episódio levou cerca de um ano e meio para ser descoberto. A adolescente se manteve em silêncio, a descoberta foi feita pela mãe que encontrou uma troca de mensagens entre a menina e o abusador, que estaria fazendo ameaças para que ela não fizesse a denúncia.

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Após a descoberta, os pais procuraram o apoio clínico e psicológico, bem como acionaram a polícia. O caso está na Justiça, mas o impacto da vida da jovem após a violência traz sofrimentos diários para ela e toda a família.

– Não denunciei, pois tinha medo que as pessoas não acreditassem que meu tio havia feito isso. Minha vida mudou totalmente, passei a não confiar mais em ninguém – desabafa a jovem.

* O nome da vítima foi alterado conforme prevê o Manual NSC de Jornalismo

Especialista alerta para mudança súbita de comportamentos habituais

A doutora em psicologia Catarina Gewehr destaca que é importante que os pais estejam atentos aos sinais que são dados. De modo recorrente há uma mudança súbita de comportamentos habituais, rotina do sono, alteração do apetite (comer muito ou comer quase nada) e dos cuidados com a higiene.

Em crianças muito pequenas, menos de quatro anos, é frequente o aumento da irritabilidade e manifestação de um incômodo significativo quando o corpo é tocado em um exame médico ou na prática da higiene na creche, por exemplo. A psicóloga alerta que é necessário lembrar que as situações de abuso sexual são manifestadas por um conjunto de sinais.

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– Quanto maior a presença familiar (manifestada em acolhimento, carinho, confiança e diálogo), menores são os riscos de uma situação de abuso. O papel da família é ser presença ativa, cuidadosa e amorosa na vida das crianças e adolescentes – aponta a psicóloga.

A ginecologista do Savs, Marilena Messina Brower, aponta que diversas ações contribuem para que os casos saiam do anonimato.

– Campanhas sobre o tema trazem conhecimento e aumentam o número de denúncias e da busca de ajuda. O trabalho nas escolas também serve como prevenção e as próprias crianças buscam este suporte nas instituições de ensino. Além disso, falar sobre o assunto deixa a população ciente para denunciar, mesmo que anonimamente pelo número Disque 100 ou 180 – completa a ginecologista.