Momentos que só um documentário de Eduardo Coutinho é capaz de proporcionar: em sua sala de casa, em Copacabana, um homem relata o emocionante encontro que teve com Frank Sinatra, põe My Way na vitrola, canta junto e chora.
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Imagine esta cena de Edifício Master (2002) repetida com 18 pessoas, contando suas 18 histórias mais marcantes e cantando as 18 músicas com as quais identificam esses episódios. É mais ou menos o que acontece em As Canções, o novo filme de Coutinho, que estreia nesta sexta-feira nos cinemas do país.
Mais ou menos porque os longas do diretor de 78 anos se constroem sobretudo no momento do encontro com os personagens, o que faz de cada entrevista – e de cada filme – algo único. E também porque, embora Coutinho mantenha um nível alto de regularidade e não tenha se acomodado nem com a unanimidade nacional, desta vez ele não fez um filme assim arrebatador.
Confira o vídeo do estreias de cinema desta semana:
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As Canções é o seu 14º longa-metragem. Na tela, homens e mulheres entre 22 e 82 anos abrem o coração para o documentarista sentados em uma poltrona no palco de um teatro vazio, cenário que lembra o de Jogo de Cena (2008), sua mais recente obra-prima. Suas músicas, assim como suas histórias, em sua maior parte, falam de desilusões amorosas jamais superadas. Há Noel Rosa, sambas-canções, o Retrato em Branco e Preto de Tom e Chico e, é claro, Roberto Carlos – o campeão de lembranças, com três aparições: Não se Esqueça de Mim e Olha (duas vezes).
Para a seleção dos personagens, uma equipe saiu às ruas do Rio segurando cartazes com a pergunta “Alguma música já marcou a sua vida?”. O cineasta escolheu 18 após uma pré-seleção de 237. Como sempre, Coutinho só ficou cara a cara com os entrevistados na hora de filmar, já com a câmera ligada. É uma das marcas de sua metodologia de trabalho – fundamental para tornar cada encontro tão único, e fazer cada personagem falar coisas que ele só fala porque seu interlocutor é Eduardo Coutinho.
Diante dele, um sujeito se apresenta como “comandante” e se diz ex-parceiro de Waldick Soriano e Orlando Dias em incursões a bordéis do Norte e do Nordeste – onde fez o que homem casado não deve fazer e por isso até hoje “paga” sendo gentil e ajudando a mulher nas lides domésticas. Outro engraçadinho afirma ser “invacilável”, dotado de um “detector de vacilo” que o impede de pular a cerca.
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Alguns cantam bem. Em outros casos, como o do jovem que compôs um samba para o pai morto num acidente, a desafinação faz parte do jogo. Momento talvez mais impressionante: uma senhora negra de cabelos vermelhos relata um caso de desamor de seu passado que quase terminou em assassinato – ela chegou a disparar contra o amante, mas a arma emperrou. Chora, ri, canta e afirma que, hoje, acha tudo o que aconteceu “maravilhoso”.
Apesar de toda a riqueza, As Canções não é tão forte tanto quanto Santo Forte (1998) – para citar uma obra-prima ainda não mencionada – ou como o histórico Cabra Marcado para Morrer (1984), longa de outra fase do realizador. Não se trata de comparar histórias e pessoas, e sim os encontros e a própria forma do filme: aqui, não se vê aquela evolução em seu trabalho de pesquisa de linguagem – verificada até mesmo depois do revolucionário Jogo de Cena, quando Coutinho lançou o bom Moscou (2009) e o ainda melhor Um Dia na Vida (2010).
As Canções provoca aquela sensação de mais do mesmo, que combina mais com Peões (2004) e O Fim e o Princípio (2006). Mas a fórmula é tão boa que sua simples repetição não constitui exatamente um problema. É, isso sim, apenas um limitador a impedir aquele encantamento que, bem, que só os filmes de Eduardo Coutinho são capazes de provocar.
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