Desde 2002 Blumenau registra altos índices de cesarianas. Em 2014 chegou a ter seis vezes mais procedimentos que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – entre 10% e 15% do total de partos. Mas no ano passado os números começaram a cair. A redução ainda é tímida e ao contrário de dados nacionais e estaduais só aconteceu a partir de 2016. Enquanto o Brasil reduziu 1,5 ponto percentual no número cesarianas em 2015 e 2 pontos em Santa Catarina, no mesmo ano Blumenau ainda teve aumento de 10 pontos percentuais, segundo dados do Ministério da Saúde.
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No Hospital Santa Isabel (HSI), dos 836 partos feitos em 2015, 84% deles foram cesarianas. No ano passado a estatística caiu 3 pontos percentuais, mesmo assim o número equivale a 589 dos 729 procedimentos, 81% do total. A obstetra Márcia Regina Pinto Sancandi relaciona a queda das cesáreas como um primeiro sinal da implantação do Projeto Parto Adequado – desenvolvido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Hospital Israelita Albert Einstein e o Institute for Healthcare Improvement (IHI) – que começou em julho na unidade hospitalar:
– Tínhamos índices muito altos de cesarianas e percebemos que estes dados já começaram a mudar, sim. Ao apresentar e incentivar a opção do procedimento normal para as mães com o plano de saúde percebemos o aumento de partos vaginais. Ter o plantão obstétrico 24 horas também foi um ganho enorme, pois ao chegar ao hospital as mulheres têm atendimento de especialistas. Acredito que quando o projeto completar um ano aqui em Blumenau a estatística será outra – comenta a responsável pelo projeto no HSI.
Decidida e ainda mais segura sobre a escolha, hoje Maria Tereza Peters, 28 anos e mãe de segunda viagem, se diz empoderada sobre o parto normal. Mas foi com muita leitura, conversa e informação que ela conseguiu se manter assim, ao escolher a profissional que vai fazer o parto do Henrique. Tereza conta que pesquisou por profissionais, mas não encontrou obstetras que atendam pelo plano de saúde dela e tenham bons índices de partos normais. Por isso optou em pagar pelo procedimento e terá a cobertura do convênio apenas para internação.
– Na minha primeira gestação eu já pensava em parto normal, mas o ginecologista do meu plano me disse que ele não fazia. Eu fiquei insegura em trocar de profissional, pois já havia feito o acompanhamento com ele e acabei fazendo a cesárea. No dia do parto a anestesia não pegava e quando o meu filho nasceu eu não consegui me mexer. Foi uma experiência péssima, mas dessa vez será diferente e com a presença de uma doula – conta a advogada.
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Cenário diferenciado no Vale do Itajaí
No Hospital Santo Antônio houve queda de 3 pontos percentuais no número de cesáreas: em 2015 a unidade registrava 35% e em 2016 foi para 33%. Como nos anos anteriores, a maioria dos partos feitos em 2016 foi normal e corresponde a 68% dos 3.134 nascimentos. O hospital é referência em gestação de alto risco na região do Médio Vale do Itajaí e faz parte da Rede Cegonha, programa do Ministério da Saúde que qualifica o atendimento obstétrico no país estimulando o parto normal e diminuindo o número de cesarianas. Em 2015, dos 2.935 partos, 65% já haviam sido normais. Com relação ao número de partos dos últimos anos, o Hospital Santa Catarina optou por não repassar a informação. A unidade hospitalar afirmou, via assessoria de imprensa, que já observa aumento significativo no número de partos normais, mas prefere não divulgar os dados.
A doula e membro da Associação de Doulas de Santa Catarina (Adosc) e do Nascer Amor, Gabriela Müller, conta que não apenas Blumenau, mas toda a região tem um cenário diferente do restante do Brasil em relação aos índices de parto. Apesar do HSA ser referência em partos normais, a cesariana ainda prevalece no Vale:
– Temos incidência muito maior de cesáreas porque a paciente possui plano de saúde ou procura a rede particular, e não o SUS. A gente vê que hospitais que têm plantão obstétrico e plantão de enfermagem obstétrica, possuem índice maior de partos normais, pois os profissionais estão sendo pagos para estarem ali de plantão. Já profissionais que são chamados para o parto em si têm essa problemática de agenda. Nem sempre ele fica aguardando o processo fisiológico acontecer.
Guerra entre profissionais
Cada vez mais se fala sobre a humanização do parto, a violência obstétrica e a importância de mulheres se informarem sobre as alternativas durante o parto e respeitarem as necessidades do próprio corpo. De acordo com a médica, mestre em Saúde Materno-Infantil e professora de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Andressa Biscaro, a medida de incentivo tem motivo.
– Fala-se em humanização do parto porque se pretende ao longo do tempo modificar o modelo da assistência obstétrica no Brasil. Se está tudo bem com a mãe e o bebê, em via de regra, não há contraindicação para o parto vaginal nem necessidade de intervenções, o que torna a mulher protagonista do parto (filosofia chave da humanização do nascimento) – destaca.
Andressa lamenta que exista uma ¿guerra¿ entre profissionais da saúde a respeito do parto. Segundo ela a arte da obstetrícia virou terra de ninguém.
De acordo com o Ministério da Saúde a cesariana, quando não há indicação médica, aumenta em 120 vezes o risco de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Ao todo, cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no país estão relacionados à prematuridade. No ano retrasado, o então ministro da Saúde, Arthur Chioro, tratou o alto índice como uma ¿epidemia de cesarianas¿.
Campanha em prol do parto normal
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – reguladora dos planos de saúde – faz há mais de uma década o trabalho de promoção do parto normal e a redução do número de cesarianas desnecessárias na saúde suplementar, que segundo dados de 2012 corresponde a 84,6% dos nascimentos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o índice razoável de cesáreas é de 15% dos nascimentos.