A fiscalização de trânsito voltou a entrar no radar de assuntos polêmicos e ser questionada, tanto em ruas municipais como rodovias estaduais e federais em Santa Catarina. Ao contrário do título do livro do filósofo Michel Foucault, "Vigiar e punir", em que ao falar sobre mudanças no sistema de punição do Ocidente estabeleceu conceitos usados até hoje na área da educação, no trânsito da região as ações mais recentes parecem indicar uma vontade de não vigiar, nem punir.
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O mais novo episódio foi um projeto de lei apresentado pelo vereador Jovino Cardoso Neto (Pros) que quer proibir a Guarda Municipal de Trânsito de aplicar multas com radar móvel nas ruas do município. A proposta foi entregue na terça-feira e aguarda parecer da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça – presidida pelo próprio Jovino.
O questionamento às fiscalizações de trânsito já estava em alta desde a segunda-feira, quando o deputado estadual Valdir Cobalchini (MDB) apresentou o primeiro projeto do ano na Assembleia Legislativa (Alesc), com teor praticamente idêntico: proibir as multas emitidas com radar móvel, mas neste caso nas rodovias estaduais.
Atualização: ainda na quinta-feira, após se reunir com o comandante da Polícia Militar Rodoviária (PMRv), Cobalchini voltou atrás e apresentou um substitutivo do projeto para que os radares possam ser usados em rodovias estaduais, mas somente em locais de ampla visão do motorista, com cones e em pontos com estudo prévio.
As duas iniciativas questionam a forma atual de fiscalização com radar móvel, em estradas municipais e rodovias estaduais. Mas outro entrave que veio à tona nos últimos dias também trouxe problemas para a fiscalização em rodovias federais.
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Esta semana, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) confirmou que os 500 controladores de velocidade instalados em faixas de rodovias federais de Santa Catarina estão desligados. O motivo é que o contrato com as duas empresas que operavam os equipamentos no Estado terminou em janeiro, junto de contratos de outras regiões do país. Na semana passada, as empresas, que aguardavam um possível contrato emergencial, desligaram os equipamentos. A instalação de outros depende da nova licitação, que está em fase de homologação.
Por enquanto, não há prazo para que as lombadas eletrônicas como as que ficam em trechos da BR-470 no acesso ao trevo do Badenfurt e a Gaspar voltem a funcionar. Nas rodovias federais, apenas os polêmicos radares móveis passam a ser os instrumentos de controle de velocidade dos motoristas.
No texto do projeto de lei estadual, que foi modificado nesta quinta-feira, o deputado Cobalchini apontava que a fiscalização com esse tipo de equipamento teria caráter "puramente arrecadatório", por não promover a educação preventiva dos motoristas. Já sobre o projeto municipal entregue à Câmara, Jovino também defende que o uso equipamento não estaria contribuindo com a redução do índice de acidentes. Segundo ele, a maioria das mortes no trânsito urbano da cidade ocorre à noite e de madrugada, quando não há radar móvel.
– Além disso, eles estão usando o radar em locais em que o índice de acidente é zero. Cabeceira da Ponte Vilson Kleinübing, Rua São Paulo no trecho perto de uma seguradora, Ponte do Badenfurt. Esse lugar não tem índice de acidentes. Escolhem porque tem maior fluxo de veículos, isso é meramente arrecadatório – sustenta o vereador.
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Como alternativa ao radar móvel, Jovino defende com veemência as faixas elevadas, que segundo ele reduzem o número de acidentes e a velocidade a qualquer hora do dia. Questionado, ele também disse ser a favor das lombadas eletrônicas, porque estão sinalizadas e a comunidade já sabe que estão ali.
Jovino também apresentou no mesmo dia outro projeto de lei, que busca padronizar o uso do radar móvel. Ele pede que os pontos sejam sinalizados de 100 a 300 metros antes do local fiscalizado pelos agentes. Caso não consiga proibir o uso do radar móvel, ele pretende apostar as fichas na aprovação deste outro projeto.
Especialista defende fiscalização e propõe discussão sobre forma
Os problemas nas lombadas eletrônicas das rodovias federais e os projetos de lei que miram a redução da fiscalização com radares móveis trazem à tona uma discussão: a sociedade não quer mais fiscalizar a velocidade nas ruas?
O professor Fábio Campos, especialista em Segurança no Trânsito, acredita que isso ocorre porque a sociedade não reconhece a importância da fiscalização, que segundo ele reeduca e diminui, sim, o número de acidentes. No caso das rodovias federais, ele classifica como irresponsabilidade o fato de deixar o contrato terminar para depois providenciar um novo.
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– É como se não fosse algo importante. Isso deixa a sociedade com o pé atrás e depois ela acaba apoiando quando os políticos apresentam esses projetos contra a fiscalização – avalia.
Sobre as tentativas de proibir o uso de radar móvel em ruas de Blumenau e em rodovias estaduais, Campos afirma que em vez da proibição, a sociedade deveria fazer discussões ou audiências públicas sobre como deve ser feita a fiscalização. Segundo ele, essa discussão é importante porque, muitas vezes, os radares são usados a diferenças menores que o recomendado ou em pontos em que não há histórico de acidentes.
– Isso acaba fazendo com que todos que passam em determinado local sejam multados e quando pessoa vê na mídia um projeto para banir radar, acaba por concordar. Mas tem que organizar a forma de fiscalizar, em vez de tirar os radares. Eles são importantes. O órgão fiscalizador é importante, se não vira uma anarquia no trânsito, deixa o condutor livre para fazer o que quiser. A gente sabe que tem deficiência na formação do motorista, mas isso não justifica tirar o radar – conclui.
Números
A semana teve quatro mortes em um único dia no trânsito de Blumenau:
Os projetos que tentam barrar o uso de radar móvel no município e no Estado surgem na semana em que quatro pessoas morreram em dois acidentes em vias de Blumenau. Na terça-feira, um casal morreu ao colidir a moto em que estava com um caminhão, na SC-108 – rodovia estadual, na Itoupava Central. As outras duas vítimas estavam em um automóvel Gol que bateu em um caminhão na Rua Água Branca, no bairro Salto Weissbach – rua do trânsito urbano.
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Mortes na BR-470, trecho que corta o Vale do Itajaí:
2018: 102
2017: 74
2016: 78
Fonte: Levantamento do Jornal de Santa Catarina, que considera vítimas que morrem no hospital após os acidentes.
Mortes em perímetro urbano de Blumenau:
2018: 21
2017: 25
2016: 21
Fonte: Seterb
Mortes em rodovias estaduais atendidas pelos postos de Blumenau e Gaspar:
2018: 25
2017: 30
2016: 20
Fonte: PMRv