Episódio histórico na visita de João Figueiredo a Florianópolis
Episódio histórico na visita de João Figueiredo a Florianópolis (Foto: James Tavares / Divulgação/ Tour Côza Nossa)

Novembrada, assim ficou conhecida a manifestação ocorrida em Florianópolis, no dia 30 de novembro de 1979. Quatro décadas depois daquela sexta-feira, o ato é considerado o maior e o mais significativo protesto político registrado na Capital do Estado. Tendo como um dos palcos a Praça XV de Novembro, a revolta popular é interpretada como um basta ao regime de exceção da ditadura civil-militar, um dos momentos decisivos para a transição democrática e para a reabertura política que o país faria anos depois.

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Apesar de ser um período mais democrático, a realidade da época ainda era nebulosa. Os brasileiros se ressentiam do regime militar, de casos ocorridos no governo de Emílio Garrastazu Médici, responsável por mortes como do jornalista Vladimir Herzog nos porões do DOI-CODI (Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações Internas) em 1975, em São Paulo. Assim como caso do metalúrgico Manoel Fiel Filho que, em janeiro de 1976, foi preso por dois agentes do DOI-Codi, na fábrica onde trabalhava, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). No dia seguinte à prisão, os órgãos de segurança emitiram nota oficial afirmando que Manuel havia se enforcado na cela com as próprias meias. Porém, de acordo com colegas, quando preso, usava chinelos sem meias.

Acostumado a dizer que preferia o cheiro dos cavalos, o presidente general João Figueiredo sentiu a força dos manifestantes. Havia outros motivos para a insubordinação em Florianópolis. No livro Novembrada: Uma Revolta Popular, o jornalista Moacir Pereira lista algumas razões para que o protesto ganhasse tamanha proporção: “(…) o descontentamento popular com o reajuste de 58% nos preços da gasolina; a declaração do presidente João Figueiredo de que era preferível o cheiro do cavalo ao cheiro do povo; a extinção do MDB e Arena colando uma pá de cal no bipartidarismo por imposição do regime militar; o contraste e as dificuldades da população com o aumento do custo de vida; as despesas exageradas com a ostensiva recepção à comitiva presidencial; a manipulação política produzida pela massiva campanha”.

Sinal de Figueiredo desencadeou reações

Na época, a sede do governo estadual era o Palácio Cruz e Sousa, e Santa Catarina governada por Jorge Bornhausen. O Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) organizou uma manifestação. Sob vaias e gritos, Figueiredo discursava na sacada, em frente à praça, quando, irritado, fez um suposto sinal de “OK” para os manifestantes. Porém, levou o dedo polegar ao encontro do indicador, dando outra conotação. A reação foi imediata: “cavalo”, “fascista” e diversos palavrões.

Figueiredo, numa atitude inesperada, resolve descer da sacada do Palácio e cercado por seguranças se aproxima de parte dos manifestantes. Tem então início um tumulto com a polícia, que segue até o Ponto Chic, bar tradicional da cidade atualmente fechado e com promessa de reabrir em breve, onde ele tomaria café. Na esquina do calçadão da Felipe Schmidt com a Deodoro, recebe o diploma de “Amigo do Senadinho”, como popularmente o bar se tornou conhecido.

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Seguido pelos manifestantes, Figueiredo volta a ser ofendido também por mais um motivo: ele havia feito uma homenagem ao Marechal Floriano Peixoto com uma placa que seria colocada num pedestal na Praça XV. Uma provocação, pois quando presidente, Floriano havia autorizado o fuzilamento de centenas de catarinenses na Fortaleza de Anhatomirim, no final do século XIX.

Pela “relevância do ato” a cidade deixou de se chamar Desterro e passou a se chamar Florianópolis.

Nilo Marques Medeiros Filho, militar da reserva, que trabalhou na Casa Civil no governo de Jorge Bornhausen, guardou em casa por muitos anos a placa retirada durante os protestos
Nilo Marques Medeiros Filho, militar da reserva, que trabalhou na Casa Civil no governo de Jorge Bornhausen, guardou em casa por muitos anos a placa retirada durante os protestos (Foto: Julio Cavalheiro / Banco de dados)

Placa que foi arrancada por manifestantes ressurgiu em 1995

Durante a manifestação a placa em homenagem a Floriano Peixoto foi arrancada, aparecendo anos depois, pelas mãos de um policial militar que a guardou. Foi Nilo Marques de Medeiros Filho, coronel da Polícia Militar, hoje na reserva, e que na época era responsável pela segurança do palácio, que a guardou.

Nilo pegou a placa na frente do Palácio e a guardou na Casa Militar. Lá ficou até 1983, quando então, por precaução e temendo pelo destino daquela relíquia histórica o militar pediu para guardá-la em casa. Muitos a davam como desaparecida ou destruída até que em 1995 o paradeiro foi revelado. Nilo a apresentou durante um julgamento histórico sobre Floriano Peixoto promovido na UFSC. A peça foi uma espécie de prova de acusação.

O jornalista Moacir Loth era um jovem repórter de 21 anos no Jornal de Santa Catarina quando a Novembrada estourou. Chegou ao local depois que Figueiredo havia deixado o Palácio Cruz e Sousa.

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– Minha cobertura foi sobre a batalha na Praça e ruas próximas, que começou pouco antes do meio-dia e foi até a madrugada.

Durante o trabalho, Loth foi agredido por dois policiais militares. Teve uma luxação na perna, uma contusão na região dos rins e algumas escoriações. Por conta do ataque, Loth perdeu as anotações, devolvidas uma semana após. Não houve registro na polícia acerca da violência.

A Novembrada não teve só uma sexta-feira. Os desdobramentos continuaram dias depois, quando foi autorizada a prisão de sete estudantes reconhecidos através de fotos como sendo os responsáveis pela manifestação. As prisões estimularam mais dois atos, um exigindo a libertação dos presos e o segundo reivindicando que os estudantes não fossem enquadrados na Lei de Segurança Nacional. A manifestação foi em frente à Catedral Metropolitana e contou com a participação de representantes da União Nacional dos Estudantes, além de parlamentares e lideranças políticas locais e nacionais, em defesa das liberdades democráticas. Os estudantes foram liberados dias depois.

Registro de manifestantes com a placa que foi retirada de monumento na Praça XV
Registro de manifestantes com a placa que foi retirada de monumento na Praça XV (Foto: Moacir Pereira / Bando de dados)

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