Ter a liberdade, mas viver dentro de limites estabelecidos pela lei. É assim que detentos monitorados por tornozeleira eletrônica se sentem ao receber o benefício. Como é o caso de um morador de Joinville, condenado e preso por tráfico de drogas que adquiriu a progressão de pena. Ele voltou para casa depois de quatro anos de prisão, mas segue algumas regras no dia a dia.

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– Posso ir num mercado, por exemplo. Só não posso ir em lugares onde vendem bebida alcoólica – relata o detento, que usa o aparelho há um mês e meio.

O número de casos como esse, de detentos monitorados por tornozeleira eletrônica em Santa Catarina, cresceu 68 vezes entre 2016, quando o sistema começou a operar, e 2019. Em atualização de 25 de julho feita pelo Departamento de Administração Prisional (Deap), 884 aparelhos estavam em uso em SC – há três anos, eram 13.

Uma licitação para a aquisição de até 5 mil novas tornozeleiras eletrônicas está em andamento em SC, em fase de habilitação para as empresas interessadas. Quando concluída a compra, o número de aparelhos será superior a 6 mil porque, atualmente, são 1.187 peças disponíveis para monitoramento de presos provisórios e em cumprimento de pena. Será uma oportunidade para o Estado distensionar o problema da superlotação do sistema carcerário, que atualmente tem déficit de 4,9 mil vagas.

Conforme especialistas, o acréscimo dos aparelhos representa economia mensal de aproximadamente R$ 9 milhões aos cofres públicos. Isso no caso de o benefício ser permitido aos cerca de 4 mil detentos em condições de recebê-lo.

Até o final de julho, 303 tornozeleiras eletrônicas continuavam disponíveis para as 78 comarcas que contam com o recurso no Estado. As 33 comarcas restantes ainda não receberam os equipamentos por razões técnicas e operacionais – há regiões em que o sinal de internet não é suficiente para ativar o monitoramento.

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Em números absolutos, as comarcas de Florianópolis e de Joinville – as mais populosas – são as que mais utilizam tornozeleiras, segundo o desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann, supervisor do programa. Por região, a maior população de monitorados está concentrada no Norte de SC, com 279 aparelhos em uso. Na sequência, aparece o Sul, com 140, e a Grande Florianópolis, com 134.

– Em 2016, havia 150 tornozeleiras para aplicação somente em seis comarcas e restrita a presos provisórios – compara Brüggemann.

Em setembro daquele ano, o programa iniciou com 13 monitorados. Em julho de 2017, os números haviam aumentado para 187 peças e 136 monitorados. Um ano depois, o salto foi ainda maior: o contrato das tornozeleiras já disponibilizava 987 aparelhos. Da mesma forma, cresceu o número de aparelhos em uso: já eram 731.

Segundo o gerente de Monitoramento e Controle Penitenciário, Marcelo Ribas, a ampliação do recurso, por meio da licitação aberta, pode dar condições ao Deap de alcançar um número maior de comarcas.

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– Desde que passamos a operar com o monitoramento, fomos aumentando a quantidade de aparelhos. Como o número de pedidos é cada vez maior, o Estado contrata novas tornozeleiras para deixar à disposição do Judiciário – explica Ribas.

Nesse sentindo, a tendência é que Santa Catarina utilize cada vez mais o monitoramento eletrônico para os presos que se encaixam nos requisitos definidos em lei, ao invés da reclusão. Para o titular da 1ª Vara Criminal da Capital, Marcelo Carlin, a adesão à medida é um processo progressivo no Judiciário:

– É algo recente em nosso ordenamento jurídico. Antes de 2011, tínhamos duas opções: ou mantinha preso ou soltava. Não se muda do dia para a noite. Aos poucos, as pessoas vão confiando no monitoramento, entendendo para qual caso ele é indicado e vai se aplicando progressivamente no nosso dia a dia.

Centro de Monitoramento fiscaliza movimentos em tempo real
Centro de Monitoramento fiscaliza movimentos em tempo real (Foto: Tiago Ghizoni/Diário Catarinense)

Quem pode usar o aparelho

As tornozeleiras eletrônicas podem ser utilizadas por presos provisórios – que ainda não foram julgados – e por detentos em execução penal – que já cumprem pena. Os condenados, entre outros critérios, dependem de progressão de pena: a partir do regime semiaberto, de acordo com a previsão legal. O benefício é concedido pelo Judiciário, órgão responsável por avaliar a situação de cada pessoa detida.

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Em ambos os casos se avalia, segundo o juiz da 1ª Vara Criminal de Florianópolis, Marcelo Carlin, se a medida vai ser adequada, necessária e suficiente por pessoa, individualmente.

– Em regra, quando se converte uma prisão em flagrante em preventiva (provisória), você analisa a gravidade do crime, aliada à questão de tendência de reiteração criminal – explica.

Em casos de prisão provisória, Carlin chama atenção para o cuidado de existir a possibilidade de absolvição ao final do processo, o que torna o dano irreparável a quem ficou preso. É o motivo principal pelo qual se pondera aplicar uma medida cautelar ao invés do recolhimento.

Segundo o juiz, a decisão é baseada em critérios como o histórico do preso – se é reincidente ou tem maus antecedentes –, se tem residência fixa – o que torna mais fácil encontrá-lo –, se costumava trabalhar e se o fato praticado foi um caso isolado.

Conforme o artigo 2º da Resolução Conjunta número 4 do Gabinete da Presidência e da Corregedoria-Geral da Justiça, de 7-7-2016, a medida deve ser aplicada com base nos critérios de conveniência, gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Ao condenado ainda cabe vencer etapas no cumprimento de pena: passar pelo regime fechado, o semiaberto e o aberto. Como o sistema prisional não comporta o regime aberto como ele é previsto, com o retorno do apenado durante a noite à unidade prisional, se implantou o regime aberto domiciliar.

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– Por falta de vagas, ele (o preso) vai para casa e deve ser fiscalizado. A tornozeleira veio para reforçar a fiscalização do regime aberto – complementa Carlin.

Uma vez colocado lacre, qualquer tentativa de retirar o aparelho é informado ao sistema
Uma vez colocado lacre, qualquer tentativa de retirar o aparelho é informado ao sistema (Foto: Tiago Ghizoni/Diário Catarinense)

Possíveis vetos ao benefício

A legislação não restringe o direito do benefício do uso de tornozeleira eletrônica em relação aos crimes cometidos durante a execução da pena, segundo o titular da 3ª Vara de Execuções Penais da comarca de Joinville, João Marcos Buch.

– Se uma pessoa que cometeu crime grave, como estupro, cumpre pena no regime semiaberto e solicita seu direito ao Judiciário, através de pedido formulado por advogado ou defensor público, pode receber o benefício porque está no seu direito – afirma o juiz.

Mas, por se tratar de delito de violência sexual, por exemplo, Buch explica que há um cuidado maior quanto às restrições de perímetro:

– Se envolve um familiar, por exemplo, essa pessoa não pode retornar para casa. Então, precisa indicar outro local de abrigo. Não será permitida a circulação no bairro onde mora a vítima ou perto de lugares que ela frequenta.

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Em casos que envolvem tráfico de drogas, quando o flagrante ocorreu em domicílio ou a investigação apontou para o comércio na casa em que o preso reside, também se pensa em alternativas para garantir o direito previsto.

Segundo o magistrado, há encaminhamentos paralelos que devem ser feitos e são disponibilizados pelos municípios, como os CAPS-Ad, em casos de drogadição do preso por tráfico, ou Conselho Tutelar, quando a mulher assumiu a venda dos entorpecentes no lugar do marido e o casal tem filhos, como uma tentativa de afastar os envolvidos do meio criminoso.

Para o magistrado Marcelo Carlin, que desenvolve estudo ligado às alternativas penais, de modo geral, não só em casos graves, a tornozeleira deve fazer parte de um programa maior para cumprir sua função.

– Você monitora para prevenir que a pessoa cometa outros crimes e faz os encaminhamentos que vão auxiliar nesse processo, como ocorre em países que já venceram problemas de superlotação e de aumento de população carcerária – complementa Carlin.

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Legislação

Preso provisório

Resolução Conjunta número 4 do Gabinete da Presidência e da Corregedoria-Geral da Justiça, de 7-7-2016:

Art. 1º Para os efeitos desta resolução, o monitoramento eletrônico – doravante denominado apenas monitoramento – será aplicável em prisão provisória domiciliar (art. 318 do Código de Processo Penal) e como medida cautelar diversa da prisão (art. 319, IX, do Código de Processo Penal).

Art. 2º Parágrafo único.

Preso em cumprimento de pena

Artigo 146-B da Lei de Execução Penal:

Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

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II – autorizar a saída temporária no regime semiaberto;

IV – determinar a prisão domiciliar;

Quando a medida deve ser evitada?

Art. 2º Parágrafo único da Resolução Conjunta número 4

O monitoramento, como medida cautelar diversa da prisão, deverá ser evitado, priorizando-se encaminhamento à rede de atendimento, quando se tratar de pessoas:

I – com transtornos mentais;

II – em situação de rua;

III – idosas;

IV – indígenas; e

V – em uso excessivo de álcool ou de outras drogas.