Em um ano marcado por tragédias ambientais como o desastre em Brumadinho (MG), os incêndios na Amazônia ou as manchas de óleo no Litoral brasileiro, uma queda drástica no volume de autuações ambientais foi registrada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). Em nível nacional, o número de multas aplicadas pelo órgão foi o menor das últimas duas décadas, e a redução também foi visível nos Estados. Em Santa Catarina o dado caiu pela metade.

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Conforme levantamento da reportagem do NSC Total, nos arquivos públicos do Ibama sobre autuações, em 2019 os fiscais aplicaram 201 multas em Santa Catarina. No ano anterior haviam sido registradas 420 infrações, o que representa uma queda de 52% de um ano para o outro.

Desde 2014 não se aplicavam tão poucas multas por crimes ambientais em SC, quando 163 casos foram registrados. Percentualmente, a queda de 2018 para 2019 é a maior desde o início dos anos 2000.

A redução no número de multas poderia ser um dado positivo ao mostrar a conscientização e a diminuição dos crimes contra o meio ambiente, mas a visão de ambientalistas e a comparação com outros órgãos mostra que a interpretação pode ser outra: de redução na fiscalização.

Vice-presidente e conselheira da Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida) com décadas de ativismo, a ambientalista catarinense Miriam Prochnow aponta que a razão para a redução nas multas envolve uma fiscalização mais branda e políticas públicas que não endureceram a linha contra os crimes ambientais:

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— Uma manchete como essa seria motivo de alegria se fosse uma realidade com menos agressões ambientais, mas infelizmente não é isso que está acontecendo. É muito claro e transparente que o número de multas diminuiu porque existe uma política nacional de desmonte dos órgãos ambientais, com corte de orçamento, corte de instrumentos para que esses órgãos possam trabalhar, transferência de técnicos experientes que faziam o trabalho. E por outro lado um discurso muito forte contra a questão ambiental, um estímulo — aponta a ambientalista.

Logo depois que foi eleito, em 2018, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse em uma entrevista que não iria mais admitir “o Ibama sair multando a torto e a direito por aí”. Na época, ele questionava uma multa de R$ 10 mil que o Ibama havia aplicado contra ele por pesca irregular. Em dezembro de 2018 a multa foi anulada pelo Ibama, ainda durante a gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Na época um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) disse que Bolsonaro​ não teve amplo direito de defesa e garantia de contraditório.

— O pior disso tudo é que nós deveríamos estar vivendo um momento exatamente o contrário, porque todos os dados mostram que vivemos uma emergência climática. A sociedade deveria estar mobilizada em atividades para combater os crimes ambientais e o aquecimento global. O Fórum Mundial Econômico (que ocorre essa semana na Suíça, com presença do governo brasileiro) diz isso: a maior ameaça à humanidade é a crise climática — avalia Prochnow.

A assessoria de imprensa do Ibama foi procurada cinco vezes pela reportagem para comentar a diminuição das multas em 2019, mas não retornou aos pedidos por telefone ou por e-mail.

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Multas relacionadas à pesca e desmatamento tiveram maior redução

A lista de infrações autuadas pelo Ibama em Santa Catarina no ano passado mostra que os crimes relacionados à pesca são os mais comuns no Estado. Em 2018 foram aplicadas 167 multas, enquanto em 2019 o número caiu para 76. Os crimes contra a flora (inclusive o desmatamento) caíram de 71 casos em 2018 para apenas 28 no ano passado — uma redução de 60%.

A maior multa aplicada pelo Ibama em SC em 2019 foi contra a Petrobrás, por uma situação envolvendo instalações portuárias de descarga de óleo na cidade de Itapoá. A multa consta nos registros do órgão federal com o valor de R$ 8,1 milhões.

A segunda autuação mais cara foi contra uma pessoa física em Florianópolis. A multa envolve crimes citados no Decreto 6514/2008, que fala sobre “matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória”. O homem foi multado em R$ 5,1 milhões. Uma infração do mesmo valor também foi registrada contra uma empresa pesqueira de Joinville, pelo crime de “pescar em período ou local no qual a pesca seja proibida”.

Queda foi menor em órgão estadual

Outros órgãos que também fazem a fiscalização de crimes ambientais em Santa Catarina, como o Instituto do Meio Ambiente (IMA) — vinculado ao governo do Estado — e a Polícia Militar Ambiental, mantiveram em 2019 a média de autuações dos últimos anos ou registraram reduções mais leves. O IMA, por exemplo, respondeu à reportagem através de um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação (LAI) com os autos de infração ambiental até o início do mês de novembro. No período foram registradas 2805 infrações em 2019, 21% a menos que o ano anterior, porém superior ao número de 2017.

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— Nota-se que existe uma diferença do que é feito em Santa Catarina. A Polícia Militar Ambiental, por exemplo, nós acompanhamos que eles divulgam diariamente as ações feitas. Mas precisamos de um fortalecimento de toda a cadeia de fiscalização — afirma a ambientalista Miriam Prochnow.