Uma adolescente de 14 anos da Grande Florianópolis começou a apresentar sinais como isolamento e tristeza. Em novembro do ano passado, após tentativa de suicídio, recebeu o laudo médico de encaminhamento para internação psiquiátrica: medida fundamental para preservar a vida naquele momento. Assim, ficaria sob cuidados de uma equipe multidisciplinar, em quarto adequado (com medidas de segurança) e acompanhamento médico e da família. Porém, como não tinha leitos psiquiátricos disponíveis, ficou uma semana em um quarto do Hospital Infantil Joana de Gusmão.
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A internação da paciente em leito comum improvisado foi a única alternativa encontrada pelo médico, já que o Estado dispõe de apenas quatro leitos psiquiátricos de crianças e adolescentes, todos no Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria, em Joinville. As vagas são oferecidas há três anos em quartos adaptados, conforme solicitação do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). No final de setembro, está prevista a inauguração, na unidade, da primeira ala psiquiátrica infantil do Estado, com 14 leitos. Mas o número ainda é insuficiente para atender a demanda, segundo especialistas.
— Quando o médico diz que sua filha precisa ser internada, mas não há lugar para isso, é muito complicado. É a vida dela que está em jogo – desabafa o pai da menina, que prefere não ser identificado.
No mês passado, a adolescente tentou suicídio pela segunda vez, mas a família não conseguiu internação. Diagnosticada com transtorno bipolar, a adolescente agora é acompanhada 24 horas pela família em casa.
Rede de apoio é essencial para o tratamento
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Apesar de não haver um cálculo do número de leitos necessários para atender a demanda, a psiquiatra Deisy Mendes Porto, coordenadora estadual de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Santa Catarina, diz que, segundo estimativas, 20% das crianças e adolescentes sofrem de algum transtorno mental. Dessas, até 5% têm transtorno grave e poderiam necessitar de internação. No Estado, seriam cerca de 19 mil crianças e adolescentes nesse grupo.
— O atendimento hospitalar deve ser melhorado, porque mesmo que a rede familiar e ambulatorial seja bem estruturada, pode ser necessária a internação em algum momento. Por exemplo, quando há risco de suicídio, de agressão, em casos de transtornos mentais graves com alterações comportamentais, autismo e transtornos psicóticos que podem levar a delírios e alucinações – explica.
A coordenadora, no entanto, reforça a importância de uma rede interligada de saúde mental, considerando os postos de saúde, que são a porta de entrada para o paciente, Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e hospitais. A presidente da Associação Catarinense de Psiquiatria, Lilian Schwanz Lucas, confirma que há um déficit no atendimento do Estado, principalmente na área infantil.
– A internação é vista de forma preconceituosa, mas tem que pensar que essa criança pode acabar morrendo se não for internada naquele momento de crise – diz.
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Para a especialista, essa falta de leitos, que atinge todo país, também é resultado de uma lei federal de 2001. Ela prioriza o atendimento comunitário em ambulatórios, por exemplo, e considera a internação o último recurso para esses casos. Com isso, houve redução gradativa de leitos e a população acabou desassistida. Lilian defende que somente aumentar as vagas não é suficiente, é preciso pensar no atendimento de toda a rede. Ela cita que há poucos Caps para atendimento infantil e estes muitas vezes nem contam com psiquiatra.
– Se uma criança é atendida por um especialista e faz tratamento, a maior parte das internações é evitada. Mas grande parte delas não tem acesso ao sistema de saúde e chega direto para internação. Por exemplo, começam com sintomas depressivos leves e não são atendidas, aí evoluem para um quadro grave, com risco de suicídio.
A psiquiatra Mariana Tatsch acrescenta a necessidade de pronto-atendimento psiquiátrico em hospitais gerais. Segundo ela, se houvesse assistência especializada no momento da tentativa de suicídio, por exemplo, muitos casos não necessitariam de internação.
— A maioria dos pacientes que tentam o suicídio e são levados ao hospital geral, quando devidamente avaliados pelo psiquiatra, podem permanecer em internação domiciliar, que nada mais é do que a vigilância 24 horas até que as medicações comecem a fazer efeito
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Distância dificulta tratamento
Para ser atendido no Hospital Infantil em Joinville, um dos pacientes precisou percorrer mais de 400 quilômetros para sair de Irani, no Oeste, até o Norte do Estado. A distância dificulta o acesso e o tratamento, defendem especialistas. O promotor João Luiz de Carvalho Botega, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de SC, diz que recebe muitas demandas para internações psiquiátricas, mas que nem sempre há leitos disponíveis.
A saída encontrada por alguns profissionais para garantir a vida do paciente é interná-lo em leitos comuns, sem apoio da equipe multidisciplinar ou ambiente seguro e adequado, ou em hospitais para atendimento adulto. Isso contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina internação em local apropriado à fase de desenvolvimento, além da presença de um acompanhante.
— A gente precisa pensar em estruturas regionalizadas e no interior do Estado, para que pelo menos as grandes regiões consigam suprir a demanda. Esse processo de readaptação, de retorno ao convívio com a sociedade fica prejudicado por conta da distância – reforça Botega.
Em Chapecó, segundo a coordenadora de Saúde Mental do município, Luciana Bertazo de Azevedo, há negociações para implementar quatro leitos no Hospital Regional, mas apenas para atendimento de adolescentes, que representam a maior demanda, porém ainda sem prazo definido. Segundo Deisy, o município de São Carlos, também no Oeste, apresentou projeto para seis leitos. Já em Lages, a Promotoria de Justiça protocolou uma ação civil pública e teve uma decisão favorável para 10 leitos de internação infantil.
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– O Estado já falava da necessidade, mas nunca tomou providências – diz a promotora da Infância e Juventude de Lages, Tatiana Rodrigues Borges Agostini.
Agora, o Estado deve apresentar um cronograma para implementação. No Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis, o Estado se comprometeu com o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), já em 2015, a criar leitos psiquiátricos, mas até agora não se concretizou. Deisy afirma que ainda não tem informações sobre o andamento desses projetos e prazos para implementação.
O que diz a lei 10.216 de 2001
A lei federal trata sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental
Quando internar
A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Preferencialmente deve ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
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Local adequado
A internação será estruturada de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
Objetivo
O tratamento terá como finalidade permanente a reinserção social do paciente em seu meio
Proibição
É proibida a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, que não protejam o portador de transtorno mental de abuso e exploração, não trata paciente com humanidade e respeito, sem acesso aos meios de comunicação disponíveis, sem direito à presença médica, sem ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis.
Como deveria ser o encaminhamento para internação
Atenção básica
O paciente é atendido pelo médico das unidades básicas. Ao detectar algum transtorno mental deve encaminhá-lo a serviços especializados.
Serviço especializado
Deveriam ser atendidos em ambulatórios específicos ou em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). No caso de crianças e adolescentes, há nove exclusivos para esse público em Santa Catarina.
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Internação
Em casos de crises, surtos acentuadas ou sempre que represente risco ao paciente ou pessoas próximas deve ser encaminhado para internação. É necessário um laudo médico que oriente a internação.