A falta de policiamento dentro da Arena Joinville durante a partida entre Atlético-PR e Vasco, no último domingo, e a consequente briga entre os torcedores das duas equipes estão no cerne do debate em todas as instâncias de governo e na boca do povo. A pergunta é se Polícia Militar foi orientada ou não pelo Ministério Público a não estar nas arquibancadas do estádio joinvilense. Na busca por essa e outras respostas, o Diário Catarinense entrevistou o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Lio Marcos Marin, que defende a ação civil pública do promotor de Joinville Francisco de Paula Neto. Confira os principais trechos da entrevista.
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Diário Catarinense – O senhor assina embaixo da ação civil pública do promotor de Joinville?
Lio Marcos Marin – Assino. Acabei de lê-la agora integralmente. Não vejo erro. Em momento algum na ação está dito que não pode haver a presença de policiais nos estádios. Ao contrário, ele reafirma e cita inclusive o próprio Estatuto do Torcedor que prevê a presença de policiais nos estádios. O que ele ressalta é que está havendo desvio de finalidade. Ao invés de fazer a segurança dos torcedores, serviu para a segurança da arbitragem, comissão técnica, de jogador expulso e do placar eletrônico…
DC – Mas, procurador, consta na ação a proibição de a PM ficar na divisão de torcidas. O Brasil inteiro pergunta: por que a PM não estava lá?
Lio – É um absurdo fazer uma barreira humana colocando em risco aqueles policiais, a vida deles. Isso deve ser feito – a própria legislação diz isso – através de barreiras físicas, alambrados, fosso. Qualquer meio que evite o contato. Não tem sentido colocar. Ele fala na ação por diversas vezes que a presença da polícia tem de estar lá. Mas como é atividade privada e lucrativa, tem que remunerar a força pública que vai fazer essa segurança. E todo jogo colocar 40, 50 policiais remunerados para fazer isso, quando dá para resolver de forma mais eficiente que é uma barreira física.
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DC – É comum a presença da PM para dar esse suporte. Até porque a própria promotoria sabe que as organizadas têm pessoas de péssima índole. Então, requerer isso nesse momento não seria imprudente?
Lio – A ação visa a regularizar o estádio. E não é só a Arena Joinville. O MP faz essa ação em todo o Estado. Visa regularizar todos os estádios. A gente faz em todo início de campeonato a avaliação, laudos pela polícia, bombeiros, engenharia. E ali constatam as irregularidades. E isso foi constatado. O pedido é para que nos próximos eventos isso se resolva. Não somos contra a polícia nos estádios. A própria lei diz que tem de ter o policiamento lá dentro. Agora, faça as barreiras físicas e se diminui significativamente a exigência do número de policiais ali.
DC – Nas quatro medidas que o seu colega pede, nas três primeiras ele começa o texto com “imediata ordem de proibição à PM”. O senhor não acha que no mínimo é dúbio, é confuso esse texto? O senhor acha que o comandante da PM é uma pessoa que não entenderia?
Lio – Ele não compreendeu. Isso é problema dele. A nosso ver, a ação está bem posta porque é assim. Os termos técnicos estão adequados. Talvez, para outros, que não sejam da área, os próprios jornalistas. A polícia já tem formação jurista e ela devia compreender. Agora, não vejo como inadequado o que está na ação. É para nós, da área jurídica, uma leitura de fácil compreensão.
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DC – A Redação do DC não entendeu… o Brasil inteiro está questionando por que a PM não estava lá…
Lio – Por isso que temos que conversar.
DC – Houve uma confusão generalizada em relação a termos. O comandante da PM tomou uma atitude sob pressão, errônea provavelmente. É uma observação que a sociedade está fazendo…
Lio – … foi um equívoco na avaliação dele…
DC – Mas não foi sob pressão?
Lio – Deixa eu contextualizar. Essa medida que a polícia tomou já tinha tomado antes mesmo da propositura da ação. A polícia não pode dizer que tomou essa medida por conta da ação civil pública e nem por conta daquele ofício que ele arquivou. Porque em jogos anteriores a polícia já tinha tomado essa atitude.
DC – Mas já tinha sido notificado do documento.
Lio – Não. No jogo do Atlético com o Náutico não havia nem o ofício do documento e nem a propositura da ação civil pública. Tem uma notícia que, inclusive, circulou nos meios de comunicações que o comandante da Polícia de lá não teria policiamento porque ele entendeu que não era o caso de ter policiamento.
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DC – O comandante deixou claro que não colocou polícia no estádio porque havia essa ação do MP.
Lio – E por que no jogo do Náutico e o Atlético ele também não colocou quando não havia nada?
DC – O senhor acha, então, que ele errou ao menos, de repente o seu próprio colega (promotor) não poderia ter chamado uma reunião para esclarecer isso, para se tirar essas dúvidas?
Lio – Essas reuniões vêm acontecendo desde 2006 lá em Joinville e desde 2010 o MP tem todo o ano os ajustamentos de conduta.
DC – Desde 2006 o MP vem acompanhando e por que essa ação só sete anos depois?
Lio – Porque tentamos esgotar os meios de tratativas por lá.
DC – Mas sete anos?
Lio – Nós fizemos o ajustamento de conduta em maio. Nós, o pessoal de Joinville, em maio de 2010, justamente para resolver todos esses problemas. O problema é que na Arena Joinville o pessoal não tomou as providências que se comprometeram naquele TAC. Novamente foram feitas reuniões, tratativas demonstrando as falhas estruturais do estádio.
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DC – Por que o MP não interditou a Arena então nesses sete anos se havia essas irregularidades que o senhor está listando?
Lio – Porque ele (promotor) foi buscando os caminhos e os passos adequados. Quando viu que todas as medidas, todas as conversas, todos os termos de ajustamento de conduta não surtiram efeito, entrou com essa ação civil pública dia 2 de dezembro, com a finalidade de interditar até que se regulamentasse. Não é para impedir jogos, é para adequar o local para que haja segurança e bem estar dos consumidores.
DC – No dia do evento houve um jogo de empurra entre MP e PM, de acusação mútua, e até uma nota conjunta dos dois órgãos tentando culpar a segurança privada. Afinal de contas, qual é a postura que se deve encarar como o Norte do MP?
Lio – Nós não sabíamos o que o promotor de Joinville e o comandante de Joinville tinham ajustado. O comando da PM nos procurou, nós temos excelente relacionamento, excelente parceria. O exemplo disso é que no restante do Estado não tem esse tipo de comportamento, nem do MP nem da PM. É um fato localizado e estávamos tratando aquilo como situação localizada de Joinville, que também recebemos a informação de surpresa. E no dia imediatamente seguinte, de acordo com os dados e avaliações que tínhamos para a preservação na ótica e até para tentar dar algum esclarecimento em conjunto, mandamos aquilo até para mostrar que não há conflito ou atrito entre PM e MP.
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DC – Diante disso, não fica nenhum arrependimento de vocês terem feito uma ação mais clara, chamado as partes? Afinal, o MP atua no interesse coletivo da sociedade e agora a sociedade não entende como o MP e a polícia não se acertaram.
Lio – Não. Da nossa parte não porque estamos trabalhando cotidianamente nisso. Tanto é que na segunda-feira já teve reunião agendada anteriormente justamente com os dirigentes esportivos da Federação Catarinense de Futebol para tratar dessa questão da segurança no campeonato do ano subsequente. Não temos sensação de arrependimento, de falha. Em Joinville aconteceu avaliação equivocada da questão da segurança para aquele jogo.
DC – Mas essa interpretação equivocada não teve nenhuma influência por parte desse documento que pressiona o comando da polícia, fala em ilegalidade (do policiamento) e improbidade administrativa? Não conseguimos compreender como o MP acha que não teve influência nenhuma na compreensão que o comando da PM de Joinville teve.
Lio – Não entendemos como isso pode ter influência de uma ação posta dias antes, e que a princípio não se sabe nem como a polícia tomou conhecimento, que era uma ação que sequer a Justiça tinha recebido. Não havia qualquer determinação, notificação oficial dos fatos, inclusive à polícia. Como isso poderia influenciar no ânimo da polícia?
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DC – Pelo MP ser extremante responsável, e a sua palavra é orientação para a sociedade e poder público, e um servidor público se vê, pelo que está escrito aqui, a obedecer sob pena de punição futura.
Lio – Então eu faço outras indagações: por que ele tomou a mesma postura antes da propositura da ação? E por que então o comandante não foi falar com o promotor quando tomou conhecimento disso?
DC – E por que o promotor não procurou o comando da PM?
Lio – Porque em momento algum se vislumbrava que essa interpretação ou essa leitura seria feita. Em momento algum da parte dele, eu presumo. Os termos para nós são normais.
DC – Ao menos no item C, por exemplo, ele proíbe a PM de estar no estádio sem o prévio pagamento da taxa. Com a taxa pode?
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Lio – Porque, para nós, a leitura disso, com o que está escrito no restante da ação, tem que ler o conjunto… Nós, integrantes da área jurídica, não só promotores. É que isso não foi dirigido à imprensa nem à polícia. (SIC)
DC – Quando o senhor fala “nós, da área jurídica” estariam acima do restante da sociedade?
Lio – Não estamos. É que isso aqui, esse documento, não foi proposto para que fosse lido pela comunidade, pela imprensa. É um trabalho normal que nós fazemos cotidianamente para atingir uma finalidade. E dentro disso a gente usa uma precisão linguística e jurídica.
DC – Mas essa precisão está tão clara? Não conseguimos entender qual a ação civil pública que não tenha a intenção do famoso “cumpre-se”.
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(Assessora interrompe)
Assessora – O juiz…
Lio – Não, o objetivo é fazer, atingir o pedido da ação.
DC – A partir do momento em que o promotor tem um entendimento do assunto já passa a ser uma orientação na pior das hipóteses. Se eu ler orientação do MP eu vou respeitar.
(Assessora interrompe)
Assessora – Desculpe me intrometer, mas aí seria uma recomendação…
Lio – Quando a gente quer a gente expede um documento próprio que a lei diz que é uma recomendação. Aqui ele propôs uma ação para regularizar uma situação que entendeu inadequada no estádio. Diversas irregularidades apontadas por ele. Uma era que o pagamento da segurança pública estava sendo feito de forma inadequada, o que deixa claro que ele concorda com a presença da polícia. Se for fazer essa leitura analisando esses aspectos e lendo toda a peça, essa compreensão para nós é tranquila.
DC – O senhor acha que a ação é clara?
Lio – Para nós ela é.
DC – Hoje publicou-se no site do MP sete perguntas e respostas num tira-dúvidas. Como então é clara se vocês publicam um tira-dúvidas?
Lio – Se fez uma confusão.
DC – Quem fez confusão?
Lio – A imprensa, a sociedade, os políticos e os que acabaram falando sem conversar com os protagonistas, especialmente da ação.
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DC – Os protagonistas da ação foram ouvidos e se expressaram publicamente.
Lio – Então eles não conseguiram se fazer compreender.
DC – Há um documento do MP que está sendo questionado e a compreensão que está se tendo não é a mesma que o senhor está nos expondo.
Lio – O que faltou nesse período todo, talvez, tenha sido clareza dos nossos próprios colegas que não souberam se comunicar, fazer transmitir a sua intenção na sua ideia.
DC – Talvez isso não tenha acontecido também na relação com a PM anteriormente?
Lio – Agora, entre a… é que eu não quero falar. Até agora, para nós, isso era uma situação pontual de Joinville. Eu não acompanhei as tratativas, as discussões do colega com a polícia, com a Fundação de Esportes. Enfim, não sei o que aconteceu. Até então eu não estava me envolvendo porque era uma situação pontual e localizada. Como lhe disse, no restante do Estado não acontece isso.
DC – O senhor acredita que possa ter havido pelo menos ruído de comunicação entre instituições?
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Lio – É, eu acho que a precipitação dos fatos atrapalhou a comunicação. As informações começaram a chegar de qualquer maneira, no calor dos fatos. E aí talvez a forma de passar as informações, de compreensão acabou atrapalhando ou fazendo com que as coisas se dessem dessa maneira. Já está mais do que na hora de sentarmos todos e tentar esclarecer. Todos têm bom propósito, PM, MP, clubes. Claro que todos também têm que assumir as suas responsabilidades, mas o MP está fazendo a sua parte que é tentar buscar o cumprimento da legislação para proteção dos torcedores. É essa a nossa missão. E por isso a ação civil pública. Só mais uma coisa: a questão da avaliação, inclusive de como deve ser feita essa segurança, por quantas pessoas e quais os equipamentos devem ser necessários: isso não é tarefa do MP. É tarefa da polícia, com todo o respeito. E quando eles definiram que ia haver esse jogo, fizeram estimativa de público. O MP não foi ouvido e não estava presente.
DC – O senhor gosta de futebol?
Lio – Não sou torcedor assíduo.
DC – O senhor iria ao estádio sob essas condições (sem a PM)?
Lio – Não, em momento algum o MP se posicionou contra a presença da PM lá dentro.
DC – Está claro nas medidas tutelares (da ação) se fala da proibição da PM…
Lio – Não para a segurança dos torcedores. Ele está dizendo que deve impedir a arbitragem, para que se use a polícia como escudo humano. Isso não quer dizer que a polícia não tem que estar lá dando a segurança para os torcedores.
DC – Não se está tendo a sensação de que itens mais polêmicos da ação estão sendo debatidos? Não se estaria fazendo sofismas?
Lio – A nosso ver não. A nota nós mandamos no começo dizendo da orientação institucional e essa continua sendo a mesma. Não vejo o que há de falso nessa história toda. É isso mesmo. O que aconteceu é uma incompreensão das ações, das falas dos protagonistas do evento e aí a sensação das pessoas de insegurança também ressalta os ânimos.
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DC – O senhor é da opinião que a PM esteja presente ou não nos jogos?
Lio – Isso é determinação legal mesmo que eu não queira. Hoje é assim. No atual momento não tem como se retirar a polícia dos estádios para a segurança dos torcedores. Concordo com a ação quando ela diz que há desvio de polícia quando vai fazer segurança de arbitragem, comissão técnica, até mesmo de jogadores. Tem que estar lá para proteger os torcedores. Porque todos são beneficiários que levam lucros e vantagens bem significativas da atividade deles.