Proust é pop. Proust é cult. Proust é o autor daqueles sete volumes que muita gente que leu só engrenou depois da segunda tentativa – e muito mais gente não terminou nem o primeiro volume. Proust é, tambem, o autor de uma das obras literárias mais desafiadoras que qualquer leitor poderá encarar, pela forma como plasmou no papel não apenas um retrato de seu tempo, de suas relações, dos costumes e da arte discutida em sua época. Proust conseguiu mais: criar o romance definitivo da memória, do “surgimento da realidade dentro da consciência rememorante, a qual abandonou há tempo as circunstâncias em que se achava em cada momento em que o real acontecia presentemente, vê e ordena o seu conteúdo de uma forma que é totalmente diferente do meramente individual ou subjetivo”, como escreveu Erich Auerbach em Mimesis, seu estudo sobre a representação literária da realidade.
Continua depois da publicidade
O escritor começou a redigir o romance, uma longa evocação da sociedade que viu e viveu, da infância à idade adulta, em 1909. Publicou trechos de Combray, a primeira parte, no Le Figaro, em 1912, e o primeiro volume, No Caminho de Swann, saiu como livro em novembro de 1913. Tomado pelo frenesi da ideia de transformar o mundo que conhecia em uma obra que atravessasse o tempo, o autor passou seus últimos anos recluso à própria cama, emendando incessantemente seus manuscritos. De saúde frágil, temia não resistir às doenças a que se exporia se voltasse para o mundo mundano que descrevia na literatura. Morreu, ironicamente, após uma das poucas vezes em que decidiu contrariar o hábito e visitar uma exposição. Os três últimos tomos de Em Busca do Tempo Perdido foram publicados postumamente.
Ao transformar a sociedade de seu tempo em um monumento literário, Proust ampliou o caráter do romance como um retrato da burguesia. Como apontou Edward Said em O Estilo Tardio, Proust resgatou “uma forma popular como veículo para uma meditação insistente mas acessível sobre a passagem do tempo da perspectiva da boa sociedade – isto é, da mundanidade, do savoir faire, da graça aristocrática e de certa superfluidade”.
Proust se tornou também mote para livros que viajam além de sua literatura. Em Como Proust Pode Mudar sua Vida, Alain de Botton mescla a biografia do escritor com uma análise de sua obra para retirar ensinamentos que o leitor pode, em tese pôr em prática em sua vida cotidiana. Já Jonah Lerrer, em Proust Era um Neurocientista, afirma que o artifício central do romance proustiano – a reevocação da memória despertada por estímulos sensoriais – antecipou descobertas recentes da neurociência, como o fato de que sentidos como o olfato e o paladar “suportam um fardo de memória singular”.
Proust é pop, é cult, é um clássico moderno, é autoajuda, é física. É um universo. E parte desse universo, que já havia chegado ao Brasil em traduções anteriores de Mario Quintana (e Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e outros) e Fernando Py, terá agora nova versão, pelo jornalista Mario Sergio Conti. O primeiro volume deve ser publicado até o fim deste ano, pela Companhia das Letras.
Continua depois da publicidade