Seis meses após o incêndio no centro de treinamento (CT) do Flamengo que resultou na morte de Bernardo Pisetta e de Vitor Isaías, atletas das categorias de base do clube, os pais dos catarinenses ainda buscam indenização. De acordo com o advogado Thiago Camargo D'Ivanenko, que representa a família dos garotos, o último posicionamento do Flamengo foi dado nesta terça-feira (7). O retorno foi em resposta à proposta de acordo feita no mês de julho.
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— As coisas deram uma estagnada. Houve uma alteração interna do jurídico do clube. A gente passou uns 40 dias com o Flamengo com uma proposta nossa na mão. Ontem houve um contato com o advogado dizendo que não era possível chegar àqueles termos — explicou.
Com a negativa, D'Ivanenko conta que agora se reunirá com a família para definir os próximos passos. A intenção é evitar ao máximo a judicialização do caso, segundo o advogado, mas ele não descarta a possibilidade de mover um processo contra o clube.
— Queremos esgotar todas as possibilidades de um acordo, até porque estamos falando de uma coisa que é intangível, a vida deles. Antes de passar por mais esse sofrimento de judicializar e a discussão se arrastar por anos, a gente ainda vai tentar uma conclusão amigável — afirmou.
No dia 20 de fevereiro, 12 dias após o incêndio, oito das 10 famílias dos atletas mortos estiveram reunidas com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. No encontro se explicou como ocorreu a negociação dos órgãos públicos com o clube. Após a reunião, Danielle Cramer, procuradora do Ministério Público do Trabalho e que integrava a Câmara de Conciliação, comentou sobre o caso.
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À época, Cramer falou que a câmara buscou que as famílias recebessem danos morais e também pensão mensal até a data em que os jovens completariam 45 anos – R$ 2 milhões e R$ 10 mil mensais. Já o Rubro-Negro apontou uma soma que ficava em torno de R$ 300 a R$ 400 mil e um salário mínimo por 10 anos.
No dia seguinte, no Tribunal de Justiça, um novo encontro terminou novamente sem acordo. Os familiares pediram os valores apontados pelo Ministério Público. O Flamengo não aceitou. Na ocasião, a reunião ficou marcada pelo fato de Rodrigo Dunshee ter saído mais cedo alegando "compromissos profissionais".
— Naquele momento estávamos muito distante dos números pretendidos pelas famílias, então as negociações continuaram não-presencialmente até o mês de junho, quando a última proposta foi enviada, com a resposta negativa — afirma.
Apesar de ainda não ter havido um acordo sobre as indenizações, o representante da família de Bernardo e Vitor Isaías afirma que desde a tragédia o Flamengo tem dado auxílio psicológico e remuneração mensal a todos os familiares das vítimas.
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"Sei que não vou trazer meu filho de volta, mas o direito dele eu quero"
A falta de sensibilidade dos dirigentes do clube em relação aos familiares das vítimas é outro aspecto relatado pelos familiares, segundo o advogado que representa a família dos catarinenses. O contato do Flamengo com às famílias tem sido por meio dos advogados do clube.
— Neste aspecto, eles se sentem abandonados. Nenhum momento algum dirigente do clube fez contato pessoal telefônico com o objetivo de dar uma palavra amiga, de conforto. Afinal de contas, eles entregaram lá seus filhos para correr atrás de um sonho e foi interrompido de forma tão brusca e absurda — disse D'Ivanenko.
Josete Itavalda Adão, conhecida como Dona Jô, é avô de Vitor Isaías e a responsável pela criação do neto. Foi com ela que ele trocou as últimas mensagens horas antes do incêndio. Era também para a avó que Vitor dizia sempre que tinha como objetivo: dar orgulho.
Durante os seis meses que se passarem desde a morte precoce do neto, Dona Jô conta que a memória de Vitor é lembrada em uma missa feita todo mês na Capela Nossa Senhora Aparecida, anexa ao estádio Orlando Scarpelli, em Florianópolis.
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Hoje, é dona Jô que luta pela indenização após a morte de Vitor, um direito do neto, conforme ela mesma ressalta.
Avó de sangue, mãe de coração e maior incentivadora da carreira de Vitor no futebol, ela diz que, apesar de toda dor, não quer levar o caso à Justiça e que vai continuar lutando para que o acordo se resolva.
— Única coisa que eu fiquei triste é de não ter sido uma coisa rápida [a indenização], de ter que ficar buscando. Única coisa que eu quero é paz, eu sei que não vou trazer meu filho de volta. Mas o direito dele eu quero, sem dúvida — afirma.
Dona Jô conta que foi bem recebida quando foi ao Rio de Janeiro pelos advogados do clube e disso não tem do que reclamar. No entanto, reafirma que jamais recebeu uma ligação de solidariedade em nome da diretoria do Flamengo.
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— Para mim, nunca. Se eles comentam alguma coisa com advogado, eu não sei, mas ligar pra mim e dizer "oi, senhora, aqui é o fulano do Flamengo", não.

"Falta a parte humanitária do presidente do Flamengo"
Um único cumprimento no dia do incêndio. Depois de lá, nenhuma palavra. O que ficou pendente para a família de Bernardo é conversa com o presidente do clube, que nunca existiu. Darlei Pisetta, pai do adolescente, diz que espera até hoje um encontro com o representante do clube.
— A gente deixou nosso filho lá, na tutela deles. Sabemos que a indenização é entre o nosso advogado e o jurídico, mas a gente sente falta da parte humanitária. Isso é conosco — afirmou.
Já em relação à assistência do Flamengo, o pai de Bernardo não reclama, porque “tem que ser justo com o que é certo”: diz que receberam assistência psicológica e financeira.
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Em viagem, Pisetta conta que um dia antes de completar seis meses da morte do filho, passou por Florianópolis. Ao entrar na Ilha catarinense uma lembrança do início de da carreira promissora que o filho batalhava para ter veio à cabeça:
— Eu passei pela ponte (Pedro Ivo Campos) e lembrei de quando levava o Bernardo treinar no Avaí, com nove anos. Ele acordava cedo todos os dias e nunca reclamou. Era determinado — lembra, com orgulho.

Processo em segredo de Justiça
Em relação ao processo sobre o incêndio, D'Ivanenko afirma que essa não tem sido uma preocupação da família.
— Isso quem vai definir é o Judiciário. O principal já foi perdido, as famílias não estão com sentimento de vingança — disse o advogado dos familiares.
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Em contato com a 42ª DP da Polícia Civil do Rio de Janeiro, a agente que atendeu a reportagem informou que o inquérito já havia sido remetido ao Ministério Público, porém não disse a data. A ligação não foi repassada ao delegado responsável.
A agente disse, ainda, que detalhes sobro a conclusão do inquérito não eram repassadas por telefone. O processo corre em segredo de Justiça.
Em entrevista ao UOL, o vice-geral e jurídico do Flamengo, Rodrigo Dunshee, afirma que um acordo foi fechado com "duas famílias e meia" (Athila, Gedinho e pai do Rykelmo) das vítimas que morreram, além dos sobreviventes. Diz que o clube conversou com Ministério Público, advogados e partes envolvidas para chegar a um valor.
"Entendemos que a dor delas não é diferente das demais. Não pagaríamos mais do que essas receberam, até pelo ponto de vista do compromisso. Há como negociar prazos e formas, mas o nosso compromisso é esse e a vontade depende das conversas. Mas não há como negar que há um impasse. As conversas estão sendo mantidas, estão andando. A questão do acordo é muito mais emocional que financeira. O valor é muito acima do que se paga no Brasil em termos indenizatórios. Há também a questão de se aceitar que foi um acidente", afirma Dunshee na entrevista ao site.
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*Colaborou Clarissa Battistella