O apetite da família Gonçalves pelas novidades na velocidade em que são lançadas é um sintoma de mudanças que vêm se acentuando no comportamento do consumidor. Na casa onde vive o contador Denilson com a mulher, Sara, e dois filhos, televisões, computadores, videogames e até carros são renovados sempre que o orçamento permite e que um modelo mais interessante e com tecnologia mais avançada chega ao mercado.
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Só neste ano, por exemplo, toda a linha de eletrodomésticos e os dois carros da família foram trocados por modelos novos.
Ficaram para trás os tempos em que se comprava uma geladeira para durar uma vida, uma televisão para entreter a turma por uma década ou um computador para atualizar a cada dois anos.
O retrato do novo consumidor mostraria filas de clientes em frente às lojas da Apple, tuitando em seus iPhones 4 e esperando as portas abrirem para comprar a nova versão do aparelho. Embora não seja um fenômeno novo, a chamada obsolescência acelerada tem chamado a atenção de especialistas pelo ritmo cada vez mais alucinante que engrenou.
Nas últimas três décadas, o tempo de vida dos eletrodomésticos minguou. Conforme economistas, analistas de consumo e profissionais do marketing, o tempo médio do uso de itens da linha branca caiu pela metade desde os anos 80.
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O fenômeno se estica ao mercado de automóveis: o brasileiro troca de carro a cada três anos, conforme a Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras, metade do tempo com o qual trocava há 10 anos.
Com a queda nos preços das TVs de plasma, notebooks, smartphones e tablets, a pressa para trocar o usado pelo novo se alongou aos dispositivos móveis.
– Muitas vezes, os clientes trocam seus smartphones ou tablets não porque os aparelhos estão estragados ou começando falhar, mas pelo desejo de ter algo diferente, mais inovador e com alguma funcionalidade nova – explica Rob Schafer, analista global de mercado de tecnologia da Gartner, consultoria especializada no tema.
Novidades aceleram tempo de troca
Surgimento de novos produtos e atualização dos que estão no mercado passaram a ocorrer em intervalos cada vez menores
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No início dos anos 1920, os maiores fabricantes de lâmpadas dos Estados Unidos se uniram para colocar um ponto final em uma ameaça aos negócios: produtos que duravam demais. Desde que Thomas Edison inventara a lâmpada incandescente, 40 anos antes, as melhorias tecnológicas haviam elevado o tempo de vida dos itens de 1,5 mil para 2,5 mil horas.
A indústria percebeu o óbvio: se a durabilidade continuasse crescendo, os clientes comprariam lâmpadas em intervalos cada vez maiores, o que seria um risco às vendas. Os barões da luz decidiram que todos passariam a produzir lâmpadas com, no máximo, mil horas de vida útil. O chamado Cartel Phoebus reinou até os anos 40, quando competidores internacionais passaram a oferecer lâmpadas mais baratas e duráveis e redesenharam o mercado.
Consagrado na história da indústria de massa, o caso ilustra a primeira obsolescência programada de que se tem notícia. Nos anos seguintes, casos semelhantes surgiram no mundo inteiro, até que as estratégias para esgotar um produto – seja por usar componentes de baixa qualidade, seja por apresentar versões atualizadas posteriormente – deixaram de ser secretas e se tornaram uma das principais regras no capitalismo moderno.
– Devido à necessidade da indústria de continuar vendendo e do gosto do consumidor por novidades, a obsolescência dos produtos vem se tornando cada vez mais acelerada – explica Marcia Dutra Barcellos, professora do pós-graduação de Administração da
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UFRGS e vice-coordenadora do grupo de pesquisas de Sustentabilidade e Inovação da universidade.
Um dos principais mantras das grandes empresas nos últimos anos, a busca obsessiva pela inovação explica o encurtamento do tempo de vida de bens elétricos e eletrônicos. Em 2006, as empresas brasileiras investiam o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos.
Lançamentos chegam ao mercado ultrapassados
Cinco anos depois, essa proporção havia quase triplicado, chegando a 1,3% do PIB, conforme a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). Isso significa que o nascimento de novos produtos e a atualização dos que já estão no mercado passaram a ocorrer em intervalos cada vez menores.
– Hoje em dia, enquanto desenvolve um produto, a indústria já sabe que uma nova tecnologia está surgindo em algum lugar do mundo. Os lançamentos chegam ao mercado ultrapassados e prontos para receberem atualizações – explica Claudio Luis Frankenberg, vice-diretor da Faculdade de Engenharia da PUCRS.
O galope da obsolescência nos últimos anos é mais clara no universo eletrônico, residente predileto do imaginário do consumidor e especialmente pautado pela inovação. Tome-se o exemplo da televisão. Os modelos com tela de plasma, sensação no início dos anos 2000, perderam espaço para as de LCD, que, por sua vez, viraram coadjuvantes das LED. Agora, o novo xodó nas vitrinas é a nova plasma 3D.
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– Essa mudança acelerada traz um problema: produtos ultrapassados não encontram mais rede de assistência – pondera João Paulo Amaral, pesquisador de consumo sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Outra consequência pouco desejável da obsolescência acelerada moderna é a agressão à natureza. Liliane Rohde, professora de comportamento do consumidor da
ESPM-Sul, lembra que o consumo desenfreado e a pressão na produção causa esgotamento mais rápido de recursos naturais e gera problemas com descarte:
– A obsolescência programada pode ter alimentado o capitalismo até aqui, mas será necessário pensar em um novo modelo de consumo se quisermos manter a economia sustentável.
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