O clima já é de Natal na Casa D’Agronômica, a residência oficial do governador de Santa Catarina. Aos poucos, a decoração começa a ser montada. Na sala social, onde convidados sentam-se para aguardar agendas, uma árvore grande e enfeitada está montada. Enquanto isso, a decoradora continua a incrementar os espaços para o último Natal do atual inquilino da residência.

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Carlos Moisés da Silva (Republicanos), governador do Estado até o final deste ano, senta-se na sala anexa ao local onde a decoração começa a ser colocada para conceder uma entrevista exclusiva aos colunistas da NSC. Com um semblante leve e um sorriso contrastante à derrota no 1º turno nas Eleições 2022, Moisés mostra-se à vontade com o resultado das urnas.

Durante quase uma hora, ele deixou as mágoas reservadas. Preferiu mostrar-se de maneira diferente. Projetou a vida depois de 31 de dezembro de 2022, analisou as questões políticas e comentou sobre passado, presente e futuro. Entre outras coisas, disse que pode voltar a concorrer, mas não mais a cargos do Executivo. Falou sobre a relação conturbada com o presidente Jair Bolsonaro e criticou os movimentos atuais que questionam o resultado das eleições.

Confira em vídeo e em texto a entrevista

Ânderson Silva: Finalizando agora o mandato, o senhor se arrepende de alguma coisa? 

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Moisés: Creio que não. Saímos com um governo de gostinho de quero mais, e percebemos isso nas pessoas que se manifestaram com a gente. Fizemos uma boa campanha, que nos trouxe um bom resultado, praticamente empatado com o segundo lugar que foi para o segundo turno, numa onda do 13 e do 22. Uma onda que se repete em 2022 desde 2018. E muitas pessoas enaltecendo o trabalho. Porque entrego um Estado melhor do que eu recebi. Essa semana, inclusive, a gente deu a notícia da última parcela do pagamento do Bank Of America, que era um empréstimo relevante para pagar outras dívidas do governo. Então a gente saneia o Estado, a gente enfrenta a maior crise sanitária do país com o melhor resultado do Brasil. 

Eu costumava dizer que era um governo incomparável porque passamos por períodos incomparáveis. Então, não há o que se arrepender. A gente não tem como refazer a história. A gente anda para a frente com a certeza de que sempre tivemos o melhor das intenções, o formato sempre foi esse, de fazer a melhor entrega para os catarinenses. Os números estão aí para a história julgá-los. 

Dagmara Spautz: O senhor acha que poderia ter feito algum movimento diferente na campanha que pudesse mudar o resultado da eleição? 

Acredito que não. Tenho muita convicção de que muitas pessoas, efetivamente, votaram num número, novamente. Boa parte das pessoas se surpreendeu porque não fomos para o segundo turno. E ficaram se questionando por que Santa Catarina não elegeu um governo que tem bons números. Então foi um movimento que não aconteceu só aqui. Conversei com os outros governadores, aconteceu em todos os Estados brasileiros. Trouxe situações inusitadas em que mais de 520 mil pessoas votaram num governador que não existe em São Paulo, votaram num número. Isso aconteceu aqui também, aconteceu em outras unidades da Federação. 

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Penso que tudo tem o seu tempo, e as coisas que acontecem, acontecem porque tinham que acontecer. Tenho essa convicção, não fico julgando o que a gente poderia ter feito diferente para mudar o destino das coisas, esse era o destino das coisas. Fazer uma boa entrega, ter um governo exitoso, um governo que passa por dificuldades sanitárias, pelo temor da população, pela perda do emprego, pela perda da vida. E nós temos o menor desemprego na história de um Estado brasileiro e a menor letalidade da Covid-19 no Brasil. 

Então essa era a nossa grande entrega, mas nós fomos além. Entramos um Estado saneado, com as contas em dia, com vários projetos. São mais de R$ 100 milhões que deixamos em projetos de investimento para que os futuros governos venham a executá-lo, além daquela que já estamos tocando e num governo municipalista. Então, eu estou satisfeito com o resultado da nossa trajetória de sucesso no poder público como governador, que era algo até inesperado pra mim na minha carreira de servidor público, militar estadual, bombeiro militar, e um dia imaginar ser governador… O resultado que a gente entrega, com o time que a gente montou para tocar esse Estado, ele é bom. 

Renato Igor: Muito marqueteiro afirmou que a onda Bolsonaro não ia se repetir, e se repetiu…

Verdade, talvez mais forte até.

Renato: O senhor diz que não se arrepende de nada, o que poderia ser feito em relação à proximidade com Bolsonaro? Qual foi o fator determinante para o rompimento com ele?

Não se tratou de ruptura ou não. Se tratou de um número. Perceba que a onda do número foi fão forte, que a mesma onda que me trouxe em 2018, trouxe um novo governador…

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Renato: Digo, lá atrás, administrativamente, houve algo…

Não vejo ruptura… Eu devolvo a pergunta: onde foi a ruptura? Você não separa aquilo que nunca esteve junto. Você esteve junto num número. Mas os estilos de governar, a forma de se relacionar.

Renato: Parlamentares da Assembleia Legislativa, muito ligados ao presidente Jair Bolsonaro, chamaram o senhor de “traidor do Bolsonaro”…

Mas já estão chamando o novo governador. Não deu nem tempo de esquentar. São movimentos dessa tensão, dessa polarização extrema, de que ou você faz tudo o que aquilo pessoa diz ou você se afastou dela. Acredito na ciência, por isso a gente tomou vacina, recebeu vacina do Ministério (da Saúde) e distribuiu no mesmo dia, fez campanha para a vacinação, estamos até hoje em campanha para que as pessoas se vacinem. Acredito no resultado das urnas. Então, haveria fraude na eleição proporcional este ano? Bolsonaro elegeu muito mais parlamentares e não teve vitória na eleição, como se explica isso?

Eu acredito que o que me trouxe ao poder em 2018, está trazendo novos atores em 2022. E eu acredito, sou obrigado a acreditar. Haveria um complô para me eleger em 2018? Não. Então, quando a gente pega notícias falsas e começa a desmistificá-las, checar a fonte da informação, se verifica que não há por que fazer esse tipo de onda. Então, dizer o mesmo e repetir o que as pessoas acreditam é deixar de caminhar junto, ter uma opinião própria sobre determinado tema? Acho que é isso que a gente precisa entender, a polarização que a gente vive hoje está nos trazendo muitos males, inclusive para os catarinenses.

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Precisamos trazer novamente o relacionamento fraterno. As famílias estão separadas por conta da polarização política. Isso não fez bem pra ninguém nessa trajetória. Então fica muito difícil de você avaliar se eu faria algo de diferente. E agora? Por que a gente não está fazendo algo de diferente nesse exato momento? Por que teve gente que morreu essa semana em Santa Catarina por conta da polarização política? Por que tem gente trancando rua por polarização política? O que faríamos diferente? É que a gente vive momentos diferentes, que não explicam os resultados tradicionais da política, são resultados tradicionais.

Ânderson: Quando o senhor descreve Bolsonaro, se coloca hoje num lado oposto a ele, o que ele pensa e à política dele?

Penso que as pessoas que vão nos julgar pelo que a gente faz no dia a dia. O presidente tem as posições dele, não cabe a mim julgá-lo, e eu tenho a minha maneira de fazer…

Renato: Governador, vou reforçar aqui a pergunta do Ânderson. Ideologicamente, o senhor se considera uma pessoa de centro, esquerda, direita?

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Me considero de centro. Nunca entendi muito bem essa questão dos extremos porque boa parte dos brasileiros que se falam de direita nem reconhecem exatamente o que significa ser de direita. Mais de 80%, esses dias li uma pesquisa. As pessoas não sabem os princípios que norteiam a esquerda e a direita. E muitas vezes eles repetem mantras, mas não vivem aquilo. Falam da boca para fora. Então hoje há uma disseminação de ódio, isso que a gente precisa entender. Há pessoas dispostas a ir para a rua, guerrear. Mas guerrear contra o quê? Eles não sabem. Se fala do comunismo, das ameaças… Mas desde que eu era criança. Então a gente precisa crescer, amadurecer.

Esse resultado da eleição, quando ele não é aceito, é como se a gente estivesse lidando com crianças. Uma criança, quando começa um jogo de tabuleiro, ela começa a brincar e fica feliz quando ganha uma vez. Mas se ela perde, ela joga o tabuleiro pra cima, sai chorando. A gente pega no colo, faz carinho, chama para jogar. O pai tem que perder uma vez para ela continuar. Criança não gosta de perder. E a gente tem que ter maturidade para ganhar, com humildade, e para perder, de cabeça erguida. Tocar a vida em frente. Acho que isso que faltou nessa questão, e não estou nem falando aqui do presidente. Estou falando da aceitação popular para o resultado da eleição. O povo tem que entender que enquanto não houver fato concreto sobre as eleições, o resultado tem que ser aceito. E hoje nós não temos nenhum fato concreto.

Dagmara: Eu queria voltar aqui na relação do senhor com o presidente Jair Bolsonaro. Há um tempo tive acesso a um vídeo da campanha de 2018 em que o senhor foi gravar um vídeo com ele e ele se mostrou reticente. Aí me chamou a atenção que agora o senhor falou de uma “relação que nunca aconteceu”. Esta relação, de fato, nunca houve?

Exatamente. O presidente tem a sua incumbência, a sua trajetória e as suas responsabilidades. Mas, ao mesmo tempo, ele tem o estilo dele, não é só em relação ao presidente da República. Eu poderia fazer a mesma pergunta em relação às demais 26 unidades da federação. Você me apontaria alguma delas em que há relação diferenciada? Acho que não. Acho que esse é o comportamento típico, de se relacionar dessa maneira. A gente se relaciona, nós governadores, muito com os ministros. Há uma cobrança de um relacionamento em Santa Catarina que não há em nenhuma unidade da federação. Há um estilo, e a gente tem que respeitar, a liturgia do cargo, a importância do cargo de presidente. Eu não poderia ser diferente. Não é porque fui eleito no mesmo número que eu seria tratado diferente.

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Agora, o que se divulgou aí de que não havia a intenção de lançar a intenção de se lançar um candidato a governador em Santa Catarina (em 2018), isso é fato. Isso ficou comprovado e eu vivi essa realidade. Isso é um fato. Eu era novato na política em 2018, e o presidente já tinha uma trajetória, relacionamentos e apoio aqui. Então surgi como uma novidade e que talvez para aquela conjuntura política não era uma boa novidade. Mas essa é uma questão que já passou, não tenho nenhum problema. Por isso que digo, as pessoas vão criando fantasias, não tenho nenhum problema com o presidente da República. Todas as vezes em que estivemos juntos, tivemos boa conversa. Só que não há proximidade com ninguém, porque talvez pelo cargo, pela importância, pelas diversas agendas de compromisso.

O presidente tem o estilo dele, e a gente caminha com o nosso estilo. Acho que foi o resultado da boa relação que tivemos com os ministérios que trouxe bons retornos para Santa Catarina. Talvez investimentos aquém do que a gente precisava, especialmente na infraestrutura, que isso os catarinenses acompanharam. Acho que se tem algo que deveria ser corrigido, e vejo o governo de transição (federal) tentando corrigir orçamento para 2023, é essa dívida com Santa Catarina. Colocamos R$ 465 milhões nas rodovias federais. Já medimos e pagamos mais de R$ 258 milhões nas obras, mas para o orçamento de 2023 penso que o presidente Lula, se pudesse fazer uma correção, poderia contemplar o Estado.

Governador com os colunistas do NSC Total Ânderson Silva, Dagmara Spautz e Renato Igor (Foto: Tiago Ghizoni / DC)

Renato: Quando alguém que mora em Santa Catarina sai daqui e vai para outro Estado, sempre se houve muito elogio sobre morar aqui pela qualidade de vida e outras coisas. Nos últimos dias, tivemos muitos casos de manifestações preconceituosas, discursos de ódio. Houve também uma operação contra suspeitos de pertencerem a uma célula neonazista em Santa Catarina. O catarinense não é isso. Agora, o senhor acha que a imagem de Santa Catarina acaba se confundindo um pouco com isso? Isso lhe preocupa?

Acredito que não chega a afetar a imagem do nosso Estado. Somos um Estado muito acolhedor, miscigenado, feito de pessoas de várias origem. Tanto os cantos do mundo e do Brasil vem viver em Santa Catarina. Estamos recebendo muita gente de fora, e é um Estado que aprende a acolher porque vive do turismo também, enfim. Tem vários povos aqui que originaram nossa gente. Mas, ao mesmo tempo, é inegável que temos células, sim, que reproduzem ódio, ideias que são excludentes, algo que é impensável para os dias atuais. É inaceitável qualquer discurso de racismo, ódio em geral, violência contra a mulher. E não é só na questão de células nazistas, que você citou, mas também a gente tem aqui crianças sendo agredidas nas escolas porque um vota na direita, o outro vota na esquerda. Isso também é ódio que está circulando no nosso meio, a gente está identificando isso. Se tenta tratar na medida do possível.

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Acho que os órgãos devem investigar com parcimônia, porque nem todos que estão num movimento se coadunam com aquele tipo de movimento ou com o significado que aquilo possa ter ou ser interpretado. Então acho que cada caso é um caso, não se pode passar panos quentes. Quem tem competência para investigar deve fazê-lo e deixar claro que Santa Catarina não deve ser afetada por isso. Nosso povo é acolhedor, e são movimentos isolados. Tivemos recentemente um ministro do STF (Luis Roberto Barroso) que foi rejeitado num município (Porto Belo), algo que é ruim, inaceitável. Ele tem que ser tratado sempre como cidadão, e todos os outros que vêm a Santa Catarina. As pessoas têm que separar o que você acredita, a questão institucional da pessoa. O cidadão tem que ter direito a vir e vir, a circular no nosso Estado, que vive de turismo. É uma indústria limpa e temos que ter essa inteligência emocional para separar as nossas crenças, as nossas ideologias, das pessoas, do que elas fazem e do que, efetivamente, elas são.

Anderson: O senhor tem uma trajetória política que chama atenção. O senhor não é da política, estava aposentado, na reserva, vivendo sua vida, foi eleito de uma forma surpreendente, passou por dois processos de impeachment, pela pandemia. Nessa trajetória, o senhor guarda alguma mágoa, se sentiu traído? Acha que alguém agiu de forma incorreta com o senhor?

Passei por dois processos de impeachment injustos, sem justa causa. A justa causa no Direito é um fato determinado, específico, que leva a um determinado julgamento. Essa justa causa nunca existiu. Posso dizer que fui, sim, injustiçado. E que o povo de Santa Catarina foi covardemente injustiçado porque afastou-se um governo durante uma pandemia, inclusive. Afastou-se o secretário de Saúde. Nós saímos do front, estávamos batalhando uma guerra e fomos afastados. Mas esse é um julgamento que não é o Moisés quem tem que fazer, é o povo de SC. É um julgamento feito pela história. Fora isso, é da política as pessoas terem lado. Eu me choquei com uma frase que me disseram quando entrei na política, “trairemos e seremos traídos”. Até hoje não gosto dessa ideia, porque não quero trair ninguém.

Os compromissos que assumimos têm que ser honrados. Mas tem gente que assimila muito bem isso. Também me trouxeram outra máxima, de que a política adora a traição mas não perdoa o traidor. Acho que é o tempo que vai julgar o que aconteceu na história de SC.

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Dagmara: O senhor diz que não se adaptou a essas máximas, mas dá indício de que sua vida na política continua. Qual é seu futuro político?

Me disseram que a gente entra pelos amigos e não sai pelos adversários. Assim que eu pisei nessa casa ouvi isso, em 2018. E dizem também que a gente sai da política, mas a política não sai da gente. Existe hoje um sentimento de um grupo, que não vou dizer que seja uma bolha, porque não é um grupo tão pequeno. Eu estive em terceiro lugar na eleição, muito próximo do segundo, tecnicamente empatado. Quase 700 mil pessoas deliberadamente escolheram votar no governador Moisés. São pessoas que entenderam o que a gente fez com a máquina pública, nossos números, nossos resultados. Como a gente revisou contratos, enxugou o Estado, como trabalhamos para combater a corrupção em SC. É um grupo de pessoas que nos vê como uma liderança política.

Respondendo à Dagmara, (sobre) projetos, eu não penso em tornar ao Executivo estadual. Se vier para a política, seria para uma eleição proporcional, ou, se for majoritária, para o Senado. Mas meu sentimento hoje é dar uma parada, desconectar, porque preciso realmente de um tempo. Confesso que quatro anos pode ser pouco para um governo, mas oito é muito. Essa é uma reforma que a política deveria promover, a Câmara e o Senado. Talvez um mandato só, de cinco anos, no máximo de seis. O cargo Legislativo é mais leve. Se eu voltar para a política, seria no Parlamento.

Dagmara: Mas o bichinho da política lhe mordeu?

Sim, todos os dias a gente fica pensando nas obras que estão em andamento, no que a gente entregou, e no que estamos gestando para entrega futuramente, (pensando) tomara que o novo governo faça isso, porque é algo bom. Então, acho que o grande gosto da política que ficou foi o das entregas. Porque foi uma trajetória, e vocês hão de convir comigo, de bastante sofrimento. Os dois anos de pandemia trouxeram sofrimento ao governo também, nós sofremos com as pessoas. Medidas restritivas, que eram em prol da saúde e da vida das pessoas, mas ninguém gosta de tomar. Tomamos medidas impopulares e pagamos o preço.

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Renato: A principal delas é a questão da restrição?

A restrição, que veio naturalmente com a pandemia, porque as pessoas tinham medo de ir a parques, ir a praças, ir ao cinema, ir a bares e restaurantes. Independentemente do governo apelar ou determinar a suspensão de atividades, algumas delas as pessoas já não queriam mais fazer por conta do que a gente via na TV, no rádio, do que estava acontecendo na onda da Covid-19. Foi um governo que trouxe dores não só para quem estava trabalhando na saúde, que via as mortes, mas também para quem tinha que tomar medidas restritivas.

Renato: O senhor é militar, e nós temos manifestações tanto no âmbito estadual quanto federal para desobstrução das vias, das estradas, e para garantir o direito do cidadão. Qual é a avaliação que o senhor faz da atuação da polícia militar (nos desbloqueios)?

Temos que sopesar os valores. Tem o direito de ir e vir, que às vezes, quando tolhido, fere o direito à vida. Os carros de socorro, aquele que vai para o hospital, o que vai fazer uma cirurgia e o médico não consegue chegar. Todos os dias, para fazer uma intervenção dessas, a gente pesa os valores. É muito difícil o trabalho da polícia nesses locais, que têm pessoas de bem também. Tem crianças que são trazidas pelos seus responsáveis, que nem sabem o que estão fazendo ali, então há que sopesar o uso da força gradual, e é isso o que a gente tem discutido muito com o grupo da segurança pública.

Qual o valor que estamos defendendo? Entendo que nas rodovias que são artérias importantes, que impedem a oferta de serviços públicos, viagens, deslocamentos, trabalho, transporte de alimentos, a intervenção tem que acontecer e foi o que a gente determinou e ocorreu de fato, em apoio à PRF. Mas mesmo que não nos chamassem, eu já havia determinado que fossem desobstruídas as rodovias federais. O direito à manifestação, acredito que nos próximos meses vamos conviver com isso, pessoas que não aceitam o resultado, que vão para as ruas manifestar, e têm direito de se manifestar, desde que não interfiram no direito das outras pessoas. Esse é o pacto social que nós vamos ter que tentar criar com essa sociedade inconformada com o resultado da urna. O tempo cura todas as coisas.

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Anderson: O senhor vai seguir no Republicanos?

Continuo no Republicanos. Apesar de ter recebido convites após a eleição para siglas, ou se colocando a disposição para um novo projeto político, são várias pessoas, lideranças importantes de partidos que não vou expor, que nos procuraram para projetos futuros. Mas estou sossegado, tranquilo. A minha pauta não é política, penso que vou ficar um tempo fora da política, não sei se retorno efetivamente à política partidária, mas me mantenho no partido, meu objetivo é entregar o governo ainda melhor, continuar trabalhando nesse período de transição para que o próximo governador se sinta à vontade para fazer suas escolhas e ao mesmo tempo tocar os projetos que iniciamos, que são bons para os catarinenses.

Dagmara: O senhor já conversou com o governador eleito?

Não conversei ainda. Provoquei uma reunião para esta semana, mas o senador está em Brasília. Fiz o convite para que ele pudesse estar conosco. Vou ficar à disposição, assim como coloquei à disposição toda a nossa equipe de governo, para mostrar a estrutura do Estado. Coloquei uma área à disposição na Defesa Civil, na área continental, para as equipes trabalharem, e no Centro Administrativo a sala que é o gabinete do governador do Estado. Eu vou continuar despachando aqui da Agronômica, e vou ceder ao novo governador o gabinete que eu uso lá, que é o gabinete da Fazenda, que eu estou utilizando enquanto o prédio não termina de ser reformado.

Anderson: O senhor disse que vai torcer para que alguns projetos avancem. O senhor vai recomendar, sugerir, vai dar algum conselho para Jorginho Mello (PL)?

Absolutamente, não vou interferir em nada. Toda decisão tem sempre uma consequência. Nosso governo não fez nenhum projeto do Moisés. Nossos projetos são demandas que a sociedade catarinense tem há muitos anos, que a gente construiu soluções para entregar. Os projetos que temos em andamento são todos muito bem avaliados e aceitos pelos municípios, pelas cidades, num governo que fez gestos municipalistas.

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Renato: Se o senhor pudesse escolher um ponto do seu governo para continuar, qual seria?

A forma municipalista como nós atendemos todas as cidades. Isso o novo governo deveria primar. A vida acontece nas cidades, e o município é um ente público da mesma estatura do estado e do governo federal. São entes independentes, não podemos infantilizar os municípios. A forma como repassamos recursos para os municípios, eles são responsáveis por gerir. É por isso que as obras acontecem, porque a gente junta a força do município, com a força do Estado.

Dagmara: Logo depois das eleições o senhor parabenizou o presidente eleito, Lula, e foi um gesto reconhecido como democrático. Mas o senhor chegou a ser criticado por isso?

Recebi muitos elogios. As críticas eu não vi. As pessoas diziam que não esperavam algo diferente como homem público, como estadista. É o reconhecimento da vontade da maioria dos brasileiros. O que vive no Sul não é diferente, nem melhor nem pior do que o que vive no Sudeste, no Norte, no Nordeste. Nós temos um país só. O Brasil é um país único e fantástico. A eleição não se resolve em SC, a gente tratou de uma eleição nacional. O povo brasileiro fez uma escolha, e eu honrei o escolhido.

Renato: Quando perguntaram ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de oito anos, do que ele sentia falta, ele disse: “De abrir uma porta. Vou andando e as portas vão se abrindo”. Do que o senhor sente falta?

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Da vida normal. O presidente resumiu em abrir uma porta. É ir ao supermercado, visitar um amigo com mais tempo. Volto a dizer, quatro anos pode ser pouco para a gestão, mas é muito para uma pessoa. Você suspende a sua vida pessoal. Vive 24 horas por dia em função de um estado que tem muitas demandas, não tem tempo para sua vida pessoal. Ninguém abre porta para mim aqui não, mas outro dia eu estava na área externa, fui entrar na cozinha, e a porta abriu sozinha. Pensei que tinha alguém atrás da porta, e não tinha ninguém. O pessoal disse que foram os antigos moradores. Que bom que abriram a porta para mim, não bateram (risos).

Governador diz não ter arrependimentos sobre atos de seu governo (Foto: Tiago Ghizoni / DC)

Ânderson: Tem alguma coisa que o senhor vai sentir falta do poder?

Do poder, não. Acho que uma das questões que o poder traz, que acho que é fantástico e fascinante, é poder fazer o bem. O poder pelo poder, é todo dia um julgamento, uma responsabilidade. Você sabe que quando um governador escolhe um desembargador, ele pretere dois. Pode ser um advogado, pode ser um promotor. Qualquer escolha que ele faça, ele tá preterindo alguém. Todos os dias o governador assina processos em que ele tem que decidir sobre a vida futura de um servidor, para demiti-lo, né. Porque não foi bem na sua carreira, o governador vai lá e demite.

O poder é isso, o poder é tomar decisão, que uma parte vai agradar. Porque quando eu demito um servidor que é incompatível com o serviço público, estou fazendo um bem para a sociedade catarinense. Estou tirando um agente público que não deveria atender a Dagmara, o Ânderson e o Renato. Ele não serve para atender a família de vocês. Só que, por outro lado, estou “fazendo um mal” pra ele. Então, todos os dias o poder te dá a oportunidade de fazer o bem e o mal para algumas pessoas. A parte boa é quando você consegue fazer o bem, fazer uma estrada, fazer uma Apae nova, uma creche, mas estar no poder é um lugar duro, você está sempre, o tempo todo, decidindo sobre a vida alheia. E vai agradar uma parte, e uma parte não vai se agradar.

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Dagmara: Na Casa d’Agronômica tem algo que o senhor gosta e que vai sentir saudade?

A gente foi muito bem atendido pelas pessoas, a gente é muito grato. Acho que essas pessoas trabalham para aliviar o peso do dia a dia. Ao mesmo tempo que não posso cuidar da minha vida, não é incomum aqui na Casa d’Agronômica, eu e a Késia, por exemplo, a gente não vai viajar, não vai para a praia, não vai fazer nada num final de semana, nós vamos ficar aqui, você não vai ver funcionários aqui sábado, domingo e se a segunda é feriado. A gente dispensa. A gente vai para a cozinha, é comum acontecer isso. Por quê? É uma alegria inenarrável, eu diria, quando você ver a casa vazia, e você vai pra cozinha e frita um ovo. Porque digo assim: “Cara, isso é tudo o que eu tinha em casa. Era tudo o que eu queria (risos)”. Então, vou voltar à minha vida, que é uma vida boa. A privacidade é algo que não tem preço.

Ânderson: E o senhor pretende ficar em Florianópolis, viver aqui?

Eu tô hoje focando muito em Laguna. Talvez até, dependendo do que a gente vai fazer, enfim. Eu recebi alguns convites, já para trabalho, na área da advocacia também. Mas parece que eu não quero já, arrancar com compromissos. A gente tá focando um pouquinho a praia. Talvez seja, depois de quatro anos, um verão que a gente vai passar desfrutando do que a gente tem lá, da natureza, que é um lugar espetacular, o Sul de Santa Catarina. Assim como o Norte, assim como todas as praias nossas. E que fazia tempo que a gente não desfrutava, porque a gente veio pra cá, nesse compromisso.

Ânderson: O senhor vai voltar a fazer cerveja?

Essa semana eu pensei muito… E disse: “Vou fazer uma cerveja sem glúten. Vou inventar uma receita, e começar a fazer uma cerveja sem glúten”. Sei que já tem, mas quero fazer uma cerveja sem glúten boa, né.

Dagmara: E voltar a dar aulas, o senhor também pensa?

Foi uma boa experiência, mas acho que nesse primeiro momento, não. A sala de aula traz muitos compromissos também. Sempre levei tudo o que eu faço muito a sério. Não entro pra brincar. Então, toda tarefa que você dá para um aluno, um acadêmico, você vai acompanhar um trabalho de pós-graduação, enfim, você vai ter que se envolver naquilo ali. Vai ter que ler, vai ter que corrigir, não pode repetir prova. Eu sou muito cri-cri nessa coisa, então talvez me trouxesse muitas outras ocupações que talvez eu não queira para esse momento da minha vida. De muitas ocupações eu estou me livrando a partir do dia 31 de dezembro, se Deus quiser.

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Ânderson: O senhor, quando foi eleito, falava muito em “nova política”, usava muito essa expressão. Foi até criticado por conda disso na Assembleia. O senhor acha que conseguiu fazer uma nova política?

Acho que sim, principalmente quando a gente coloca aí nos eixos essa questão dos contratos do Estado. Quem tá aqui, tem muitas ofertas. E aí, vem o lado do poder, que eu falei que gosto muito do lado do poder para fazer o bem. A gente também toma decisões que desagradam as pessoas. Mas também o poder te dá oportunidades, que nós rejeitamos a todas. São oportunidades que de se locupletar, de fazer coisas erradas. E é isso que a gente combateu durante esses quatro anos. A nova política se consolida, se materializa em não fazer troca por troca. Por exemplo: “Ah, Moisés você colocou dois secretários que eram da política, na Educação e Agricultura”. Mas as duas pastas continuaram fazendo a mesma política, que é a boa política. Eles vieram, trouxeram o teor político da gestão, mas ao mesmo tempo fizeram a gestão técnica. Houve uma compatibilidade.

Quando você faz trocas, por exemplo, e entrega estruturas do Estado para alguém dominar a questão contratual, colocar os amigos, colocar as pessoas de relacionamento, que vão gerar muitas vezes prejuízo para o Estado, isso é o que gente pode chamar de velha ou de má política. As pessoas rejeitam essa ideia de nova e velha, nós vamos falar de boa e de má política. Acho que a política boa é aquela que vai sempre ver o interesse público, a vontade e o interesse do cidadão. Essa é a boa política. Agora, se envolve política partidária? Envolve. Tem que fazer, tem que às vezes abrir espaços no governo, isso é natural. Mas desde que as pessoas que venham, venham fazer a política boa.

Renato: Qual foi a proposta mais indecente que o senhor recebeu?

O Estado toma decisões. Vai investir aqui, ali e acolá. Às vezes, as pessoas te trazem um grande projeto. Poxa, bacana, mas por que investir aqui? Daí você vai ver que há interesses privados naquele investimento, aí a gente rejeita. A nossa máxima é investir naquilo que traga benefício, e não tô demonizando aqui o interesse privado. Cada vez que você abre uma estrada nova, ao longo dessa estrada vão abrindo indústrias e vai gerar emprego e renda. Mas alguém vai vender um terreno mais valorizado. Então, o interesse privado se mistura com o público todos os dias. O que a gente tem que ter é o discernimento para não ser movido pela decisão política somente em prol de determinados interesses. Tem que ser de interesse do coletivo, mesmo que o interesse do coletivo seja o interesse do privado. Mas a gente tem que se movimentar e tomar decisões para atender o maior número de pessoas possível, não pode ser particularizado. Você não pode sair do governo com um grupo de pessoas enriquecidas, que criaram negócios, que se locupletaram. Essa é a distinção. Todo dia a gente filtra, o por que investir, por que esse projeto é bom e esse não é. Isso acontece todos os dias.

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Dagmara: O senhor estava falando sobre a nova política e velha política. O que mudou na política, na sua visão? Mudou pra melhor ou pra pior?

Não sei se mudou pra melhor ou pra pior, mas é claro que a gente amadurece nessas temáticas. Hoje quando eu ligo uma TV, tudo o que as pessoas ouvem, não é o que eu ouço. Eu ouço completamente diferente, porque eu já sei o que está acontecendo nos bastidores, vejo como que a matéria foi colocada, as pessoas que estão sendo entrevistadas, o que foi posto ali. Porque você conhece com profundidade os bastidores do Estado, do poder, de como as coisas são construídas, você entende as tensões para aquele tipo de fala, ou do jornalista, ou do entrevistado. Isso me trouxe uma maturidade, uma capacidade de análise com muito mais profundidade, dos governos, do Parlamento, dos poderes e órgãos, de tudo o que acontece no estado catarinense, porque a gente passou a viver com mais proximidade. Em cada matéria, em cada estampa que a gente tem, a gente sabe as tensões que movem aquele setor e o porque que a gente tá falando daquilo naquele momento. Isso trouxe uma certa consciência que talvez eu tinha, mas um pouco mais superficial, de que as coisas não são por acaso.

Ânderson: O senhor vai ser o primeiro governador do Estado a não ter a aposentadoria, a não receber o valor. Como o senhor se sente em relação a isso?

Acho extremamente justo. Inclusive, essa ação que tramita no STF, ela veio para o nosso governo se manifestar, acho que nós nos manifestamos em 2019, no início do governo, ou 2020, não lembro exatamente quando foi, e eu fiz questão de colocar a tese do governo do Estado de que nós somos contrários a esse benefício, que até quem ficasse seis meses no governo e já herdava uma aposentadoria, enquanto o brasileiro tem trabalhar 30, 35 ou 40 anos, dependendo da profissão, como foi meu caso, para ter uma justa aposentadoria Vejo com naturalidade. Acho que, no cargo, os governadores, e não só os governadores, aqui não é uma autodefesa, os secretários de Estado deveriam ser melhor remunerados. Porque enquanto você está no cargo, você tem muitas responsabilidades e aquilo que a gente falou, todos os dias tem uma proposta que não é boa para o catarinense. Então, quem vem para cá, tem que ter uma condição boa de poder discernir e tomar as melhores decisões para o povo de Santa Catarina.

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Dagmara: E o senhor não quis mexer nesse assunto, né?

Entende que com todas as crises mundiais, econômicas, com a pandemia, com a situação do nosso Estado – a gente recebeu um Estado com dívidas, devendo R$ 750 milhões na Saúde –, não havia que se falar naquele momento em agente política sofrer qualquer tipo de reajuste. Mas olhamos praticamente para todas as categorias do Estado, professores, saúde, segurança pública, enfim, e propusemos aumentos salariais. Mas não para os agentes políticos.

Renato: Por que o senhor não está na Conferência do Clima, no Egito?

A decisão desse ano foi muito mais uma decisão que a gente ia validar as propostas que a gente assumiu na COP 26, na Escócia. E lá, eu levantei a bandeira de dividir responsabilidade, inclusive para uma transição justa do carvão aqui em Santa Catarina e no Brasil, mas falei especificamente de SC. Dizendo inclusive que os ingleses têm participação no início da exploração do carvão aqui em Santa Catarina, foram dois momentos importantes, com a crise do petróleo, e aí o carvão começou a se tornar um ativo importante. Depois, a questão da escassez hídrica no mundo e a questão da energia elétrica, as termelétricas se tornam um fator importante para a estabilidade da energia elétrica. Hoje, inclusive estão sendo religadas na Europa. Mas naquela época dividi a responsabilidade com eles, dizendo que eles poderiam criar um fundo para o passivo ambiental ser enfrentado por todos nós. Mas assumimos o compromisso de aprovar uma legislação, de começar a fomentar pelo menos algo que é menos poluente, 40% a 50% menos poluente que é o gás natural, para fazer uma transição justa, reconhecendo mais de 20 mil empregos na região Sul de SC… E isso tudo aconteceu. Se a gente olhar, a gente está investindo em gás, a gentes está expandindo. A gente vai ter um projeto importante de transformação da (usina) Jorge Lacerda em usinas a gás, em Gaspar vamos ter R$ 5 bilhões de investimento em usinas termelétricas a gás, que polui menos. E vai mudando essa realidade do carvão. E investimos em tecnologia. Esse ano a gente foi para prestar contas das nossas preposições, do que a ente avançou. O corredor elétrico, o incentivo a energias renováveis, veículos elétricos, tudo isso a gente fez em SC. Isso está tudo mapeado, temos 300 km de corredor elétrico. A equipe de governo foi mostrar o que nós fizemos e atrair novos parceiros para continuar esses projetos em SC. Como era um ano de prestação de contas e tenho um governo para entregar, a transição de governo, achei muito importante a gente estar presente aqui.

Ânderson: Como o senhor avalia a relação com a vice-governadora, Daniela Reinehr?

Prefiro não avaliar uma relação que praticamente não existe proximidade. A gente dialoga com quem tem capacidade de conversar, que tem ideias compatíveis com senso de realidade. A gente percebe claramente que há movimentos, enfim. A incompatibilidade se torna clara na medida em que, nos dois processos de impeachment, de forma irresponsável o governo foi trocado. Isso não poderia ter acontecido. Qualquer pessoa razoável, sabendo que tem 30 dias no cargo, em plena pandemia, não faria o que foi feito em Santa Catarina. As pessoas precisam se autogovernar. Tenho a tranquilidade de sair de um governo em que eu tomei decisões, certas ou erradas, com resultados bons ou ruins… Acredito piamente, e os números mostram, que a maioria dos resultados foram bons, trouxeram benefícios para os catarinenses. Mas a pessoa precisa se autogovernar. Quem exerce cargo de liderança, quem é escolhido pela população, tem que ter discernimento próprio. Não pode ouvir os outros, tem que tomar decisões importantes naquilo que você acredita. Ouve as pessoas, mas decida por si, tem que ter personalidade de tomar decisões e assumir as responsabilidades por essas decisões. Acho que nós somos muito diferentes nisso tudo.