Santa Catarina contabilizou 864 transplantes de órgãos e tecidos de janeiro a setembro de 2018 e já ultrapassou 70% do total de procedimentos realizados ao longo do ano passado. O bom resultado indica que até dezembro a marca dos mil transplantes deve ser superada pelo oitavo ano seguido no Estado, hoje referência nacional em doações de órgãos feitas por doadores vivos ou mortos. Parte importante dessa conquista deve-se a atuação de equipes hospitalares de Joinville, que lideraram 257 dos quase 900 transplantes reportados nos últimos nove meses em solo catarinense.
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Santa Catarina reduz filas por transplantes, mas patamar está longe do zero
A marca consolida ainda o esforço dos profissionais do setor para manter em alta o número de transplantes no Estado, que na última década aumentou 86% de acordo com dados da Central Estadual de Transplantes de Santa Catarina. Em 2017 foram efetivadas 1.217 cirurgias do gênero e, em 2008, 654.
Segundo Joel de Andrade, coordenador da SC Transplantes, a evolução dos números é explicada pela adoção de uma política estadual de transplantes nos moldes do sistema espanhol, considerado um exemplo positivo mundial. Dentre as adaptações da política espanhola está a inserção de coordenadores hospitalares e profissionais de saúde que buscam por doações dentro da instituição nos casos em que é constata a morte encefálica. O altruísmo dos catarinenses também é propulsor da causa.
— O “sim” à doação de órgãos significa para quem espera por um transplante uma chamada de esperança. Quem espera por um coração, fígado ou pulmão, espera contra um relógio que marca a morte nos meses ou nos poucos anos que vem a frente. Então transplantar é renascer. Esse “sim” também significa que muitos catarinenses mesmo na fase aguda da perda podem sublimar a dor e demonstrar uma solidariedade sem precedentes — salienta.
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Capacitação é ponto forte
Citando como exemplo as equipes de Joinville, reconhecidas principalmente pela experiência devido ao tempo de atuação na área (alguns profissionais somam mais de 15 anos de carreira na área de transplantes), o especialista aponta outro viés forte para a crescente nos números: a educação.
Conforme ele, Santa Catarina investe mais de meio milhão de reais por ano na capacitação de profissionais de saúde para que eles possam cumprir as funções básicas desse processo que passa pela detecção do potencial doador; confirmação e documentação adequada de morte encefálica; triagem e manutenção do potencial doador; e entrevista familiar. Esta última, considerada a etapa mais difícil de ser feita e que é ponto forte nos hospitais joinvilenses.
O Hospital Municipal São José de Joinville, por exemplo, serve de modelo estadual por apresentar a maior taxa de sucesso nas conversões de potenciais doadores à doadores efetivos nos casos por morte cerebral. No ano passado a instituição efetivou 28 doações de órgãos em situações como essa e, neste ano, mantém a liderança com 22 doações efetivadas dentre 37 notificações de morte encefálica. Outra referência é o Hospital Santa Isabel, de Blumenau, com os 22 transplantes realizados dentre 31 potenciais doadores.
— O que leva o São José a ser esse referencial é a equipe, que trabalha muitos anos com a doação de órgãos. Nossa comissão hospitalar de transplantes há muito tempo recebe profissionalização e já pegou essa sensibilidade de acolher bem as famílias num momento de tanta dor e a família quando bem acolhida ela será doadora — considera Ivonei Bittencourt, da Comissão Hospitalar de Transplantes do Hospital São José.
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Recusa de famílias ainda é a maior barreira
Apesar do avanço sentido na última década, ainda há muito a ser feito para que o Estado atinja o nível de efetividade do programa espanhol, onde a taxa de não-autorização é de 12%. Em Santa Catarina, das 427 mortes encefálicas informadas em 2018, 204 resultaram em doações efetivas e 223 não – 120 delas devido a recusa da família, pouco mais da metade do total.
— A gente tinha no final de 2007 mais ou menos 70% de não autorização familiar. Ou seja, sete de cada dez famílias que eram entrevistadas diziam “não” à doação. E hoje são três de cada dez. Isso é resultado de muito treinamento, de técnicas de comunicação ensinadas aos profissionais de Saúde — defende o coordenador da SC Transplantes.
No entanto, o entendimento é que o “não” à doação, nesses casos é justificável porque as famílias são abordadas momentos após perderem um ser que amavam e “ainda estão em processo de luto e negando a realidade”. Continuar investindo nesse processo é tido como fundamental para manter em queda o índice de recusa estadual.
— Se em algum lugar do mundo conseguem atingir a média de 12% a gente também é capaz de fazer, mas é preciso educar mais os profissionais de saúde. Existe o preconceito, existe o desconhecimento, mas não se pode esperar que uma dada população de qualquer região do mundo tenha plenos conhecimentos e ausência de preconceitos em relação a um processo que é pouco claro até para os profissionais. Então, se a gente tem recursos para investir, treinar os profissionais e ter a possibilidade de esclarecer as famílias no momento mais cru em que tudo acontece, é isso que vamos fazer — conclui Joel.
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Dados de Doação e Transplantes em Santa Catarina
FONTE: SC Transplantes
Evolução no número de transplantes em SC (2008/2018):
2018*: 864
2017: 1217
2016: 1286
2015: 1332
2014: 1386
2013: 1175
2012: 1035
2011: 1015
2010: 969
2009: 883
2008: 654
* dados até setembro;
Tempos para a realização do transplante, a partir da confirmação por morte encefálica: