Jesus Lumma e João Marco Tavares têm algumas coisas em comum: ambos nasceram em outros estados, mas há alguns anos escolheram Santa Catarina para viver. Ambos são formados em design, e também empreendedores: Jesus se formou em design de produção visual e idealizou uma empresa em formato de rede que atua em inovação em comunicação empática e estratégica; e João tem uma empresa que trabalha com branding voltado para negócios de impacto socioambiental. Jesus é artista: canta desde os seis anos de idade; começou na dança contemporânea aos nove; e já estudou teatro, violão. E João usa o YouTube para falar sobre criatividade e autoconhecimento, no canal Mais Um João.
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Mas foi em meio à pandemia que os dois se conheceram, por meio de um aplicativo de relacionamentos.
– Um pouco antes da pandemia, eu estava fazendo shows pela Rede Sesc; acho que foram shows em 18 cidades catarinenses – conta Jesus, que mora em Joinville. – Fiquei de mãos atadas quando começou a pandemia, sem poder trabalhar com arte; então retomei meus projetos de design, em home office. Até que um dia uma das pessoas do meu ciclo de seguidores e amigos que tem um estúdio em Florianópolis me chamou para gravar uma música com ele, então eu fui. Fiquei hospedade em Florianópolis uns dois ou três meses, na casa dessa pessoa. Nesse período eu e o João nos conhecemos por meio de um aplicativo e começamos a conversar. Até que um dia eu me ofereci para comer uma pizza na casa dele, porque eu sou assim mesmo, sabe? Eu me jogo (risos).
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Jesus é uma pessoa trans não-binária. Ele não se percebe como pertencente a um gênero exclusivamente, e não limita a identidade e expressão de gênero ao masculino e ao feminino; por isso os adjetivos relativos a elu usados nesta matéria terminam com “e”, e não com “o” ou “a”. O pronome “elu” é uma alternativa ao uso de “ele” ou “ela”.
Jesus e João, que estavam trabalhando em home office nesse período, relatam que houve um certo temor em se encontrar com uma pessoa até então desconhecida em meio ao contexto da pandemia.
– Antes da quarentena, já estava rolando um processo de demissão em massa na empresa onde eu trabalhava, aí aproveitei esse processo para finalmente começar a empreender. Passei então a trabalhar de casa – relata João. – Foi um momento de introspecção mesmo, de olhar pra mim, então fiquei bem quietinho durante a quarentena. De certa maneira rolou um medo, porque isso foi em outubro, e eu estava desde março sem sair de casa e sem ver praticamente ninguém. Se saio na rua hoje, ainda me sinto em estado de alerta. Mas claro que a carência estava batendo… Aí, era pra ser só uma pizza, aí já dormiu aqui em casa… Quando vi, me apaixonei (risos).
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– Esse medo está presente desde que começou a pandemia. Mas, quando começamos a nos seguir e vi que ele estava sempre em casa, fazendo trabalhos remotos e reforçando a necessidade do isolamento, eu me senti mais segure – conta Jesus. – E quando nos conhecemos o toque já não era mais ameaça, se tornou vontade, chamego… Mas isso só rolou porque eu já vinha observando e vi que ele estava se cuidando. Nesse meio tempo, minha mãe contraiu o coronavírus, e eu também. Ficamos mais de um mês sem nos vermos pessoalmente, para garantir que eu não transmitisse pra ele.
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João conta também que o relacionamento começou em um período de maior autoconhecimento em sua vida.
– A pandemia revelou para mim algumas questões pessoais. Acho que isso rolou com todo mundo, porque todo mundo ficou em casa, tendo que lidar consigo mesmo – ele pondera. – A parte amorosa foi uma coisa que trabalhei muito comigo mesmo nesse período. A forma como eu me relaciono com outras pessoas, traumas de outros relacionamentos… Então, quando Jesus chegou, voltei a ter contato com esse lado meu que ama, que se relaciona com as outras pessoas. Nem acredito mais em coincidências, né? Jesus apareceu neste momento da minha vida porque precisava, mesmo.
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– Meu encontro e do João não foi só no abraço, no beijo, no toque. A gente se encontra em outro lugar. A gente trabalha coisas parecidas, faz caminhos parecidos – diz Jesus. – Às vezes a gente se desentende, mas para e respira e conversa, porque a gente sabe que nossos sentimentos estão sendo muito afetados por todo esse caos do mundo. Há um respeito, um carinho, um afeto que um dia pode até se transformar, mas que não acaba. É uma certeza de que a coisa mais importante do mundo são nossos amores, as pessoas que são nossos afetos – diz Jesus.
Apesar de morar em cidades diferentes, o casal consegue se ver com frequência, pela proximidade entre Florianópolis e Joinville. E os dois consideram que a distância é, em si, uma parte importante do relacionamento.
– A gente sai dessa coisa de os dois só existirem juntos. A gente existe separado, mas quando está junto a gente se entende, se cuida, se ama. Nós respeitamos tanto nossa proximidade quanto nossa distância – Jesus conclui.
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