Em pouco mais de nove meses, o número de feminicídios em Santa Catarina em 2019 igualou o total de casos registrados em 2018. São 42 mulheres mortas em razão do gênero entre 1º de janeiro e 7 de outubro. A maioria dos assassinatos tem como principal suspeito o companheiro ou ex-cônjuge da vítima. E em todos os casos a vítima já tinha, ao menos, um relato anterior de violência — seja ele formal ou não.
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No último domingo (6), uma mulher foi assassinada em São Francisco do Sul, no Litoral Norte de Santa Catarina, pelo namorado. Ilda Angioletti tinha 60 anos e sofreu graves agressões, além de uma possível esganadura. Segundo a polícia, após matar a companheira, o homem entrou em contato com a família dela e pediu para que eles chamassem a polícia. Era madrugada. O suposto autor foi preso em flagrante, ainda no local.
No mesmo dia, em Forquilhinha, no Sul de Santa Catarina, outra mulher foi encontrada morta, com ferimentos de faca no pescoço. A Polícia Civil investiga as circunstâncias da morte da maranhense Vanessa Nunes da Silva, 23 anos. Embora o caso já apareça nos índices de feminicídio, o delegado responsável pelo caso, Ricardo Kelleter, diz que existem duas linhas de investigação.
— Ainda é prematuro afirmar que tenha sido um feminicídio — resumiu o delegado, afirmando que não poderia dar mais detalhes sobre o caso, para não atrapalhar o andamento dos trabalhos.
Coordenadora das Delegacias de Polícia de Atendimento à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (Dpcami), a delegada Patrícia Zimmermann D'Ávila justifica que os oito casos a mais, na comparação ao mesmo período de 2018 — até o começo de outubro —, têm relação com o “olhar de gênero mais apurado da investigação”.
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— Não adianta nós termos uma falsa estatística de violência. Temos uma cifra negra aparecendo agora, mas, também, porque aprimoramos esse olhar para o gênero, com investigações sérias e comprometidas em cada caso que envolve mulher — enfatizou a coordenadora.
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Para especialistas, faltam políticas públicas mais sérias
Segundo especialistas, o feminicídio é um problema complexo que não se combate, simplesmente, com repressões e atuação policial. O advogado e professor de direito penal Guilherme Silva Araujo afirma que, enquanto a mulher não for vista na sociedade em posição de igualdade de gênero, os casos vão continuar ocorrendo:
— Adicionar uma qualificadora nos homicídios contra mulher, para tornar-se uma figura mais gravosa, pode ser visto, no primeiro momento, como algo bom feito pelo legislador, mas é um grande engodo.
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Segundo Araujo, a medida legal criada pelo Estado nada mais é do que uma “cortina de fumaça” para esconder a falta de compromisso com as políticas públicas efetivas para o problema:
Enquanto não se discutir gênero e igualdade de direitos na escola, e enquanto não se desconstruir essa relação machista e patriarcal que a sociedade vive em relação à mulher, os feminicídios vão continuar ocorrendo: não dá para esperar que uma criança que cresce com referências machistas chegue aos 30 anos e não seja machista — enfatizou.
Da mesma forma, outro professor de direito penal, Juliano Keller do Valle, afirma que os feminicídios, em todo o país, refletem questões culturais e de políticas públicas que, ainda, são voltadas somente para repressão:
— [A repressão] É necessária, mas não deve ser a única, porque não ataca o problema de forma adequada. As mulheres ainda são encaradas como objeto por seus companheiros e ex-companheiros — analisa.
Para o especialista, também é preciso planejar medidas de curto e longo prazo para a prevenção dos assassinatos.
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— No primeiro momento, com o objetivo de atender rapidamente as ocorrências de violência contra mulheres que já foram vítimas em decorrência do gênero, pode se criar uma parceria com as comunidades. E, no segundo momento, meios de conscientização das atuais e das futuras gerações, de que não se pode admitir tais tratamentos e violências contra a mulher — sugere Keller.
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DENUNCIE
Você pode denunciar casos de violência pelo Disque 100, número que atende todo o território nacional, ou pelo 181, da Polícia Civil de Santa Catarina. Segundo a delegada Patrícia Zimmermann, as informações chegam mais rápido e, consequentemente, são investigadas de forma mais célere, quando se opta pelo telefone da polícia em território catarinense (181). Ainda é possível denunciar por meio da Delegacia Virtual da Polícia Civil, de forma anônima.