A difusão de complexas tecnologias digitais nas escolas públicas parece ser a aposta de futuro dos órgãos oficiais de educação no Brasil. O objetivo é ter alunos cada vez mais capacitados para serem empreendedores e se comunicarem com o mundo
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Em se tratando do ensino público brasileiro, qualquer análise que se proponha a antecipar o futuro, de partida, só pode se constituir como um escrito incompleto, insuficiente e conciliatório das complexas e contraditórias maneiras de se pensar e de se fazer educação no contemporâneo.
Em um país cujo território possui dimensões continentais, é inegável que imaginar o futuro do ensino público somente pode acontecer se levarmos a cabo um procedimento difícil de ser realizado: estabilizar os sentidos de educação de estratégias políticas dispersivas do presente, mas que se apresentam ao mundo como portadoras do signo do “nacional”.
Como não poderia deixar de ser, nos acostumamos a ver ações de governo se travestirem de projetos de Estado e impactar as escolas públicas de uma maneira avassaladora. Embasados na premissa de que é necessário promover uma verdadeira revolução no ensino público do País, certos esforços governamentais têm se mostrado como meras frases cintilantes que pouco contribuem para a consolidação de uma escola pública assentada em dimensões teórico-metodológicas caras à compreensão e à interpretação do contemporâneo.
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Expressando a retórica salvacionista do momento, numerosos ministros/secretários de Educação já se colocaram diante dos holofotes da imprensa para anunciar estratégias capazes de assegurar o “futuro educativo de nossas crianças” ou procedimentos administrativos poderosos o suficiente para causar um “choque de gestão na escola pública de nossos filhos”…
Sem dúvida, a difusão de complexas tecnologias digitais nas escolas públicas parece ser a aposta de futuro dos órgãos oficiais de educação brasileiros. Em entrevista, o próprio ministro da Educação, Aloizio Mercadante, já reafirmou o compromisso de seu ministério em relação à distribuição de computadores para alunos e professores. Nas próprias palavras do ministro, “é muito importante que a gente [governo do Brasil] construa uma estratégia sólida para que a escola possa formar e preparar essa nova geração para o uso de tecnologias da informação”.
De acordo com Aloizio Mercadante, na contemporaneidade, vivemos uma “velocidade tecnológica […] muito maior do que a capacidade que a escola tem de processá-la”. Logo, dessa sua visagem, desdobra-se o imperativo: é preciso colocar em movimento estratégias governamentais capazes de garantir que as escolas públicas não fiquem “à margem da evolução tecnológica”.
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Desdobrando-se deste ideário, o Programa Um Computador por Aluno (Prouca) tem recebido volumosos investimentos do governo federal. Oficializado por intermédio da lei Nº 12.249, de 14 de junho de 2010, o Prouca objetiva promover a inclusão digital e a melhoria da qualidade da educação escolar por meio da distribuição, a alunos e professores, de “equipamentos de informática”, nomeadamente os classmates (notebooks de baixo custo de produção).
Em 2008, quando o Prouca ainda era uma experiência-piloto, foram distribuídos 150 mil computadores para 380 escolas da rede pública do País. Em 2010, numa etapa mais avançada, foram entregues aos estudantes de 372 municípios, aproximadamente, 375 mil computadores. E, segundo Aloizio Mercadante, até o final de 2013, no âmbito do Projeto Educação Digital – Política para Computadores Interativos e Tablets, serão despendidos “cerca de R$150 milhões na compra de 600 mil tablets para uso dos professores do ensino médio de escolas públicas federais, estaduais e municipais” e que será ampliada a “distribuição do computador interativo, equipamento que reúne projetor, microfone, DVD, lousa e acesso à internet”.
Ainda que sejam importantes, é fundamental destacar que estes investimentos não singularizam o Brasil como um Estado nacional de vanguarda quando o assunto é a articulação entre as tecnologias digitais e a educação.
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Nos últimos anos, temos assistido a esforços de toda ordem para incluir tais tecnologias nas escolas públicas de diversos países. A título de exemplo, vale mencionar que regiões próximas ao Brasil, há tempos, já vêm movimentando estratégias que almejam materializar o formato Um Computador por Aluno em suas escolas. Seguramente, os casos mais emblemáticos são o do Uruguai (Plan Ceibal, iniciado em 2006), o da Argentina (Conectar Igualdad, oficializado em 2010), o do Paraguai (Una Computadora por Niño, em curso desde 2009) e o do Chile (Red Enlaces, que a partir de 1995 tomou a massificação da informática na escola como sua principal meta).
Enfim, o que foi dito já é suficiente para demonstrar que é ingênuo acreditar que a recente distribuição de tablets às escolas públicas de Joinville seja fruto exclusivo das habilidades de gestão dos profissionais que estão ocupando posições de liderança em órgãos públicos de educação sediados em nosso município.
Em muitos dos seus escritos, o sociólogo britânico Stephen Ball já evidenciou que, desde o final do século 20, temos assistido a uma “convergência de políticas” transnacionais. Ou seja, um “desaparecimento gradual” de políticas econômicas, educativas e sociais concebidas a partir de “políticas específicas” de cada Estado-nação. O resultado mais imediato disso tem sido o crescimento de estratégias políticas de alcance global voltadas à “competitividade econômica” e um “crescente abandono […] dos propósitos sociais da educação”.
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Ainda de acordo com Stephen Ball, em nossa época, muito do que nos é apresentado como “novo paradigma educacional” nada mais é do que um conjunto de “tecnologias de políticas”, que, por sua vez, se constituem como meros espaços de difusão das “formas do mercado” e de seus princípios de “gestão” de nossas vidas.
Naquilo que compete às escolas, estas “tecnologias de políticas” se revelam, segundo aquele sociólogo, por meio de “distintos elementos que se encontram inter-relacionados” socialmente, tais como aspectos “arquiteturais, relações de hierarquia, procedimentos de motivação e mecanismos de reformação ou terapia” por vezes ofertada aos profissionais da educação.
Por mais bem intencionadas que sejam, não se pode negar que as tentativas de massificar a distribuição de tecnologias digitais para as escolas públicas brasileiras têm também difundido formas de mercado que impactam significativamente o compartilhamento do social.
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Apoiados na máxima de que é fundamental construir um novo paradigma para a educação contemporânea – especialmente habilitado a lidar com nossa sedução pelo digital -, temos assistido a ações de governo que expressam a defesa de um “Estado regulador” das condutas de seus cidadãos: uma espécie de Estado que se dá por satisfeito tão somente por criar dispositivos capazes de normatizar, autorizar, auditar e avaliar as interações de sua população com os globalizados mercados que transpassam suas fronteiras.
Para mentes distraídas, ilustre-se o aludido com os desejos de alguns dos projetos políticos para o ensino público brasileiro e, em especial, com as medidas desmedidas que os entes de gestão da educação têm defendido e promovido na Joinville que habitamos.
Enfim, alunos cada vez mais internacionalizados, capacitados o suficiente para serem empreendedores e se comunicarem com o mundo por meio de complexas tecnologias digitais fazendo uso do idioma inglês: eis o projeto de futuro que tem progredido a passos largos em nosso presente. Uma espécie de “neoneoliberalismo” que não se envergonha de propor a alunos, professores e gestores da educação que se transformem numa empresa de si mesmos.
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REFERÊNCIASCITADAS NO TEXTO:
BALL, Stephen J. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em educação. Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 2, p. 99-116, dez. 2001.
BRASIL. Ministério da Educação. Assessoria de Comunicação Social do MEC. Escola não pode ficar à margem da evolução da tecnologia, diz ministro (Aloizio Mercadante). Acesso: 03 abr. 2012.
BRASIL. Ministério da Educação. Conheça o UCA. Acesso: 03 abr. 2012.
Fernando Cesar Sossai é professor dos departamentos de história e design da Univille. Vice-chefe do departamento de história da Univille. Coordenador do laboratório de história oral da Univille. Doutorando em educação na Udesc, linha de pesquisa educação, comunicação e tecnologia.
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