Quatro escritores, com histórias e vivências diferentes, toparam compartilhar com o Donna sua visão especial sobre o Natal. Os textos de Mário Pereira, Lélia Pereira Nunes, Júlio de Queiroz e Mário Prata são um presente.

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Imortal da Academia Catarinense de Letras, o jornalista Mário Pereira reagiu com alegria ao convite do Donna. Empenhou-se logo em saber mais sobre o tema e prazos para entrega. Confessou ter uma paixão pelo Natal, embora possua apenas um gorro de Papai Noel e um enfeite na porta da casa. Mário é assim, prático e cheio de boas lembranças. Aqui, ele compartilha um pouco de sua infância.

“Não importa que a tenham demolido: a gente continua morando na velha casa em que nasceu” (Mario Quintana)”

Os natais de eu menino tenho-os bem guardados na memória e no coração. Nesta época do ano, sempre recordo daqueles natais idos e vividos. São lembranças consoladoras, benfazejas. A saudade das pessoas queridas com as quais os compartilhei faz doer meu peito e marejar meus olhos. Muitas delas deste mundo já partiram. Minha mãe, meu pai, meu irmão, minha babá… Bem sei que repousam em bem-aventurança na eternidade, e de lá sorriem para mim nesta época do ano, todos os anos. À medida que envelhecemos, valorizamos cada vez mais essas cálidas lembranças.

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Quando o Natal se aproximava, a casa começava a se preparar para a grande noite. A faxina era em regra e se estendia até a casinha do cachorro, o esfuziante Mick, que, banhado e perfumado, também participava da festa e tinha o direito de receber seus presentes ao pé da árvore. Natal é luz, e tudo devia reluzir na noite em que celebrávamos o nascimento de Cristo, Deus feito homem, divino mensageiro da esperança e da paz.

Chegava o dia de montar o presépio e enfeitar a árvore. As figuras do presépio e os enfeites da árvore, durante o ano, protegidos por chumaços de algodão, ficavam guardados em caixas de papelão muito bem fechadas. Abri-las era um ritual emocionante que reunia quase toda a família.

Delas emergiam bolas multicoloridas, estrelas, sinos, cometas, anjos tocando trombetas, pássaros, grinaldas, fios prateados e dourados, materiais frágeis como casca de ovo. Uma a uma, todas as peças deviam ser limpas e polidas com macios pedaços de flanela; um a um, todos os enfeites eram pendurados na árvore de quase dois metros de altura, cobrindo-a por inteiro. O privilégio de colocar o cometa dourado no topo da árvore era sempre do chefe da família. Ficava um alumbramento.

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Hora de montar o presépio. Primeiro, o cenário: um gramado de papel crepom verde; no meio dele, um lago, representado por um espelho, e algumas árvores feitas de papelão. Em seguida, uma a uma, as coloridas figuras de gesso eram colocadas nos seus lugares. Maria e José, os três magos estendendo seus presentes, o boi, a vaca, o bezerrinho, as ovelhas, o burrinho, os patinhos “nadando” no lago, os pastores, ajoelhados, todos de olhos postos na manjedoura forrada de palha na qual repousava o Menino Deus, braços abertos como se a todos quisesse abraçar.

Cumprida a missão, a família inteira vinha conferir o trabalho. Em silêncio, num clima de encantamento, admirávamos o presépio de todos os anos como se o víssemos pela primeira vez.

Então, a grande noite chegava. Todas as luzes eram acesas, a árvore rebrilhava, as velas tremeluziam, a grande mesa quase vergava ao peso da ceia, com todos os pratos e doces tradicionais. Risos, abraços, e a reconfortante certeza de que aquele era o nosso lugar, de que ali estávamos seguros, de que aquela era a nossa gente, aquecia-nos os corações. As músicas natalinas flutuavam pela casa e fluíam pelas janelas, que se escancaravam para a perfumada noite de verão, enquanto ao longe bimbalhavam os sinos da igreja.

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Horas tantas, os presentes ao pé da árvore eram distribuídos. Ah, os presentes. Eles marcavam o nosso crescimento. Depois do triciclo, a primeira bike; depois dos brinquedos, a primeira bola de futebol, o primeiro relógio… E os pequenos mimos que trocávamos, entre risadas e abraços: um perfume, uma caixa de lenços, um boné, um cachecol, uma coleira nova e uma velha bola de tênis para o Mick, que latia feliz e era acarinhado por todos. Inesquecíveis natais aqueles da minha meninice feliz e protegida. Guardo-os como tesouros na memória.