Acho que era julho de 2003. Difícil resistir ao gracejo de início de texto. Eu também tinha quase 16 e, na minha adolescência vazia, esperava em uma fila que contornava o Ginásio João dos Santos, em Gaspar, para assistir pela primeira vez a um show à vera – Daniela Mercury na Oktoberfest 1997 com a mãe e a irmã não conta, vai. Estava frio, tive que arranjar ali um “tio” disposto a adotar um sobrinho menor de 16 anos até a portaria, graças ao rigor da Justiça da Criança e Adolescente da época. Mas ouvir ao vivo cada faixa do recém-lançado Acústico 2 do Nenhum de Nós foi marcante para mim como são até hoje para um bom público do Vale os sucessos da banda que já gastou a beleza em incontáveis shows aqui pela região. Pois quase 14 anos depois, Thedy Corrêa e companhia agora surgem em outra experiência, no meio de uma plateia e um ambiente bem mais seletos.
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Na noite desta sexta-feira um público de cerca de 1 mil pessoas, segundo a organização, saiu de casa para encontrar casais de amigos, reviver suas nostalgias e cantar junto aos velhos conhecidos do Nenhum de Nós. A banda se apresentou em um show gourmet no Eisenbahn Biergarten, na Vila Germânica, em Blumenau – a primeira noite foi de casa cheia e uma nova apresentação ocorre neste sábado. Show gourmet? Precisamos falar sobre isso.
Conforto, comes e bebes na espera das bandas
A chegada lembra um casamento. Mesas de oito lugares postas, toalhas pretas, cadeiras nudes, copos brancos de acrílico personalizados da festa, canapés ao centro. Tem banner na entrada para tirar foto estilo celebridade no red carpet – ou como baladeiros na chegada à boate, para quem preferir.
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Também teve comida. Fricassê de chester, escondidinho, mignon, provolone à milanesa. Long necks e espumantes sempre gelados no baldinho e garçons muito requisitados, é verdade – até para fazer fotos. “Hum, um jantar dançante?”, poderia indagar alguém mais jocoso ou desconfiado. Maldade. Público sentado e atento, alguns colados ao palco, no início da noite talvez lembre até um daqueles especiais do Roberto Carlos. Quem foi pareceu satisfeito ao longo de toda a noite.
– Vim por curiosidade, por ser um evento diferente, mas o fato de ser mais confortável que um show tradicional também me atraiu, sem dúvida, é mais agradável. Além da banda, que eu gosto muito – conta Giovanni Zampieri, 52 anos, que foi ao show com a namorada e outros três casais de amigos.
A noite de bon vivant é boa, é verdade, mas tem um preço, e ele é bem menos acessível do que assistir a um show em uma pista. Em troca, no entanto, há esse clima… gourmet, de rei da mascada, capaz de atrair o público que gosta de shows, mas não tem mais idade ou força de espírito para encarar filas, calor (ou frio, ou chuva), cotoveladas, celulares bloqueando a visão ou cantadas nas excelentíssimas. O tempo passa e nem tudo fica, já diz a letra de Sobre o Tempo, e agora, com as costas bem apoiadas, esse ambiente é convidativo, embora a aglomeração da pista me parecesse tão mais charmosa nos idos de 2003.
Embora boa parte da experiência ocorra antes da apresentação, quem vai a um show se não for pela música, não é verdade? Pontualmente às 22h, os rocks gaúchos e os clássicos gringos do som ambiente deram lugar à Máfia S. A., que abriu com um som autoral e seguiu com bons covers nacionais de RPM, Barão, Nei Van Soria, o mestre Raulzito, além dos já tradicionais rocks old school – teve performance de Love of My Life, do Queen, e homenagem a Chuck Berry com Johnnie B. Goode. Rock até dançante para ouvir e se conter na cadeira.
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Por sorte, alguns homens de camisa polo dividiam a atenção com as miniporções que aos poucos chegavam às mesas. Ao mesmo tempo as jovens posavam diante dos celulares à procura da selfie perfeita – algumas delas exibidas em dois telões. Fim da primeira banda e das comidinhas. O som mecânico flertava com a breguice ao tocar Macarena e Follow The Leader. Mas pareceu agradar. Os mais animados se embalaram nas cadeiras e alguns ficaram de pé, lembrando uma formatura.
Sucessos para relembrar e cantar de pé
A atração principal começou mesmo à 0h30min, pontualmente conforme o prometido. O Nenhum de Nós abriu o show servindo como entrada Sobre o Tempo e a sugestiva Canção da Meia-Noite, de Kleiton e Kledir. O show foi empolgando o público à medida que os sucessos pintavam no set-list. E clássicos como Astronauta de Mármore e Você Vai Lembrar de Mim foram entregues de bandeja logo cedo.
A quem já não se empolga com essas canções mais repetidas, o formato do show permite assimilar melhor, por exemplo, o drama da violência em Camila, Camila, e perceber que músicas como Amanhã ou Depois e Diga a Ela preenchem hermeticamente fendas emocionais abertas por relacionamentos que deixaram para depois uma conversa amiga e ficaram pelo caminho em algum momento da vida. Mas antes que o garçom entregue um sorvetinho, Vou Deixar que Você Se Vá e Paz e Amor aparecem para elevar o astral e mostrar outras perspectivas aos apaixonados que resistem na plateia. Não é difícil entender as vozes cantando em coro, as mãozinhas e os celulares em punho a gravar tudo.
– Você aproveita mais o show, consegue ver mais detalhes e curtir – dizia antes do show Cesar Griebeler, 44 anos, que já viu os Stones no aperto de uma pista, mas nesta sexta cantou com o Nenhum da mesa em frente ao palco.
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Na Vila Germânica, o baterista e especialista em cerveja Sady Homrich estava em casa. O carismático Thedy está mais velho, mas mostrou o mesmo carisma e intimidade com o palco. Com o teclado e o acordeão, como nos shows da adolescência de muitos dos presentes, João Vicente oferecia algum ritmo mais eletrizante ao show acústico. A ponto de deixar todo mundo de pé nas últimas músicas. No bis, com o hino Camila, Camila e o cover de Segundo Sol, ninguém era de ninguém.
O Nenhum de Nós fez um show para ser degustado. Sem invenções, mas com o sabor de um clássico que consegue resistir ao tempo – e que ainda agrada muitos paladares.