Quase um ano depois de o presidente equatoriano Rafael Correa ter submetido Carlos Pérez, dono do jornal El Universo, a uma condenação judicial e ao autoexílio, as Nações Unidas acusaram o Equador de promover “efeito devastador na liberdade de imprensa”. E o que fez Correa? Negou-se, na sexta-feira, a modificar sua atuação. Também na sexta, Pérez deu a ZH sua primeira entrevista após o retorno.

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Na semana passada, voltou a ocupar seu escritório no prédio do El Universo, o maior jornal do país, em Guayaquil. Deixou de ser o homem que chorava ao imaginar a perda de contato com a filha de nove anos – por estar preso, ou por estar no exílio. Foi desse escritório que, depois de meses trocando e-mails com ZH, ele falou. Sua primeira frase foi esta:

– Aprecio sua paciência. Darei a entrevista.

Nesse período, Pérez, 47 anos, remoeu o que considera “uma decisão judicial absurda e desumana”. Em julho de 2011, os diretores do jornal – ele e os irmãos César e Nicolás – e o ex-editor de opinião Emilio Palacio foram condenados a três anos de prisão e multa de US$ 40 milhões por injúrias a Correa – que depois os perdoou. Motivo: editorial escrito em 2010 o chamava de ditador. Confira trechos da entrevista:

Zero Hora -Como foi seu período de afastamento do Equador?

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Carlos Pérez – A partir do perdão do presidente Correa, não havia necessidade de seguir exigindo o salvo-conduto para eu sair do Equador. Meu asilo terminou no momento em que saí da embaixada panamenha em Quito para ir ao Panamá. Meus irmãos, que estavam nos EUA, viajaram para o Panamá e agradeceram ao presidente Ricardo Martinelli. Ele, então, nos ofereceu exílio político, e nós respondemos que analisaríamos a proposta, caso o presidente Correa continuasse nos perseguindo. No Panamá, ficamos três dias. Depois, seguimos para Miami, onde ficamos um mês.

ZH – O sr. chegou a falar do quanto o processo interposto pelo presidente poderia provocar violência. Até chorou ao falar que uma eventual prisão o separaria de sua filha. Como foi esse período?

Pérez – Foi uma época muito difícil, em grande parte devido às incertezas que geram essas situações. Pensei muito no efeito da minha ausência na formação da minha filha, seja devido a minha prisão ou ao desterro. Não seria fácil levar minha filha a outra parte. Coincidiu que as audiências foram em épocas de férias escolares, e eu pude levá-la para o Exterior. Assim, ela não precisou presenciar todo o show político a que estivemos expostos. Me reencontrei com ela em Miami.

ZH – Vocês receberam o perdão do presidente. Basta? Ou vocês vão buscar a anulação do processo?

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Pérez – O processo deve ser anulado pelo efeito de jurisprudência que tem. Quero dizer que a sentença poderá ser tomada como exemplo para novas demandas judiciais. Hoje, nós já temos uma nova ação civil, de uma cidadã. Temos a convicção de que, mais adiante, se tivermos novas condenações, seremos reincidentes. Recordo: foi uma ação penal. A ação foi absurda. Portanto, o perdão é absurdo. Somente Deus tem o poder de nos perdoar.

ZH – Como a atitude de Rafael Correa prejudica a liberdade de imprensa em toda a América Latina?

Pérez – Primeiro, o presidente Correa é muito carismático e possui uma enorme capacidade de persuasão. Seu discurso reiterado sobre a liberdade de expressão vai calando em outros líderes, organizações institucionais e inclusive nas populações de outros países. Em segundo lugar, a constante atitude governamental de aprovar leis para limitar nosso direito de informar pode ser copiado por outros países. Há muitas leis atuais no Equador que foram copiadas da Venezuela. E, em terceiro lugar, a jurisprudência se assentou devido ao nosso caso. No futuro, a sentença pode ser usada como referência em alguns países latino-americanos.

ZH – O sr. pretende promover uma atuação civil a favor da liberdade de imprensa, a partir da violência que sofreu?

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Pérez – No momento, regressei ao Equador. Vamos focar no trabalho, porque o juízo nos absorveu por um ano, e já há muitas coisas que devem ser postas em ordem. Esse governo dedicou muitos recursos econômicos para nos difamar e tergiversar sobre liberdade de expressão. Nossa única resposta seguirá sendo fazer mais jornalismo, informando as coisas boas e más que faz este governo. Nosso dever é com a sociedade, e não com os nossos egos.

ZH – É possível falar de suas providências políticas e judiciais?

Pérez – No momento, continuamos com a demanda junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Qualquer outra demanda implicaria recursos financeiros, e neste último ano investimos muito na nossa defesa. Seguimos lutando para que as leis que o presidente queira aprovar estejam de acordo com as normas internacionais em matéria de direitos humanos e com a Constituição.