Anos de estrada, clientela cativa e o nome gravado na memória do consumidor são ativos importantes para qualquer tipo de negócio, mas nem sempre suficientes para garantir a própria sobrevivência em momentos de crise. Além de inúmeras vidas humanas, a pandemia do coronavírus deixou pelo caminho estabelecimentos tradicionais em muitas cidades, que não resistiram e acabaram sucumbindo diante da realidade transformada pela Covid-19.

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Em Blumenau, o Restaurante Internacional, um dos mais conhecidos da cidade, serviu pela última vez o famoso bufê de comida chinesa em novembro do ano passado. A dona, que tocava a cozinha fundada há 44 anos pelo pai, um imigrante de Taiwan, alegou à época que o negócio já não compensava mais e que o movimento havia caído bastante desde o início da pandemia. Restou à família a decisão de encerrar as atividades e aos clientes as lembranças proporcionadas por inúmeros jantares de casamentos e formaturas que aconteceram no local. 

Um pouco antes, em outubro, a Panificadora das Nações, no bairro Ponta Aguda, também comunicou a freguesia que fecharia as portas. Um comunicado divulgado nas redes sociais não atrelou o desfecho de uma história de 38 anos à pandemia, mas citou que os sócios-proprietários tomaram a decisão “por força do destino e imprevistos”. Para os moradores das redondezas, a boa notícia é que o imóvel não ficou vazio por muito tempo: manteve a vocação de produção de pães ao abrigar uma nova unidade da padaria artesanal Portus.

Já no início de 2021 a Factory Beira-Rio, que havia se consolidado como um dos principais points da vida noturna e gastronômica de Blumenau nos últimos anos, deu o aviso prévio aos “operários” – como a direção costumava chamar os frequentadores da casa. Um vídeo divulgado pelos sócios nas redes sociais destacava que “é impossível não dizer que a pandemia e a péssima forma como ela foi administrada em nosso país não tenha tido peso nessa decisão”.

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Em Florianópolis, Margarete Assunção Sardá lutou enquanto conseguiu para manter abertas as portas da Toca da Garoupa. Ela é sócia proprietária e, apesar de ter assumido o comando do restaurante em 2019, reconhece a relevância da marca. Fundada em 1986, inicialmente a tradicional casa de frutos do mar ficava localizada em Jurerê. Na década de 1990 foi que a unidade no Centro de Florianópolis começou a funcionar, e desde então tornou-se ponto de encontro de grandes reuniões políticas e empresariais, tendo como carro chefe a famosa moqueca de garoupa.

— Antes da pandemia, nosso quadro de funcionários era de 30 colaboradores. Durante o ano de 2020, tivemos que demitir quase toda a equipe, e encerramos as atividades com apenas cinco colaboradores – conta ela.

Além da comida servida, os eventos que aconteciam no espaço do restaurante, e que hoje são proibidos, correspondiam à metade do faturamento da empresa. Mesmo com as vendas dos pratos adaptadas para o delivery, a receita não foi suficiente para manter o tradicional point da região funcionando em meio à pandemia.

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— Com essa quantidade de decretos e a incerteza de quando tudo isso vai passar, fiquei com a saúde abalada. Quando achávamos que poderia melhorar, começou tudo de novo, decretos, fechamentos, proibições. Não vislumbrei uma melhora em curto espaço de tempo. Além disso, tivemos uma grande dificuldade em negociar a renovação do aluguel. Somando tudo isso e conversando com a família, achei que a saúde vinha em primeiro lugar e resolvemos fechar. Minha maior tristeza são os funcionários que ficaram sem os empregos – relembra.

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Tradicional restaurante de frutos do mar em Florianópolis, Toca da Garoupa encerrou as atividades em fevereiro deste ano
Tradicional restaurante de frutos do mar em Florianópolis, Toca da Garoupa encerrou as atividades em fevereiro deste ano (Foto: Divulgação)

“Precisamos de auxílio econômico”, diz presidente da Abrasel-SC

Para Margarete, esse deve ser o caminho de outros bares e restaurantes, ao pontuar a falta de ajuda para o segmento. Opinião que vai ao encontro de uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). O levantamento nacional identificou que cerca de 85% dos proprietários de estabelecimentos do setor estão com dificuldades para fazer os pagamentos dos funcionários em abril, referentes aos serviços de março.

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Raphael Dabdab, presidente da Abrasel em Santa Catarina, diz que as atuais medidas penalizam a categoria e deveriam ser melhor estruturadas, junto com pessoas que trabalham no setor e entendem a realidade e comportamento dos estabelecimentos:

— O decreto atual é praticamente um lockdown velado, pois reduz a capacidade de geração de vendas em mais de 85%. Além disso, a gente não tem uma boa ajuda, muitos empresários já estão endividados. Precisamos de auxílio econômico, outros estados já diminuíram os impostos do setor, eliminaram ICMS, possibilitam o fornecimento de água sem cobrança dos locais. É preciso que tenhamos medidas que reduzam o custo da operação, junto com regras mais eficazes e menos nocivas à economia – pontua.

Ele destaca que mesmo que o estabelecimento só possa vender bebidas para consumo no local até determinado horário, muitas pessoas continuam se encontrando para confraternizar, e nesses casos fica ainda mais perigosa a transmissibilidade do vírus.

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— Não adianta só reduzir a capacidade dos locais de receberem clientes, o importante é garantir o distanciamento das pessoas, determinar a distância mínima entre as mesas, por exemplo. Além disso, proibir que as pessoas bebam nos lugares só está fazendo com que elas se reúnam em casa, com aglomerações, enquanto nos bares e restaurantes temos a responsabilidade compartilhada entre o consumidor e o ambiente de respeitar as regras – conclui.

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Contraponto

Questionado sobre auxílios solicitados pela Abrasel-SC, o governo do Estado emitiu a seguinte nota: 

“Desde que foram anunciados os primeiros casos da Covid-19 no país, em 2020, o Governo do Estado estudou e implementou ações para reduzir os impactos econômicos da pandemia em Santa Catarina. Apenas três dias após as primeiras medidas de isolamento, foi apresentado o Plano de Enfrentamento e Recuperação Econômica. Entre as ações apresentadas, a carência e postergação de dois a seis meses dos contratos de financiamento em andamento, para pequenas e médias empresas; ampliação de crédito do Juro Zero para os Microempreendedores Individuais (MEIs); lançamento da Linha Badesc Emergencial atender as Micro e Pequenas Empresas (MPEs).

Ainda em 2020, os contribuintes optantes pelo Simples Nacional em Santa Catarina tiveram o prazo de recolhimento do ICMS prorrogado por 90 dias. Também foram prorrogados por 90 dias os prazos de recolhimento do Imposto Sobre Serviços (ISS) das empresas do Simples e por 180 dias o diferimento do ICMS e ISS dos MEIs.

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No mês passado, foi aprovada novamente a postergação para pagamento de ICMS para empresas optantes do Simples Nacional. Para este ano, os períodos de apuração serão também de março a maio de 2021, cujos vencimentos seriam de abril a junho. A parcela de março, que teria vencimento em 20 de abril, será prorrogada para 20 de julho. Já a de abril, cujo vencimento seria 20 de maio, passará para 20 de setembro. Por fim, a de maio, que deveria ser quitada até 21 de junho, poderá ser paga em 22 de novembro. O pagamento poderá ocorrer em até duas cotas mensais, iguais e sucessivas, sendo que a primeira deverá ser paga até a data de vencimento do período de apuração e a segunda até o dia 20 de mês subsequente. Importante ressaltar que mais de 90% dos restaurantes, bares e similares são optantes do Simples Nacional.

Além disso, o Governo catarinense instituiu o Fundo de Aval do Estado (FAE/SC), para facilitar a concessão de crédito para empresas sem garantias reais para acessar o sistema financeiro, e anunciou a criação de linhas de auxílio emergencial para MPEs impactadas pela pandemia de Covid-19. Os financiamentos ocorrerão por meio do Badesc e do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). Ao todo, o montante disponibilizado será de R$ 1,5 bilhão. O Governo do Estado arcará com as taxas de juros, em um investimento de aproximadamente R$ 250 milhões.

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De forma prática, quando regulamentado, os empreendedores poderão aderir aos financiamentos com uma carência de 12 meses para pagamento, juro zero e 36 meses para amortização. Os MEIs poderão solicitar até R$ 10 mil, enquanto os micro e pequenos empreendedores terão direito a até R$ 100 mil. Como contrapartida ao auxílio, os empresários precisarão manter os atuais níveis de emprego em seus estabelecimentos durante o período de carência. A criação do auxílio emergencial ocorre por meio de Medida Provisória (MP), enviada à Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).

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Outra medida importante para minimizar os impactos da crise, também enviada à Alesc, foi o Projeto de Lei (PL) para uma nova edição do Programa Catarinense de Recuperação Fiscal de 2021 (Prefis-SC/2021). O Prefis-SC/2021 visa promover a regularização de débitos, com redução de multas e juros, dos Impostos sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS); Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD); e Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Trata-se de uma medida importante neste momento de retomada econômica, pois auxiliará os contribuintes que tiveram dificuldades em pagar as dívidas, fazendo com que as obrigações legais e fiscais sejam cumpridas.

Especificamente por parte do BRDE, através do Programa Recupera Sul, foram assegurados repasses de crédito de R$ 100 milhões para as mais diferentes áreas. A linha de crédito está garantindo capital de giro para cerca de 1.050 empresas catarinenses, até o momento. A estimativa é de 12 mil o número de empregos protegidos pelo programa de crédito, através do BRDE. O levantamento prévio mostra ainda que os recursos liberados pelo banco chegaram a 127 cidades catarinenses. Além da liberação de crédito, mais de 1,3 mil empreendedores (empresas e agricultores) foram beneficiados com a postergação dos contratos por pelo menos seis meses. Foi uma espécie de “congelamento da dívida” durante o período mais crítico da pandemia.

O BRDE registrou, em 2020, aumento de 120% no valor dos contratos com o setor de comércio e serviços em Santa Catarina, na comparação com o ano anterior. Ao todo, os recursos disponibilizados pelo banco chegaram a R$ 255 milhões. O crescimento ocorreu, principalmente, por conta do Recupera Sul, programa desenvolvido pelo banco para oferecer capital de giro e possibilitar que as empresas pudessem se manter durante a crise, além de permitir a contratação de mais mão de obra, abertura de novos empregos e geração de renda.

Mais uma ação que deve ser destacada é o conseguiu aporte, por parte do Badesc, de mais R$ 100 milhões para financiamentos por meio da linha de crédito Fungetur, do Ministério do Turismo (Mtur). O valor total corresponde ao limite operacional para 2021. No ano passado o Badesc já havia operado R$ 37 milhões. Os recursos são direcionados para financiar obras de construção, reformas e modernização de estabelecimentos como hotéis e pousadas, parques temáticos, restaurantes, máquinas e equipamentos turísticos, capital de giro, entre outros. São permitidas operações de R$ 15 mil a R$ 250 mil com taxa de juro Selic + 5% ao ano, o que representa hoje, 0,62% a.m. O prazo para pagamento é de 48 meses, com até 12 meses de carência inclusos. A participação do financiamento varia de 80% a 100% no projeto. Para operar esta linha, o Badesc conta com a parceria da Santur.

Estas são algumas ações adotadas para minimizar os impactos da crise, além do diálogo estabelecido com todos os segmentos por meio da consolidação do Núcleo Econômico, que conta com participação do Poder Executivo, do Ministério Público (MPSC) e entidades do setor produtivo. As ações para enfrentamento à pandemia seguem com comprometimento, responsabilidade e gestão por parte do Governo do Estado.”