Biguaçu completa 186 anos nesta sexta-feira (17). A história dessa cidade cheia de riquezas naturais e culturais teve início em 1748, quando portugueses começaram a ocupar a terra conhecida como São Miguel. A freguesia chegou a ser capital da capitania de Santa Catarina, entre 1777 e 1778. Na segunda metade do século 19, crescia ao longo da margem direita do Rio Biguaçu outro povoado, que passou a ser a sede municipal de São Miguel a partir de 1894.

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Além de registros históricos e da importância do município para o Estado, Biguaçu é a casa de pessoas que escolheram viver e criar suas próprias histórias. Para comemorar o aniversário da cidade, a reportagem do Hora uniu duas gerações separadas por um século: Manoel Antônio Gonçalves, 100 anos, 70 deles em Biguaçu, e Bernardo da Silva Escobar, de oito meses, o primeiro cidadão nascido em uma maternidade do município.

O local em que Bernardo nasceu é muito diferente daquele em que Manoel chegou, há sete décadas. Naquela época, não havia asfalto na cidade, nem os mais de 67 mil habitantes estimados pelo IBGE em 2018.

Manoel criou os filhos, trabalhou nos engenhos de farinha e açúcar. Ficou conhecido pela simpatia e completou 100 anos de vida. Nascido na cidade vizinha, São José, no bairro Forquilhas, cresceu ajudando os pais na lida com a roça. Dividia o restante do tempo entre os estudos e o trabalho. Quando já era moço conheceu a biguaçuense Inês da Silva Gonçalves. E foi então que sua história com Biguaçu teve início.

— Eu ia a pé, caminhava 12 quilômetros de Forquilhas até Biguaçu para conversar com ela aos domingos. Às vezes, quando tinha novena, eu também fazia uma visita e saía perto da meia-noite pra ir pra casa e passava por dentro de um cafezal, no escuro. Levava uma caixa de fósforo nas mãos caso precisasse — conta Manoel, que conserva a boa memória.

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Foram três anos de namoro, até que se casaram. Mas a mudança para Biguaçu veio depois, quando já tinham dois filhos, de um total de sete. Na cidade, a família Gonçalves sempre viveu na região da Rússia, na zona rural, e Manoel, que se orgulha em dizer que trabalhou boa parte da vida nos engenhos, recorda com saudosismo daqueles tempos.

— Eu fazia farinha, moía milho, e olha que isso aqui era estrada de chão, só passava carro de boi. Toda vida andei de calça arregaçada por causa do barro. A minha mulher me ajudava também, ela cuidava das coisas de casa e ao meio-dia levava um pratinho de comida pra mim onde eu estava trabalhando — conta.

Apesar da nostalgia, ele considera que a vida era muito mais difícil naquela época:

— Não sinto falta do passado.

A esposa, Inês, faleceu há 11 anos, mas o quadro antigo com a foto do casal continua na parede de casa. Com o tempo, surgiram dores pelo corpo, que o impedem de ir à missa às quartas-feiras, como costumava fazer. Mas os olhos azuis são seu orgulho. Ele garante que lê a bíblia, com letras miudinhas, sem precisar de óculos.

— Hoje em dia eu escuto a missa pela TV todo dia, de manhã. Subo e desço escada três vezes por dia, ando de manhã, ao meio-dia e às 17h, quando vou pra casa tomar meu café e jantar — descreve sua rotina.

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Manoel já não tem os filhos e a esposa por perto, mas adora contar que tem 19 netos, mais de 30 bisnetos e três tataranetos. E o segredo para chegar tão bem a essa idade?

— Chegar aos 100 anos significa que a pessoa cuidou da sua vida. Eu tomo meus remedinhos certos, não tomo bebida de álcool, não fumo, já fumei por uns anos, mas eu achava que tinha um pigarro e botei fora. Hoje tomo também um cálice de vinho, um pinguelo, na hora do meio-dia. O médico que me receitou porque é bom para o coração — conta.

E daqui a 100 anos?

— Nem dá para imaginar. A população que só aumenta que é coisa maluca. Tá vendo aquele morro? Lá só tinha uma caixa de água. Hoje você vê é tudo cheio de rua e casa que é uma barbaridade, e vai crescer ainda mais essa Biguaçu — prevê Manoel.

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Bernardo, o primeiro a nascer em um hospital de Biguaçu

Até o dia 1° de setembro de 2018, só havia nascimentos em Biguaçu se fosse dentro de casa, com a ajuda de uma parteira ou doula. Para se ter ideia, até então, a última certidão de nascimento registrada no município é datada de 27 de maio de 1972.

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Foi Bernardo da Silva Escobar quem mudou essa história. Ele foi o primeiro bebê a nascer na maternidade do Hospital Regional de Biguaçu, que iniciou os atendimentos em setembro do ano passado.

Bernardo nasceu no dia 2 de setembro de 2018 na primeira maternidade de Biguaçu (Foto: Arquivo pessoal)

Bernardo nasceu no dia 2 de setembro com 3,5 quilos e 52 centímetros. A mãe, Jéssica Maria Pereira da Silva, 21, nem imaginava que o filho ia entrar para a história da cidade.

— Eu já tinha decidido que ia ganhar meu filho na maternidade Carmela Dutra, em Florianópolis, porque todo mundo dizia que era bom lá. Nem pensava em ganhar em Biguaçu. Acabei indo no hospital para ver quantos dedos de dilatação eu tinha, mas já me internaram — recorda.

Foram 14 horas em trabalho de parto até que Bernardo nasceu num domingo, às 13h31min, por cesariana. O primeiro biguaçuense registrado depois de 46 anos apareceu até no jornal.

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Jéssica, apesar de se dizer de Biguaçu, nasceu em Florianópolis, no Hospital Universitário. Filha mais velha de uma família com mais três irmãos, ela precisou largar os estudos com 14 anos para ajudar a mãe nas tarefas de casa, depois que ela ficou doente. Não precisou trabalhar na roça, como Manoel, mas ainda tem que trabalhar muito.

A família mora no bairro João Rosa, numa localidade tranquila. Na Biguaçu de hoje, ela e o marido Vinícius Escobar, 21 anos, sonham com um futuro diferente para o filho. O garoto é a esperança de um futuro melhor.

— Ele é muito pequeno ainda, mas eu quero que ele estude, coisa que eu não fiz. Mas também quero que ele cresça aqui em Biguaçu, onde eu vivi a vida inteira, onde me criei e gosto muito de morar. Claro que tem muita coisa para melhorar, como a saúde do município, mas aqui é um lugar sossegado, bom para criar um filho — avalia a mãe.

A esperança é que essas terras propiciem a Bernardo a mesma longevidade que garantiram a Manoel. São duas gerações diferentes, separadas por um século, mas a característica da cidade que continua sendo a que mais agrada o idoso é a mesma que os pais do pequeno biguaçuense enaltecem: a tranquilidade para cuidar da vida.

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