A brasileira Raisa Jorge, de 30 anos, morou durante oito meses no Afeganistão, em 2015. Formada em Jornalismo, ela saiu do Brasil em 2013 em busca de novas oportunidades de trabalho na Jordânia, país do Oriente Médio. Anos depois, o mesmo motivo a levou ao país que hoje vive em conflito após a volta do grupo extremista Talibã ao poder.

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Em entrevista ao Diário Catarinense, ela afirma que sente preocupação por conta do futuro dos afegãos, sobretudo dos amigos que conheceu lá. Raisa mandou mensagens para os conhecidos quando a capital Cabul foi tomada, no dia 15 de agosto.

— Eu saí perguntando desesperada. Especialmente porque quase todo mundo no meu círculo é extremamente afetado por essa situação, são ativistas, jornalistas e trabalhadores sociais. Tudo o que o Talibã está perseguindo no momento.

A população afegã tem vivido cenas de horror no país. Na capital, em meio ao caos, pessoas chegaram a subir desesperadas em aviões para sair do território. Alguns caíram após a decolagem e morreram.

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Raisa relata que alguns amigos desapareceram das redes sociais: “Perdi contato total. Eu imagino que os que sumiram já tenham evacuado do país. Eu espero”. Os afegãos que a responderam afirmam que ninguém sabe o que está acontecendo nem o que vai acontecer. Eles disseram a ela que “não tem para onde fugir”.

Na madrugada desta terça-feira (31), o Exército americano deixou o aeroporto de Cabul e encerrou a guerra mais longa da história dos Estados Unidos, que durou 20 anos. Os talibãs celebraram a saída dos últimos soldados.

Como era a vida no Afeganistão

Com dúvidas em relação à carreira, Raisa resolveu aceitar uma oportunidade de trabalho no Afeganistão há seis anos. No país, trabalhou em uma agência de relações públicas e de produção de mídia vinculada a ONGs. Por vários meses, ela foi a única mulher e estrangeira na empresa.

— Eu fui um pouco ignorante sobre toda a situação. Sabia o mínimo. Fui mais na intenção de ver como era com os meus próprios olhos.

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Durante os meses em que morou no Afeganistão, sua rotina era previamente calculada para garantir a segurança. O Talibã realiza sequestros com frequência, principalmente de estrangeiros.

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— Eu não podia sair de casa sozinha para absolutamente nada. Tinha um motorista que me levava e me buscava, sempre me esperando na porta. Até para fazer o mínimo, como trabalho e mercado — relembra.

Apesar das dificuldades e restrições do dia a dia, Raisa se acostumou com a realidade do país. Segundo ela, esse era um sentimento presente na maioria da população. A brasileira conta que as pessoas ficam anestesiadas com as circunstâncias.

Movimentação na capital Cabul, no Afeganistão, em 2015
Movimentação na capital Cabul, no Afeganistão, em 2015 (Foto: Raisa Jorge)

— Quando você chega, você sente que está em um ambiente hostil, que você tem que estar sempre em alerta, que tem que tomar cuidado com tudo e com todos. Mas em algum momento isso passa a ser parte da sua vida. Você escuta um bombardeio ou tiroteio em algum lugar, e o máximo que você faz é procurar saber o que está acontecendo.

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Para sair na rua, Raisa tinha que, no mínimo, cobrir-se dos pés à cabeça. Sempre com calças, mangas compridas e véu. Quando chegava a lugares fechados, como o local de trabalho ou restaurantes, retirava o véu.

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Futuro no país

A brasileira relata que encontrou mulheres que tinham grande importância na região por meio dos projetos em que trabalhou no Afeganistão.

Uma das Organizações Não Governamentais (ONGs) que teve contato era direcionada a pessoas que gostariam de “adotar” crianças e ajudá-las financeiramente para que pudessem ir à escola, especialmente meninas. Para Raisa, com o retorno do Talibã, esse tipo de projeto nem vai mais existir: “É um tempo de incertezas para o povo afegão”.

— Nas províncias que eles já dominavam quando eu estava lá, a educação das meninas era básica, quando era possível. Dependendo do lugar, eles não permitiam nem ir à escola. Não dá para dar muita voz nem muito poder para a mulher na cultura do Talibã.

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*Sob supervisão de Carolina Marasco

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