Bacharelado em Direito, advogado, professor universitário, desembargador aposentado, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina. Uma lenda viva da academia catarinense, que participou de todo o processo de criação da maior instituição de ensino do Estado. Nesta entrevista, além de lembrar da transformação da Faculdade de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e dos personagens fundamentais a esse processo, Aluízio Blasi fala de política, justiça e Guerra do Contestado.

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Confira a entrevista completa:

Tivemos recentemente eleição para o novo reitor da UFSC e a maioria votou pela mudança. Foi uma decisão acertada da comunidade universitária?

Esse processo de eleição não é do meu tempo. Acho que no sistema democrático, uma eleição é a essência do próprio poder democrático numa eleição direta. No meu tempo, diretor de Direito, o reitor, eram escolhidos inclusive pelo conselho da OAB. Então o processo democrático se tornou muito útil, com a própria manifestação da comunidade universitária para aquela situação.

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O senhor testemunhou e colaborou para o nascimento da UFSC. Tem acompanhado a universidade? Tem a visitado ultimamente?

Não, lamentavelmente não. Eu tenho olhado a UFSC e vejo muita coisa lá dentro e me causa tristeza. Pelo que ouço dizer e falar, mas não acompanho. E quando vou lá, não conheço mais ninguém. Chego lá e fico triste porque sou estranho dentro daquela casa que ajudei a formar. Então acompanho de longe, porque jamais fui chamado também.

Mas as informações que o senhor recebe não são positivas?

Não, atualmente não. A UFSC está muito politizada, com ideologia esquisita que não compreende aquele princípio que foi estabelecido do início da universidade pelo comportamento do doutor João David Ferreira Lima, porque ele era do PSD (Partido Social Democrático) e da UDN (União Democrática Nacional).

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E esse era um fato relevante, histórico no comando da UFSC, mas nunca se viu interferência partidária na universidade. Como isso foi possível?

Isso foi possível pelo seguinte: doutor David, quando foi professor da Faculdade Direito, fui seu secretário. E como tal, rangi a amizade dele porque sempre me dediquei às coisas da Faculdade de Direito, com a maior honestidade, e ele também. Quando foi criada a UFSC, soube que havia sido indicado. Se fosse um reitor, e aí veio o caso da UDN, deveria ser nomeado o professor chamado Clodorico Moreira para ser secretário da Faculdade Geral da universidade. E o PSD, liderado pelo Celso, indicava o Montenegro. Quando o David foi reitor, me convidou pra ser secretário-geral. Mas no mesmo instante você tem que deixar de ser professor da Faculdade de Direito Administrativo. E eu disse: “Farei isso com maior prazer, porque nós trabalhamos juntos há tanto tempo”. E efetivamente quando o Davi foi nomeado, disse ao interlocutor do PSD que o candidato dele, se ele fosse nomeado a diretor, seria eu. E ele sabia perfeitamente que eu era da UDN, como eu sabia que ele era do PSD. Todos nós trabalhamos no sentindo de que não que produzíssemos qualquer política partidária.

O senhor tem uma larga experiência também como cidadão, magistrado, advogado, professor. O senhor atravessou a ditadura getulista, depois viveu a democratização, o regime militar e agora a nova fase. Qual fase lhe agrada mais?

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Na fase getulista eu era guri, criança. Me filiei na UDN por tradição de família, e nesse sentido eu via no governo Dutra um governo já de PSD. Agora eu fico olhando as coisas hoje, assim meio escandalizado com tudo. Qual foi o melhor regime? Melhor passagem de governo? Aconteceram fatos formidáveis no tempo da Ditadura Militar que me satisfaziam, um aspecto de sinceridade e solidariedade com as coisas de SC. Eu via que as coisas aconteciam. Tudo que a gente pedia era resolvido. Atendiam as nossas necessidades.

O senhor já viu uma crise como essa de hoje?

Acho que não. Se presenciei, nunca me integrei. A minha atividade era completamente separada das atividades partidárias, participação efetiva nas coisas de administração. Não participei nunca da administração estadual, mas acho que hoje nós estamos vivendo uma coisa muito importante. Se na sua casa você gasta mais do que ganha, vai ter problemas. Você tem que ter uma orientação política das suas contas. Agora, se você quer ser bonzinho para atender o interesse político-partidário e começar lançar mão, teu vencimento não corresponde. De maneira que eu acho que a Dilma (Rousseff) gastou demais em coisas sociais, o que eu acho até razoável, mas foi demais. Não obedeceu o orçamento. O orçamento é uma lei morta para administradores da União. A desorganização administrativa provocou essa crise.

O senhor acha que essa crise é política, econômica ou moral?

Tudo depende de um conceito moral daqueles que estão exercendo o cargo. Estamos vendo que a imprensa publica aí todo dia aqueles fatos de corrupção. Isso é uma questão moral. Se o cidadão perde a moral e pede propina, está perdendo o direto de ser cidadão. Como posso reivindicar, com base na lei, caso eu não dê propina? Isso me causa uma má impressão sobre o mundo que vivemos hoje.

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Voltando à fundação da UFSC: Como foi a federalização da Faculdade de Direito?

Me formei dia 8 de dezembro de 1955 e a faculdade foi federalizada em 56 e, quando foi criada a universidade, eu fui de certa forma quem procurou todos os elementos para a criação da universidade. Datilografei o memorial que foi apresentado ao Juscelino (Kubitschek). Aí vem um outro processo muito interessante, que pouca gente conhece. A tramitar essa lei de criação da UFSC, a bancada de Alagoas e de Rio Grande do Norte ofereceram emenda criando também suas universidades na mesma lei. O negócio passou a ser contra a lei. Na última sessão legislativa de 1960, Osmar Cunha, sabendo de uma disposição da bancada do Espírito Santo de apresentar de uma emenda da criação da sua universidade nesse mesmo processo, pediu a palavra, falou por uma hora, e não deu a palavra pra ninguém. Se o Espírito Santo tivesse apresentado a emenda, o processo voltaria às comissões e a universidade de Santa Catarina teria no mínimo um ano de atraso na formação.

Devemos ao Osmar Cunha então?

Deve-se ao Osmar Cunha exatamente a tomada dessa decisão. E ele disse para mim: “Aluízio, falei de tudo e quando terminou o expediente, acabou a possibilidade de fazer uma emenda”. O processo logo em seguida foi à votação e foi nomeada e aprovada a lei. Isso no dia 9 de dezembro de 1960, graças ao Osmar Cunha.

E a implantação?

O David (João David Ferreira Lima) era o único diretor de faculdade federalizada. Tudo que vinha sobre universidade caía na mão do David. Esta lei que criou a UFSC determinou que nós tínhamos um prazo de 90 dias pra transferências de todas a faculdades para a União. Aí veio uma participação muito interessante, um homem chamando Fontoura Rei, diretor do Serviço do Patrimônio da União de SC, que facilitou a transferência. Sendo que em 30 ou 40 dias transferimos todos os patrimônios.

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Além de Jurandir Lodi e de Osmar Cunha, algum outro político também atuou decisivamente?

O doutor David era muito hábil. Tinha amigos da UDN e do PSD. Era um homem apaziguador, conciliador, sério. Todo mundo gostava da honestidade dele. Ajudava a todo mundo sem ver cor política, embora sendo do PSD. De maneira que esse homem merece o nosso aplauso e admiração pela condução do trabalho de criação da UFSC.

E quanto ao doutor Aderbal Ramos da Silva, um homem que mandava em Florianópolis?

Na universidade não.

Por que não, se o David tinha sido secretário dele?

Nisso eu não posso entrar. Claro que o David tinha maior apreço pelo Aderbal. Mas o Aderbal tinha respeito pelo David.

O sucesso da UFSC se explica pela juventude, porque David botou só jovens lá, e pelo fato que ele brindou a universidade com uma ideologia co-partidária?

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Não há dúvida. Isso foi uma constante na vida do David na universidade. Não interferiu na nomeação fosse desse ou daquele partido. Claro que eu não sei diretamente, porque às vezes as coisas acontecem no gabinete.

Tem gente que acha que Santa Catarina não faz justiça na universidade ao professor Henrique da Silva Fontes.

Ele não teve interferência nenhuma. Fontes teve sua participação na Filosofia, mas quando foi criada a UFSC, ele teve que se aposentar, embora fosse indicado. Não podia ser nomeado porque tinha mais de 70. Ele participou na criação do Direito e foi vice-diretor no primeiro mandato. Agora, um nome notável nessa situação toda é o José Boiteux.

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O senhor concorda que ele é o maior intelectual da história de SC?

Concordo, primeiro na questão do Contestado foi buscar no tombo de Portugal todos os elementos necessários para propor a ação de limite.

Essa viagem do José Boiteux foi fundamental?

Não tenho dúvida nenhuma, porque sabia qual documento precisava trazer para justificar e comprovar o que era de Santa Catarina. Tanto é que não foi uma ação de posse, de território, foi declaratória, para declarar a jurisdição. Então, tem um caso interessante nessa questão que é a criação da comarca de Lages, que integrava São Paulo. Tanto é que Correia Pinto foi o fundador de Lages. E na descrição da criação de Lages dizia o seguinte: ao sul com o rio Uruguai, ao norte com o Rio Iguaçu, abrangendo toda aquela região, e ao oeste, os espanhóis confinados. Essa era a comarca de Lages. Quando foi criado o Paraná, ele entende que o direito dele ia até o rio Uruguai.

O senhor acha que a Guerra do Contestado e a reação do caboclos também ajudou a fixar os limites?

Esse é outra tese. Eu acho que a Guerra do Contestado não existiu.

Como assim?

A guerra ocorreu em SC porque a terra era contestada. Usaram um termo jurídico pela ação do Paraná. Foi uma ação muito interessante. Mas contestação por quê? Porque na contestação, Paraná levantou a tese que não tinha condições de ser porque não era competência do Supremo Tribunal Federal essa controvérsia. Acontece que foi julgado por quatro vezes, três nós ganhamos. O que foi contestado? Quando entramos com a ação de execução, houve um fato interessante. Os advogados do Estado de SC entraram com um pedido no Supremo Tribunal da execução em 1910. O relator do supremo baixou uma carta de ordem ao juiz de Curitiba para a citação do Estado do Paraná. O juiz da comarca de Curitiba, ao invés de receber uma carta de ordem, recebeu uma precatória. Ele julgou o juiz do supremo. Esse juiz foi passivo de uma ação criminal de desobediência e nesse ínterim, de 1910 e 1914, quando foi então julgado a ação, é que aconteceram todos os fatos.

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O senhor teve experiência acadêmica, larga experiência como advogado e como magistrado. O que foi melhor?

Nada me conforta mais o coração do que ter participado da criação da UFSC. De tudo que eu fui na vida, tenho como ponto principal ajudar na criação dessa obra extraordinária.

O senhor consegue avaliar a dimensão desse fato?

Consigo. Se verificarmos, na época tinha 800 alunos. Hoje tem 30 mil. Isso é extraordinário. E a universidade é a fonte energética do movimento cultural do povo. Me causa maior satisfação ver essa mocidade e o extraordinário incremento à formação intelectual da nossa terra. Isso me dá uma alegria muito grande.

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