Em dois meses e meio de 2024, Santa Catarina registrou 15 mortes por feminicídio. O número assusta e deixa marcas irreparáveis na vida dos familiares e amigos que viram vidas se perderem para a violência machista. Em março do ano passado, esses índices foram ainda piores. Eram 19 mortes nos três primeiros meses do ano.
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Conforme os registros feitos pela Polícia Civil, Joinville e Blumenau lideram o ranking de cidades com mais feminicídios em 2024. O delegado-geral, Ulisses Gabriel, atribui isso ao número de habitantes, já que estes são o primeiro e terceiro municípios mais populosos do estado.
“Por que o papai fez aquilo?”: SC vive nova onda de feminicídios com 15 mortes em 3 meses
O governo do Estado afirma que planeja aumentar a estrutura e o efetivo nestas cidades. O delegado conta que tramita hoje um decreto para a criação de um departamento de investigação criminal com delegacias especializadas em Joinville, Blumenau e Florianópolis.
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Além disso, deve ser lançado nos próximos meses concurso público para contratação de novos delegados, principalmente para as Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI), que devem receber um delegado a mais em Joinville e Blumenau.
— Nós precisamos ampliar o contingente de delegados nestas cidades. Temos um concurso autorizado, entre setembro e outubro conseguiremos a nomeação dos novos delegados.
Também estão previstas contratações de psicólogos policiais para as DPCAMIs e outras delegacias de grande porte, como São Francisco do Sul, Gaspar, Piçarras e Timbó, fortalecendo os atendimentos também feitos às mulheres.
Estas contrações também devem fortalecer a ideia de delegacias 24 horas. Porém, o delegado afirma que, no momento, ainda não é possível que as DPCAMIs funcionem desta forma porque, além de delegados e psicólogos policiais, é necessário a abertura de um concurso para escrivão. Ainda assim, este é um horizonte.
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Aplicativo para monitoramento
Além de aumentar o número de efetivo e melhorar o atendimento, há outras ações desenhadas pelas polícias em Santa Catarina a fim de proteger mulheres vítimas de violência. Está em desenvolvimento, por exemplo, um aplicativo em que, após pedido e autorização judicial, o denunciado deverá usar tornozeleira eletrônica e a mulher poderá acompanhar on-line a localização. A ideia é que o aplicativo bipe caso o agressor se aproxime.
Também são feitas em parceria com a Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina (Facisc) para organização de palestras sobre independência financeira. O objetivo é instigar as mulheres a procurarem espaço no mercado de trabalho ou empreender, possibilitando a saída delas de relacionamentos abusivos.
Sofreu uma violência? Saiba o que fazer
Ana Paula Nunes Chaves, advogada especializada em direito das mulheres, indica que em todos os casos de violência seja feito um Boletim de Ocorrência e busque orientação jurídica para saber o que fazer em seguida.
— Para cada caso a situação é uma, mas sempre deixo muito claro: orientação para todas, fazer a denúncia. O BO é um histórico, é uma coisa que usamos para comprovar que já houve violência — explica a especialista.
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A advogada explica que muitas mulheres temem que o homem descubra sobre a denúncia, porém esclarece que nos casos de crime de agressão, por exemplo, o denunciado só é processado caso a mulher entre judicialmente. Ou seja, o BO funciona apenas como um registro. Casos mais graves, que são considerados crimes públicos, como feminicídio e estupro, por exemplo, são investigados a partido dos BOs, mas esta regra não vale para agressões ou crimes de calúnia.
Além de registrar o boletim, a especialista orienta que as mulheres tenham uma rede de apoio, que outras pessoas saibam da violência e possa se manter em sinal de alerta e interferir em algum momento de urgência. A orientação jurídica também é importante.
A advogada, assim como o delegado-geral Ulisses Gabriel, reforça que há mulheres que não têm condições financeiras de sobreviver e, por isso, se mantêm junto aos agressores. A indicação da advogada também é registrar o BO e procurar orientação com as delegacias.
— Mulheres que vivem com agressores: registrem BO. Podem procurar orientação jurídica, existem casas de abrigo se não tiver condições financeiras e caso queira sair porque tem medo. Pode solicitar para a delegacia. Eles fazem orientações sobre emprego, escola, pensão alimentícia — explica.
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Quando a ajuda precisa vir de forma imediata, a Polícia Militar ainda disponibiliza no aplicativo PMSC Cidadão o “botão do pânico”.
— Tendo o acionamento em um simples toque na tela do celular, a PM é chamada de forma prioritária para atender uma ocorrência em que a mulher esteja em grave risco. Inúmeras prisões em flagrante já foram feitas a partir do acionamento do botão do pânico pela vítima. Tem ajudado as mulheres que precisam de socorro de forma imediata — explica Karla Beatriz Lima de Pontes Medeiros, capitão na PM e coordenadora da Rede Catarina de Proteção à Mulher.
Outra indicação é o pedido de medida protetiva. Mas, diferente dos boletins, as medidas protetivas são informadas ao denunciado para que ele não se aproxime da vítima. Em casos de mulheres que dependem financeiramente do companheiro, Ana indica mais uma vez a orientação jurídica para que um plano de ação seja criado e, então, a mulher possa garantir independência e solicitar o afastamento do homem.
O programa Rede Catarina, inclusive, faz visitas preventivas às vítimas de violência doméstica para fiscalização de medidas protetivas de urgência. Segundo a capitão, durante as visitas, a Patrulha Maria da Penha consegue identificar as necessidades da vítima e age de forma rápida, realizando encaminhamentos para outros órgãos, acesso a políticas públicas ou até mesmo medidas de proteção imediatas, como auxílio para retirada de pertences.
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— Além disso, esse atendimento aproximado garante à mulher um serviço qualificado e célere, criando uma relação de confiança, que deixa a mulher mais segura para romper o ciclo de violência e evitar a reincidência — cita a capitão.
Romper com a cultura machista
Ana destaca que os homens são ensinados a serem violentos, possessivos e a agredir em qualquer situação negativa. Por isso, é necessário romper com a cultura machista e violenta.
— Não conseguiremos nada enquanto os homens não se perceberem nessas relações. Precisamos discutir com eles relacionamento, construção de papel de gênero. Não é uma briga entre homem e mulher, mas nós estamos o tempo todo morrendo, mas são eles que nos matam. Não basta a gente saber dos nossos direitos, o outro lado precisa parar de agredir, refletir o que eles precisam mudar. Chegou o momento social em que precisamos dos homens para que eles discutam sobre isso — ressalta.
Assim como o delegado Ulisses citou as palestras para conscientização dos homens, a especialista em direito das mulheres ressalta a participação de todos na luta contra a violência doméstica.
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— Só será possível resolver isso metendo a colher, todo mundo tem que ser responsável em acolher mulheres, ser rede de apoio e ajudar para que ela possa sair dessa relação — indica.
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