*Por Laura Cappelle

PARIS – Desde que Ruth Mackenzie, a diretora artística britânica do célebre Théâtre du Châtelet, foi demitida de forma abrupta, há poucas semanas, duas perspectivas muito diferentes surgiram.

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A cobertura da mídia na França se concentrou em alegações de que os funcionários do teatro estavam insatisfeitos com o estilo de liderança de Mackenzie e se sentiam intimidados. Seu domínio do idioma francês não havia melhorado suficientemente desde que assumiu o cargo durante a recente reforma do Châtelet, em 2017, de acordo com o jornal “Le Figaro”. Ela ainda foi acusada de terceirizar o trabalho e de afastar funcionários.

Em geral, os veículos de língua inglesa têm sido mais simpáticos. Em uma entrevista ao “The Guardian”, Mackenzie, que foi a primeira diretora artística não francesa do Châtelet, especulou que o machismo e a xenofobia contribuíram para sua demissão. O teatro francês é elitista e reticente em relação a mudanças, disse ela.

Ambos os pontos de vista podem ser verdadeiros, mas há algo mais a considerar nessa disputa: as diferenças culturais entre Mackenzie, um produto do teatro britânico, e o cenário das artes na França.

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Uma carta aberta assinada por 60 artistas e administradores de destaque na Europa e nos Estados Unidos foi publicada pela revista francesa “La Lettre du Musicien” e será reproduzida em inglês no “The Guardian”: ela afirma que Mackenzie “rompeu fronteiras” no Châtelet e que os signatários estão “solidários” com ela.

Um nome entre eles chamou a atenção: Chris Dercon. Em 2018, seu mandato como diretor do teatro Volksbühne em Berlim também terminou de maneira amarga, depois de apenas seis meses. Dercon, ex-diretor de museus, incluindo o Tate Modern, em Londres, renunciou depois de protestos sobre sua decisão de redirecionar o foco do antigo teatro da Alemanha Oriental para receber produções internacionais. Lá, como em Paris, a globalização foi criticada como uma ameaça às tradições artísticas locais.

Dercon está atualmente aqui em Paris, onde supervisiona uma série de espaços de exibição proeminentes como presidente da Réunion des Musées Nationaux – Grand Palais. Mas o teatro não é o mundo da arte, que se ajustou a um mercado global.

O idioma é um fator: a maioria das produções teatrais não viaja tão facilmente quanto as obras de arte visual. A grande maioria dos principais diretores franceses é desconhecida no exterior. Como as empresas alemãs, eles operam principalmente em um ecossistema local, com história e convenções próprias. Não é impossível que um estrangeiro entre nesse mundo – o diretor suíço Milo Rau tem tido sucesso até agora na NTGent, na Bélgica, por exemplo –, mas é preciso uma séria dose de diplomacia.

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Quem quer que estivesse orientando Mackenzie a respeito das sutilezas da cultura de trabalho francesa também fez um péssimo trabalho. O relatório do “Le Figaro” disse que ela falava um “franglês incompreensível”, contratou “freelancers anglo-saxões” em vez de contar com sua equipe interna e não passou tempo suficiente em Paris. Em um país onde a etiqueta e a hierarquia adequadas continuam sendo fundamentais na maioria dos ambientes de trabalho, uma nova diretora estrangeira deveria ter sido mais bem assessorada.

teatro
(Foto: Elliott Verdier / The New York Times)

Ainda assim, sua demissão instantânea é extraordinária para os padrões franceses. Um diretor artístico com baixo desempenho nos Estados Unidos pode não se surpreender caso lhe peçam que desocupe o cargo imediatamente, mas a segurança no emprego é um direito quase sagrado na França. Mesmo em casos de assédio ou de discriminação em instituições com financiamento público, as autoridades nacionais e locais relutam em suspender ou remover os artistas e os administradores. Basta pensar no caso de Yorgos Loukos, ex-diretor do Lyon Opera Ballet: foram necessários seis anos e dois julgamentos por discriminação por ter demitido uma mulher grávida antes de sua demissão no início deste ano.

O fato de Mackenzie ser estrangeira exerceu alguma influência na decisão da diretoria do Châtelet de demiti-la, com o apoio de autoridades municipais? Vale a pena perguntar se um diretor francês estabelecido, com influência política e raízes na cena teatral local, teria sofrido o mesmo destino. As principais nomeações artísticas são fortemente influenciadas por funcionários eleitos na França: o novo diretor da Ópera de Paris, Alexander Neef, teve de ser entrevistado pelo presidente Emmanuel Macron antes de assumir o cargo. Tendo passado sua carreira no exterior, talvez Mackenzie não tivesse os contatos que poderiam tê-la protegido; seu codiretor, Thomas Lauriot dit Prévost, um veterano funcionário francês do Châtelet, permaneceu no cargo.

Assim como Benjamin Millepied, que dirigiu o Balé da Ópera de Paris de 2014 a 2016 e também foi criticado por ser muito “anglo-saxão” em sua abordagem, a postura aberta de Mackenzie em relação à diversidade provou ser um para-raios. Ela aumentou o número de artistas negros na programação do Châtelet e investiu em iniciativas de divulgação, incluindo um esquema “Robin Hood”, que pedia aos espectadores que comprassem ingressos extras que eram então oferecidos a grupos menos favorecidos.

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No entanto, as conversas abertas sobre racismo são difíceis de iniciar na França e, ao longo do caminho, a visão de Mackenzie nem sempre parecia enraizada em uma compreensão diferenciada da realidade local. De acordo com um porta-voz do Châtelet, antes de a temporada 2019-20 ter sido interrompida pela pandemia do coronavírus, apenas 13 clientes haviam adquirido um total de 29 ingressos por meio do esquema “Robin Hood”, por exemplo.

A frustração de Mackenzie com a apatia francesa é compartilhada por muitos, mas ela poderia ter se apoiado em iniciativas existentes. Além de Paris, a França tem a própria tradição de teatro popular e uma grande rede de pequenos espaços, muitos situados em subúrbios pobres e afastados do centro, bem como em outras partes mais carentes do país. Alguns deles têm trabalhado muito para se conectar à comunidade local há anos. Quando Mackenzie se posicionou como uma revolucionária enfrentando o racismo e o elitismo arraigados, como costumava fazer em entrevistas, acabou irritando muitas pessoas na França.

Houve um pouco de prazer perverso na demissão de Mackenzie aqui – uma sensação de que uma estrangeira não ensinaria aos parisienses como administrar um teatro. No entanto, a cidade não deu a ela o tempo necessário para realizar seu projeto. Quem sabe o que uma diretora britânica perturbadora poderia ter alcançado no Châtelet em cinco ou dez anos? Depois da rápida demissão de Mackenzie, é improvável que surja outro(a) estrangeiro(a) em seu lugar.

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