Uma nova diretriz americana sobre os índices de risco do colesterol reacenderam a polêmica sobre os limites para considerar que uma pessoa está em dia com a saúde do seu coração.

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Publicadas em novembro, as orientações da American Heart Association e da American College of Cardiology tornaram ainda mais severos os critérios para classificar os fatores de risco de desenvolver uma doença cardíaca nos EUA.

Quase ninguém escapa: todas as pessoas com mais de 7,5% de chance de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral nos próximos 10 anos já devem ser medicadas, de acordo com as orientações. Antes, somente as pessoas com risco acima de 20% entravam no grupo das que tomavam o medicamento.

O documento tem gerado reações controversas. Uma reportagem do jornal The New York Times discutiu uma possível supervalorização dos fatores de risco, o que levaria milhões de pessoas a serem tratadas com medicamento sem necessidade real. Aqui no Brasil, a polêmica chegou por meio da coluna do médico Drauzio Varella, publicada no último sábado, no jornal Folha de S. Paulo. O médico questiona “a obsessão para abaixar o colesterol às custas de remédio” e pede para que todos os brasileiros de boa saúde que tomam medicamento conversem com seu médico.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia também revisou as suas diretrizes recentemente. Desde o mês de setembro, os brasileiros precisam diminuir as suas metas de LDL ruim no sangue para serem considerados saudáveis. Antes, pessoas com alto risco de doenças cardiovasculares tinham como meta manter os níveis até 100 miligramas por decilitro de sangue. Agora, a luta é para ficar abaixo de 70 mg/dl.

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A metas de LDL no sangue são um dos pontos centrais na polêmica americana. Pela nova diretriz, não é mais preciso estabelecer um índice ideal de colesterol e sim apostar somente em uma redução drástica, sem determinar números precisos. Dependendo do caso, a recomendação pode ser reduzir pela metade os índices.

– Eles partem de um princípio diferente da diretriz anterior, entendendo que não havia evidências sólidas de que os números utilizados nas metas estavam corretos. Não há dúvida de que reduzir os índices é favorável, mas agora essa redução deve variar em cada caso e sempre em índices muito pequenos- explica o cardiologista e professor titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Antônio Carlos de Carvalho.

Os americanos também alteraram a forma de calcular os riscos de desenvolver doenças cardíacas, sofrer um infarto ou um derrame. Novos fatores foram acrescentados ao escore, como o sexo, a raça, e uma investigação mais ampla do histórico familiar do paciente. Por consequência, mais pessoas passam a se enquadrar na faixa de risco.

>> Saiba quais são os mitos e verdades sobre riscos para doenças cardíacas

As duas mudanças propostas trazem a mesma consequência: o aumento na prescrição das estatinas, medicamento que auxilia no controle do colesterol. A maior demanda desse medicamento gerou uma discussão sobre um possível favorecimento da indústria farmacêutica, financiadores das entidades que desenvolveram a diretriz. As instituições se defendem: em comunicado no seu site, a American Heart Association afirmou que o documento é baseado em evidências científicas e que aplica políticas rígidas para evitar que as relações comerciais influenciem no conteúdo de suas pesquisas.

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O cardiologista e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia Jorge Ilha Guimarães concorda com os americanos:

– O alto uso de estatina está certo. Se estamos usando um remédio é porque temos de usá-lo. As diretrizes são feitas com base em grandes estudos e têm força de lei – defende.

Apesar das discussões sobre os limites para a prescrição da estatina, os especialistas são unânimes em afirmar: sozinha, ela não faz milagre. Não basta tomar remédio se não manter uma dieta equilibrada, praticar exercícios físicos e reduzir o peso.

– O que mudou do ponto de vista de preconização frente à doença aterosclerótica é que, em muitas situações, nós teremos de ser mais agressivos e a agressividade está em associar medicação para baixar o colesterol. Existe um segmento romântico que ainda acha que é possível controlar indo lá e conversando com o paciente. Tudo isso tem de continuar fazendo, mas não tem sido o suficiente – afirma o presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (Socergs), Justo Leivas.

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O que vale no Brasil: classificação de risco para colesterol, conforme a normativa brasileira

Alto risco

Homens com mais de 20% de probabilidade de sofrer um evento cardiovascular nos próximos 10 anos. Para as mulheres, a probabilidade é a partir de 10%. O exame de sangue aponta como meta 70 mg/dl para quem tem alto risco.

Risco intermediário

A meta é de 100 mg/dl

Baixo risco

Homens e mulheres com menos de 5% de probabilidade de sofrer um evento cardiovascular nos próximos 10 anos. Precisa estar abaixo de 130 mg/dl, caso não tenha histórico familiar e outros fatores de risco associados.

Fatores de risco

– Histórico de doenças cardiovasculares

– Histórico familiar de doenças cardiovasculares

– Diabetes

– Doença renal crônica

– Idade

– Tabagismo

Os parâmetros americanos

A nova diretriz americana aboliu as metas preestabelecidas para o LDL. Para determinar qual deve ser o tratamento de forma mais individualizada, os americanos propõem um cruzamento mais complexo de diversos fatores como raça, idade, diabetes, tabagismo, pressão arterial e histórico familiar. O resultado de todas essas variáveis define qual deve ser o índice de colesterol de cada pessoa.

Entrevista: Justo Leivas, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (Socergs)

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“A maioria dos casos precisa de medicamentos”

Justo Leivas afirma que a mudança de hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo são importantes na luta contra o colesterol, mas que a maioria dos casos precisa da intervenção de medicamentos. Confira trechos da conversa.

Zero Hora – Por que a comunidade médica têm criticado tanto a recém-lançada diretriz americana sobre o colesterol?

Justo Leivas – A diretriz americana enfoca de uma maneira um pouco diferente tanto da nossa diretriz, que foi lançada no congresso brasileiro, em setembro, como também da diretriz europeia. Os americanos tentam individualizar cada caso, mas ainda continua valendo tudo aquilo que se preconiza: o colesterol ruim tem de ser baixado, reduzido com medicação.

ZH – Mudou alguma coisa no que se sabia sobre o colesterol?

Leivas – Tudo o que se sabia é o que se sabe até agora para tentar melhorar. O colesterol é uma substância que a gente precisa no organismo, mas em excesso ajuda a matar a maior parte da população no mundo. Ela é a maior causadora de doenças cardiovasculares que, por sua vez, é o que mais mata no mundo por infarto ou acidente vascular cerebral.

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ZH – Algumas das críticas dizem que a diretriz americana, incentivando o uso de medicamentos, poderia ter influência da indústria farmacêutica. O que o senhor pensa sobre isto?

Leivas – Eu não vejo assim.

ZH – A medicação, então, é a única alternativa?

Leivas – Não. A medicação, em algumas situações, é a saída dependendo do nível de colesterol. Se tiver muito alto não adianta só fazer dieta ou atividade física, precisa tomar remédio.

ZH – No polêmico artigo do médico Dráuzio Varella, ele coloca que seria melhor as pessoas mudarem seus hábitos do que tomarem remédios. O que o senhor pensa sobre isto?

Leivas – É uma visão romântica da medicina. Hoje, a obesidade é uma epidemia. Eu não tenho dúvida de que devemos pregar que é melhor fazer exercício físico, parar de fumar, mas também sei o quanto o mundo inteiro está fracassando nas suas estratégias para tentar mudar o curso disso. Se não se fizer nada, mesmo que às custas de medicação, só vai agravar um perfil que vem piorando até aqui.

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