Em um intervalo de 12 anos, o número de motociclistas feridos em acidentes no trânsito catarinense quadruplicou. Enquanto 1.140 condutores tiveram de ficar internados ao menos um dia por causa de lesões em 2003, esse número saltou para 4.580 em 2014. Os dados fazem parte do levantamento Retrato da Segurança Viária 2016, com informações repassadas pelas secretarias estaduais de Saúde ao Ministério da Saúde.
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O crescimento de 301,7% é muito maior do que ocorreu com a frota de motos, que aumentou 191% no período. O número de feridos, segundo Luís Roma, consultor líder da Falconi, empresa responsável pela compilação do material, pode ser maior, já que ferimentos considerados leves e que não necessitam de internação não são considerados na publicação.
Entre as causas, apontam os especialistas, está a imprudência dos condutores, a maioria jovem e homens. Outro dado que ajuda a entender o problema está no percentual de motociclistas entre o total de feridos. Em 2003, eles representavam 35% do total em Santa Catarina. Doze anos depois, eles eram 61%.
E a tendência é de que esse número fique ainda maior nos próximos anos. Segundo o coordenador do movimento SOS Estradas, Rodolfo Alberto Rizzotto, houve um incentivo para a compra de motos nos últimos anos e, com isso, já era natural essa alta no número de feridos. Aliando isso a uma imprudência no trânsito, criou-se a chamada ¿tempestade perfeita¿.
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O resultado é o que Rizzotto qualifica como a criação de uma ¿geração de inválidos¿. Segundo dados do DPVAT, no ano de 2014 foram pagas 595,6 mil indenizações no Brasil por invalidez permanente em razão de colisões de trânsito. Dessas, 344,9 mil foram para condutores de motocicletas, o que representa quase 57,9% do total (e não inclui passageiros).
— Se não aumentarmos a fiscalização e o controle, vamos colher números ainda piores lá na frente. Estamos vendo o nascer dessa geração de inválidos, que ainda tem uma dificuldade de reinserção social, como infelizmente acontece com boa parte das pessoas portadoras de deficiência — diz Rizzotto.
O especialista ainda aponta que as famílias têm dificuldade de lidar com os sobreviventes dos acidentes:
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— Os familiares não aparecem nas estatísticas, mas também são vítimas. Tem gente que não se recupera do trauma.
Para o inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Adriano Fiamoncini, a motocicleta se popularizou nas últimas décadas por ser um veículo mais barato, ágil e econômico, quando comparado com os de quatro rodas. Em muitos casos, ele é o primeiro automóvel de um jovem, que consequentemente não tem experiência no trânsito e fica mais suscetível a acidentes. Além disso, destaca, outro ponto negativo é que a motocicleta seria o “veículo mais frágil já inventado pelo homem”.
— Ela não oferece proteção quase nenhuma ao condutor, exceto pelo capacete. Por saber que se trata de um veículo frágil, o motorista deveria conduzir com muita prudência, mas em muitos casos isso não acontece — explica Fiamoncini.
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O inspetor lembra ainda que, em tempos de crise econômica, a moto se torna uma opção cada vez mais atrativa. Além disso, por possuir uma característica muito urbana, no caso da Grande Florianópolis, a PRF dedica atenção especial à Via Expressa (BR-282) e ao trecho entre Palhoça e Biguaçu da BR-101, que já possuem característica de cidade e onde os congestionamentos são frequentes.
Entre as medidas que poderiam a ajudar a diminuir a curva ascendente de motociclistas mortos e feridos, Fiamoncini elenca a necessidade de campanha massiva voltada para a juventude, orientando para uma direção defensiva, e a necessidade de construções de corredores exclusivos para motos, iniciativa que já vem sendo colocada em prática em São Paulo.
No caso da Via Expressa, onde os motociclistas andam frequentemente no chamado “corredor” entre os veículos parados no trânsito, a solução ajudaria a diminuir o número de colisões. Em função disso, o superintendente da PRF no Estado, Fabricio Colombo, pediu em agosto do ano passado a realização de estudo ao DNIT para ver a viabilidade da instalação da faixa exclusiva nos quase nove quilômetros da rodovia. O pedido ainda não foi acatado, porém Colombo acredita que esta solução ajudaria a salvar muitas vidas.
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Cobrador de ônibus teve uma das pernas prensada
O cobrador de ônibus Anderson Kamers não se esquece de 11 de janeiro de 1999. Ele tinha 21 anos e pilotava sua moto pela Rua Desembargador Pedro Silva, no bairro Coqueiros, região continental de Florianópolis. Em um momento de distração, chocou-se com um caminhão que estava parado em local proibido. No momento da colisão, sua perna direita foi prensada contra o para-choque do outro veículo.
— Eu acabei me distraindo. Achei que o caminhão estava andando, e na verdade estava parado — lembra.
Desse momento em diante, começou uma saga, que quase levou à perda da perna. Só não foi cortada, conta, porque seu pai não assinou um termo de responsabilidade. Com um osso 10 cm mais curto, a perna precisou ser “reimplantada”. Ao todo, foram três meses de internação. Embora ele hoje consiga ter uma vida praticamente normal, as cicatrizes são visíveis. E os problemas relacionados à lesão nunca desapareceram.
— Tenho problemas de circulação na perna e estou afastado do trabalho —conta Kamers.
Hoje com 39 anos, casado e com dois filhos, ele admite que já não anda mais de moto, embora nunca tenha perdido o fascínio. Sabe que o perigo está sempre à espreita.
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— Eu cheguei a andar depois do acidente, mas hoje já não faço mais — diz.