Sem conseguir reanimar a economia em 2012 com estímulo ao consumo, o governo federal dá início hoje a uma nova estratégia para garantir crescimento duradouro a taxas maiores no longo prazo. Com o capital privado como combustível, a locomotiva do país passará a ser o investimento em infraestrutura.

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Pela manhã, em Brasília, a presidente Dilma Rousseff anuncia as primeiras medidas: um pacote de concessões de rodovias e ferrovias, enquanto portos e aeroportos ficarão para mais tarde. No total, o chamado Plano Nacional de Logística Integrada (PNLI) deve consumir entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões.

Além do efeito esperado de reaquecer a economia, os investimentos são aguardados com ansiedade por significarem a possibilidade de redução de gargalos que elevam o custo de transporte e diminuem a competitividade, deficiência mais gritante em tempos de crise.

– Esse programa vai na direção do crescimento sustentável. Políticas setoriais específicas são válidas, mas investimentos em infraestrutura se perpetuam e deixam como legado o aumento da produtividade – afirma Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib).

O investimento em infraestrutura de transporte em 2011, de R$ 30,7 bilhões, representou apenas 0,74% do PIB, conforme a Abdib. Para recuperar o terreno perdido, a entidade calcula que o valor teria de chegar a R$ 66 bilhões em 2016, o que então equivaleria a 1,6% do PIB.

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Faltam recursos e gestão ao governo

Para especialistas e empresários, o protagonismo que o Planalto pretender dar ao capital privado é resultado da percepção, amadurecida aos poucos, de que o governo não tem recursos nem gestão com qualidade para tocar grandes obras. Sem tantas amarras, empresas conseguem dar velocidade aos projetos.

Ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo FH, a advogada e economista Elena Landau considera correta a estratégia. Conhecida à época como a “musa das privatizações”, Elena pondera ser necessário esperar detalhes para avaliar a possibilidade de sucesso das medidas. Com ironia, afirma não ver contradição na saída do governo petista.

– A contradição é só no discurso. Na prática, as concessões e privatizações nunca pararam. Só é uma privatização envergonhada.

Outro que não vê dilema existencial no governo por recorrer a privatizações, o especialistas em finanças públicas Gabriel Leal de Barros, da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta outro motivo para o Executivo se voltar ao capital privado. Por ter despesas engessadas, Barros avalia que o governo não tem como conciliar o aumento do investimento público com o modelo de equilíbrio fiscal que prevê, por exemplo, o combate à inflação e margem para tomar medidas mais pontuais de estímulo à economia.

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Para Barros, também é nítida a influência de empresários como o gaúcho Jorge Gerdau, coordenador da Câmara de Gestão e Planejamento do governo, e de pesos-pesados como Marcelo Odebrecht e Eike Batista:

– Gerdau e outros empresários têm grande influência em decisões sobre políticas públicas. A concessão de aeroportos é um exemplo.

Embora exista interesse privado em concessões no Rio Grande do Sul, é pouco provável que o trecho gaúcho da Ferrovia Norte-Sul e rodovias federais no Estado seja oferecido hoje à iniciativa privada. No caso da ferrovia, ainda é necessário estudo de viabilidade. Estudos do governo federal para concessão de rodovias não envolveram trechos gaúchos, afirma a Associação Gaúcha das Concessionárias de Rodovias.

Burocracia emperra execução de projetos

A pressa em acelerar as concessões de rodovias, ferrovias e portos à iniciativa privada contrasta com a morosidade com a qual órgãos públicos executam seus orçamentos. De acordo com a ONG Contas Abertas, o investimento do Ministério dos Transportes entre janeiro e julho foi de pouco mais de um terço do orçamento previsto no período.

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Emaranhados nos conhecidos problemas de gestão e burocracia para tirar do papel grandes projetos, departamentos e agências ligados ao ministério estariam sendo prejudicados com o cuidado extremo da cúpula da pasta, analisa Gil Castelo Branco, secretário-geral da Contas Abertas. Após a demissão do ministro Alfredo Nascimento, em julho de 2011, sob acusação de fraudes, o ministério restringe liberação de verbas e obras.

– A situação é tão grave que a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, tem ido ao Ministério dos Transportes três vezes por semana para despachar de lá e tentar acelerar os investimentos – afirma Castelo Branco.

O fato recente apenas ilustra uma dificuldade histórica dos órgãos públicos brasileiros em investir no ritmo adequado para atender às demandas estruturais. Francisco Lopreato, professor do Instituto de Economia da Unicamp, avalia que falta ao governo federal conhecimento para elaborar projetos:

– Entre os anos 50 e 70, quando grandes investimentos foram feitos, os responsáveis pela elaboração e aplicação dos projetos foram as estatais, e não a administração direta. Conforme essas estatais foram sendo vendidas, o governo federal se viu em grandes dificuldades para fazer projetos.

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Tal desconhecimento amplia os entraves burocráticos, explica o especialista. Diferentemente do que ocorre nos países desenvolvidos, onde os planos de obras públicas costumam ser feitos por poucos e experientes gestores, no Brasil os projetos de infraestrutura são picotados entre até cinco ministérios. Isso dilata o tempo de análise e amplia o risco de haver imprecisões na contratação.

– Os problemas para aplicar os recursos vêm mais à tona agora, quando o governo busca um novo surto de investimentos e percebe que não consegue tocar os projetos no ritmo que gostaria – explica Lopreato.