Em meio à atmosfera densa, as palavras do rabino liberal Gilad Kariv, filiado ao Partido Trabalhista (centro-esquerda), parecem uma brisa. Adversário do premier Binyiamin Netanyahu e ferrenho defensor de um Estado palestino convivendo com o Estado judeu, Kariv diz acreditar que o atual governo, conservador, teria cacife para chegar à paz com os palestinos nas negociações que se iniciaram semana passada. Mais: caso o processo progrida, a esquerda o apoiaria.
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– Sim, tenho esperança – disse o rabino, que esteve em Porto Alegre a convite da Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (Sibra). Leia trechos da entrevista:
Zero Hora – Por que Israel, em meio a um processo de paz, faz mais assentamentos?
Gilad Kariv – A situação política em Israel é difícil. Nas últimas eleições, Netanyahu foi eleito com uma coalizão de centro e direita. Colocou, na mesma coalizão, Tzipi Livni, que dialoga com os palestinos, e políticos ligados aos territórios. Netanyahu tem de conviver com isso, um passo para a frente, um passo para trás. Sou contra a confusão dos assentamentos, mas isso não pode ser motivo para as conversas fracassarem. Se as duas partes são sérias, poderemos contornar aquele ponto e caminharmos. Vamos perceber, nos próximos meses, se Mahmoud Abbas e Netanyahu são sérios em suas intenções.
ZH – Os assentamentos não inviabilizam o processo?
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Kariv – Os palestinos não podem se prender a esse tema, dos assentamentos. Devem pensar no processo de paz de forma ampla. Temos de lembrar que Netanyahu, pressionado por Barack Obama, comunicou que não haveria construções nos territórios por um ano, e os palestinos, mesmo assim, não negociaram a paz. Temos problemas com as lideranças dos dois lados. Os dois líderes, os dois governos, devem demonstrar que existe seriedade para as negociações de paz.
ZH – Há margem para negociar esse problema dos assentamentos?
Kariv – A realidade é problemática, sabemos disso. Mas, se os problemas são resolvidos antes das negociações, então por que as negociações?
ZH – E os refugiados palestinos?
Kariv – Não podemos começar negociando já concordando com tudo. A tragédia do povo palestino é muito grande. Quem tem coração deve se solidarizar. Mas essa tragédia não foi criada só por Israel. Também foi criada pelos líderes palestinos e pelas nações árabes. Os países árabes não estiveram dispostos a resolver o problema dos palestinos refugiados. É preciso um esforço conjunto, e a solução virá dentro do Estado palestino. Assim como o Estado de Israel recebeu judeus que saíram dos Estados árabes nos anos 1950 e os absorveu com infraestrutura, o Estado Palestino também terá de assentá-los.
ZH – Israel deve ajudar com infraestrutura?
Kariv – Haveria um esforço internacional, com as potências, e Israel também daria sua parte.
ZH – Se Netaniahu cedesse nos territórios, perderia apoio legislativo e seu governo cairia?
Kariv – É importante que se diga que a maior parte da população israelense quer dois Estados para dois povos. O problema passa por construir um ambiente de confiança, em que os palestinos possam acreditar no governo de Israel e que Israel possa acreditar em Abbas. Primeiro vem a confiança. Só se sentarem à mesma mesa já é um avanço. Se há uma negociação, o governo de Israel não vai ficar igual. Mas tem muitos partidos políticos de esquerda, como nós do Partido Trabalhista, que darão apoio a Netanyahu caso ele avance nas negociações. Devemos ser muito criativos para os locais sagrados. Não podemos parar o futuro por causa de um quilômetro quadrado. Jerusalém Oriental deve ser a capital da Palestina e Jerusalém Ocidental a capital de Israel.
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ZH – O fato de Netanyahu ser um político de direita, como era Menachem Begin quando fez a paz com o Egito, dá mais força a um acordo?
Kariv – Sem dúvida. Quando um líder da direita fala em dois Estados para dois povos, leva a maior parte da população a acreditar. Gera esperança. Netanyahu poderia sim ser como Menachem Begin quando fez a paz com o Egito e entrou para a História.
ZH – O Partido Trabalhista apoiaria Netanyahu nesse caso?
Kariv – Sim, vai apoiar. Nós apoiaríamos Netanyahu.
ZH – O senhor tem esperança?
Kariv – Sim, tenho esperança. A maioria em Israel está disposta a pagar um alto preço para viver em paz.