Néia tem 50 anos e é uma daquelas pessoas que, mesmo sem você perguntar nada, sai contando toda a sua história. Dona de uma gargalhada gostosa, parece levar a vida numa boa, apesar da rotina puxada e do dinheiro que sempre acaba antes do final do mês.
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Convivemos durante duas semanas. Ela era a responsável pela limpeza do nosso quarto, durante uma internação hospitalar, e já que gostava tanto de bater papo, aproveitávamos esses momentos para trocar ideias e vivências.
Somos da mesma idade e gostamos de dar boas risadas, mas acabam aí nossas semelhanças. Cada vez que ela contava uma passagem da sua vida, sempre cheia de dificuldades, eu agradecia mentalmente pela vida tranquila que tenho, e que sempre foi assim, desde a minha infância.
Acho que Néia é feliz porque nasceu assim. Outras pessoas, por motivos muito menos sérios, passam seus dias se lamentando.
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– Tô feliz porque tô viva e inteirona, dona. Olha só aqui neste hospital, por exemplo. Quanta gente rica que tá internada, com doença séria, e que daria todo o dinheiro que tem para estar no meu lugar, esbanjando saúde. Não tenho do que reclamar, não – dizia. Não tem?
Néia nasceu e cresceu na favela, no alto de um morro, onde só se chega a pé, já que o ponto final de ônibus é bem antes de sua casinha.
– Descer de manhã tudo bem. Ruim é subir tudo aquilo no fim da tarde. Mas eu me acostumei e até descobri um lado bom. Tá vendo estas pernas saradas? Não foram esculpidas em academia, não senhora. Foi fazendo força pra subir até lá em casa – contou, e deu mais uma de suas gargalhadas, exibindo os dentes que ficam ainda mais brancos quando contrastados com a pele negra.
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Neia descobriu cedo o que é passar trabalho na vida. Ainda muito menina, se apaixonou por um garoto um pouco mais velho e engravidou.
– Ele era um negão feio, mas tinha um charme irresistível – contou, achando graça das próprias palavras.
Nem chegaram a casar. Esperta, Néia logo viu que a fidelidade não estava entre as qualidades do amado e resolveu cair fora, criando sozinha a filha que tiveram. Colocou em prática o ditado “antes só do que mal acompanhado”.
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– Foi a minha sorte. Hoje, a cachaça tá terminando com ele – explicou.
Anos depois, conheceu outro homem. Engravidou de novo e, mesmo sem estar apaixonada, desta vez decidiu aceitar o pedido de casamento.
– Fui me apaixonando com a convivência. Ele é um homem bom. Temos três filhos e uma netinha, que é minha paixão.
Esta neta é filha da filha, que, seguindo a sina da mãe, engravidou novinha. E tem mais um agravante: o pai do bebê está preso, e Néia e o marido sustentam, com o pouco que ganham, a família inteira. A dedicação aos filhos é tanta que não tem tempo ruim para Néia. Dia desses, o filho de 15 anos queria ir a uma festinha, mas comentou que não tinha uma roupa melhor.
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Sem falar nada, a faxineira arranjou mais um trabalhinho extra no domingo, seu único dia de folga na semana, e deu o dinheiro ao jovem. Néia nunca imaginou ter a sua história contada nas páginas de uma revista como esta. Mas eu acredito que ela é um exemplo para todas nós, porque consegue, apesar das adversidades, ser feliz e fazer os outros felizes também.