Ao ver o pai e a mãe em lágrimas, o pequeno Saimon, 4 anos, sobe no sofá, abraça-os e fala para não chorarem, pois isso é coisa de criança, não adulto. Marcos e Jucélia Cansi ainda tentam absorver o impacto de encontrar a filha Samanta Melissa Cansi, 15, morta, com o corpo machucado, no meio da estrada municipal que passa pela linha Aparecida, interior de Caibi, onde morava.

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A menina desceu do ônibus na parada perto de casa, mas seu casaco teria se enroscado em um pino onde a porta engata quando fecha, conforme investigação da polícia. O motorista não teria percebido que a menina havia ficado presa. Ela acabou arrastada por 1,7 quilômetro pela estrada de chão, no meio de uma plantação de eucaliptos, onde há apenas uma casa abandonada.

Além do motorista, dois estudantes ainda estavam no ônibus. Os pais esperavam Samanta para almoçar pontualmente às 12h10min. Depois de 10 minutos sem a chegada da filha, ligaram para o motorista, que disse ter largado a menina na parada, a pouco mais de 200 metros da casa.

Então, telefonaram para uma vizinha e descobriram que o filho dela já tinha chegado em casa. Angustiados, foram até a estrada e encontraram o tênis dela. Depois, alguns sinais de passos por uns 20 metros. Até que, quase 2 mil metros adiante, próximo ao campo da comunidade de Aparecida, onde Samanta ia assistir ao pai jogar futebol, encontraram o corpo – muito machucado, segundo os pais. Em um dos braços estava parte do casaco que ficou preso ao ônibus.

— Foi horrível, não sei se vou conseguir esquecer essa cena, nem dormir direito consigo — lamenta a vizinha Marisa Fruet, mãe de Alexandre, que foi o próximo a desembarcar depois da vítima.

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Samanta era uma menina inteligente

Na memória de Marisa, Samanta era uma menina muito inteligente. Tanto que ela e Alexandre foram classificados para a etapa regional da Olimpíada de Matemática, em Chapecó. Os dois também estavam entre os quatro alunos do 9º ano do Colégio Dom Pedro II que não precisaram fazer prova de recuperação na disciplina de Geografia.

— Nós ficamos preparando uma apresentação para a Feira do Livro do mês que vem e iríamos encenar duas músicas: Couro de boi, do Sérgio Reis, e Pilares, de Miro Saldanha — lembra.

Alexandre ainda tem dificuldade em falar sobre o que aconteceu. O silêncio era mais constante. Até que uma palavra definiu o que aconteceu: “Triste”.

Na última aula assistida por Samanta, ela se despediu dos colegas deixando em dúvida se iria na escola terça-feira, quando haveria mateada. Mas para a amiga Gabriela Ortiz, fez um pedido.

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— Ela falou para eu fazer mate doce, que ela gostava beber. Estava diferente, pois nos abraçou quando chegou na escola — conta.

Djenifer Thalia Wagner, lembra com carinho de Samanta.

— Ela era uma pessoa humilde, boa, era a líder da sala de aula, uma menina joia rara — emociona-se.

Professora da disciplina de Conhecimentos Gerais, Marisete Spezia disse que Samanta se sobressaía no desempenho.

— Era quieta, querida e no segundo bimestre recebeu certificado por ter as melhores notas da turma — relata a educadora.

Paixão pelo futebol está no sangue da família

Era na quadra de futsal que Samanta vivia momentos de lazer. Lá, fortaleceu traços da personalidade e construiu fortes laços com amigas. As colegas do time sub-15 do município, Júlia Kuhlkamp e Fernanda Picoli, choram ao lembrar dela.

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— Nós tínhamos treino na segunda-feira à noite, e ela tinha confirmado que iria — conta com lamento Júlia.

A paixão pelo futebol foi despertada ao acompanhar os pais nas competições. Depois ao ver a irmã Jéssica, que é seis anos mais velha e também jogava.

— Há poucos dias ela convidou para ir ver um jogo em São Carlos, pelo campeonato microrregional sub-15. Ficou muito feliz que nós fomos — cita Jéssica.

Algumas medalhas de competições decoram a parede da sala. Chuteiras e tênis de futsal estão vazios no quarto, em cima da cama. Ao lado fica a camisa do time da Comissão Municipal de Desporto de Caibi. Bastante ligada à família, Samanta fazia as unhas da avó de

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87 anos, que precisou ser hospitalizada quando soube da notícia.

— Todas as sextas-feiras nós íamos fazer limpeza na casa da avó, e ela sempre abraçava todo mundo — lembra a mãe.

O quarto de Samanta era o antigo de Jéssica, onde elas dormiam juntas algumas vezes. Não faltam fotos com os irmãos. Em cima do guarda-roupa, um ventilador rosa. E, na cama, um cachorro de pelúcia que ganhou de uma amiga.

Ela gostava de estudar

Na cabeceira da cama estava o livro que Samanta começou a ler: “O lado bom da vida”, de Mattew Guick. Ao lado duas publicações de Alisson Noel: “Lua azul” e “Terra das sombras”.

Samanta gostava de sair com os amigos e também de jantar fora com a família. Frequentemente convidava para comer pizza. Às vezes conseguia, outras não. Neste mês comemoraram o aniversário da mãe em um restaurante de Cunha Porã.

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Já o futuro era uma incógnita para a adolescente. Tanto os colegas quanto os familiares falaram que Samanta ainda não sabia qual profissão queria seguir.

— Ela era tão indecisa quanto a Jéssica, mas gostava muito de fotografar. Se tinha um sol diferente, uma nuvem, ela ia fazer foto — diz a mãe.

Em um canto da sala, perto da entrada da casa, um altar foi montado pela família, com vela e fotos da filha. O pequeno Saimon vai até o local e pega uma das imagens da irmã. Uma em que ela cuidava dele nas tardes em que a mãe ia fazer as visitas como agente de saúde e o pai cuidava da criação de suínos.

Prestativa e dedicada na hora de ajudar

Quando não precisava cuidar do irmão e as tarefas escolares eram poucas, Samanta ajudava a cuidar dos animais e a tirar leite das vacas. Normalmente, acordava às 5h45min. Subia no ônibus às 6h40min. Neste ano, tinha começado a levar junto o irmão Saimon. Mas na segunda -feira, como estava chovendo, ele não foi junto.

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O abraço do pequeno é afetuoso, mas não é o suficiente para acalmar a dor dos pais. A família ainda não se conforma com o que aconteceu.

— Como é que com dois retrovisores ele (o motorista) não conseguiu ver nada — questiona o pai.

A mãe ainda encontra forças para pensar nas outras mães.

— Eu só aceitei dar entrevista porque quero que seja a última vez que isso aconteça. Não quero que nenhuma mãe sinta a dor que eu estou sentindo. É horrível. Imaginar o quanto ela sofreu, gritou por nós. Nenhuma mãe, pai e familiares merecem isso — expressa Jucélia.

Rádio do ônibus estaria ligado

Muitos moradores de Caibi ainda se perguntam como ninguém ouviu a menina pedindo socorro quando ficou presa na porta do ônibus. Entre eles Antônio Luiz Bem, pai de Erick Bem, último estudante a descer do veículo.

— O rádio estava ligado, chovia e o ônibus fazia um pouco de barulho — explica Erick, que embarcou na linha Planaltina, onde estuda na escola Humberto de Alencar Castelo Branco, a quatro quilômetros da casa de Samanta.

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Erick disse que viu quando o outro estudante que descia depois de Jéssica, Alexandre Fruet, viu o agasalho na porta do ônibus.

— Ele ficou preso pelo zíper em um pino que engancha na porta quando ela fecha. E fecha bem rápido — relata Erick.

Alexandre conta que na sua casa o motorista sempre parava para fazer a volta. Quando desceu, percebeu o casaco pendurado, embarrado e rasgado.

— Eu vi o casaco no trinco da porta e perguntei o que era, mostrei para ele (o motorista) e ele disse que não sabia, que era para deixar lá, daí deixei o casaco na estrada — conta.

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O prefeito de Caibi, Elói Líbano, descreve que o motorista era concursado, nomeado em 2006 e havia feito um curso de Atualização para condutores de veículos de transporte escolar, em Concórdia, em fevereiro de 2017. O curso foi certificado pelo Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte.

— Ele era muito cuidadoso com a limpeza do ônibus, com os pneus e nunca recebemos reclamação de estudantes. Às vezes algum morador falava, mas é porque não podemos levar passageiros — ressalta o prefeito.

Contraponto

O motorista Márcio Viel, 48 anos, foi liberado do Presídio Regional de Chapecó após pagar fiança de quatro salários mínimos, além de ter medidas cautelares como manter endereço atualizado. Sua esposa, Melânia, disse que ele não estava em casa e indicou que a reportagem falasse com o advogado. Gustavo Walker, que representa o motorista Márcio Viel, afirmou que seu cliente está muito abalado e ainda não tem condições de falar.

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