Vou confessar que meu lado bairrista (que é bem domesticado, mas existe) costuma procurar um buraco bem fundo pra se esconder quando a nossa querida Santa Catarina, por algum motivo, é tema de manchete nacional. Isso porque depois da aposentadoria do Guga, que além de tudo é um sujeito legal, quase sempre a notícia é sinônimo de tragédia, no sentido amplo do termo.
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Confira a carta escrita pelo estudante
Na semana passada, li que uma “ex-musa do Avaí era uma das mulheres usadas para cooptar prefeitos”, na anterior teve aquele fogaréu em São Francisco do Sul e agora, finalmente, está correndo o país a carta em forma de protesto que um estudante de Relações Internacionais da Univali, João Victor Gasparino, escreveu a seu professor.
Li a carta no G1, portal de notícias que defino como a “minha dose diária de masoquismo”. Além de publicar a carta, a matéria também explica a situação, traz novos depoimentos do rapaz, que tem 22 anos, e até mesmo uma fotografia sua, que acusa aliás um corte de cabelo totalmente fora de moda. A situação, por sua vez, é a seguinte: como forma de se negar a fazer um trabalho sobre Karl Marx, o estudante escreveu uma carta ao professor buscando justificar sua atitude.
Bom, até aí tudo bem. Embora seja uma atitude meio colegial – e digo assim para ser bondoso não só com o aluno, mas também com a Universidade -, vamos julgar, eu e minha equipe de especialistas, como válida a atitude do estudante, que sonha com uma “universidade sem doutrinação”.
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A tragédia, no caso, fica sendo a carta. Vamos começar pelos aspectos formais. Antes de tudo, é muito curtinha (só quatro parágrafos) para os padrões de uma monografia universitária, ainda mais se tratando de um assunto tão complexo. Não sei na Univali, mas na UFSC eu tive que ralar um pouco mais pra passar de ano.
Em outras palavras, não faz mal “repudiar o pensamento de Marx”, como o rapaz diz nas primeiras linhas, mas faz muito mal desconhecê-lo, como fica claro nas últimas, mesmo porque precisamos dominar muito bem os textos que criticamos. Vamos cometer a imprudência de dizer uma obviedade, portanto: não há cientista político de direita minimamente respeitado no século 1920, se assim se quer, que não tenha lido (e bem) os livros de Marx.
A carta é repleta também de erros de português. Sei que soa injusto nesses casos apontar falhas de redação, pois todos estamos sujeitos a dar uma escorregada na norma culta de vez em quando, mas João Victor Gasparino, que já é bem grandinho pra saber pontuar um texto, não tem domínio sequer mediano da língua portuguesa. Podia começar aprendendo que 1) não se separa sujeito e objeto com vírgula e 2) não se começa uma oração, em nenhuma hipótese, com pronome átono, muito menos um parágrafo, como acontece com o segundo: “Me é uma pressão terrível (…)”. Me dói também ler uma frase assim.
O texto ainda apresenta uma série de pérolas. Se lido como peça de humor involuntário, sem dúvida tem valor. Primeiro, destaco o uso inventivo dos adjetivos, que são motivo de alegria por atribuírem ao texto certa aparência de filme de terror: “exercício profundo”, “ideologia nefasta”, “pressão terrível”, entre outros.
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Seguindo sua linha de raciocínio, o pensamento de Marx seria responsável também pela “epidemia das drogas cujo consumo só cresce”, o “arremesso de recém-nascidos para o alto”, “o desrespeito aos mais velhos”, mesmo tendo Marx aquela aparência de bom velhinho, e até mesmo pelo “nascimento do funk”, imagina. De resto, cada um que eleja a melhor frase do texto, mas eu não abro mão da minha, mistura inusitada entre Sérgio Malandro e o sábio da montanha: “A revolução leninista está para o estupro, assim como a gramscista está para a sedução”. (sic)
Enfim, não encontrei nenhuma notícia a respeito da nota que o trabalho recebeu, o que no final das contas, falando seriamente agora, é a única coisa que importa. De minha parte, como sou paciente com os alunos criativos, mas rigoroso com os pernósticos, e descontando ainda 0,2 de cada escorregada na norma culta, eu daria nota 3, ou seja, recuperação.