Seth Kugel

Bem cedinho, em uma fria manhã de março, o despertador do meu iPhone tocou. Ressurgi das profundezas de um edredom azul marinho, sentei-me e abri a porta. Tinha esquecido momentaneamente onde estava.

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Ah, é mesmo. Olhei para fora e vi o imenso Lago Taupo, que fica na Ilha Norte da Nova Zelândia. A visão de patos deslizando bem perto da margem foi revigorante. Assim como as montanhas que se erguiam por trás deles, além do azul-lavanda e do laranja que cobriam o céu antes do amanhecer.

Era a minha terceira noite em um motor-home, um veículo recreativo em miniatura – o meu era do tamanho de uma van de encanador – que é o alojamento móvel favorito dos neozelandeses. Tirei os lençóis, reorganizei as almofadas, abri alguns compartimentos e pronto: tinha dois bancos confortáveis e uma mesa para tomar café. Do armário da cozinha, veio um cereal Weet-Bix. Coloquei algumas salsichas boerewors e ovos mexidos no fogão. Depois de lavar os pratos na pia, estava pronto para o meu próximo destino.

Os motor-homes representam um modo de vida – ou pelo menos uma forma de lazer – na Nova Zelândia, um belo país que suplica para que façamos trilhas, escalemos e acampemos nele. Desse modo, ele casa perfeitamente com o motor-home, que faz com que você se sinta o mais próximo do ar livre o possível – isso se você não tiver uma barraca. Os motor-homes estão por toda parte, sendo usados por neozelandeses de todos os matizes. Uma pessoa com quem conversei a respeito disse até mesmo que eles são uma “moda”.

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O meu não estava na moda. Eu tinha alugado o mais barato que consegui encontrar: um Volkswagen quadradão de 2006 alugado por 64 dólares neozelandeses (R$ 99) por dia, com impostos, taxas e seguro básico incluídos. Embora eu tenha ficado ressentido por não alugar um dos veículos mais caros e descolados, de aparência mais brilhante e cores vivas, o que escolhi era perfeito para os meus propósitos.

Ele também me ajudou a economizar uma boa grana. O único senão é a economia de combustível – a gasolina custa cerca de 8,50 dólares (R$ 13) por galão (cerca de 3,8 litros) na Nova Zelândia, e meu Backpacker fazia 27 quilômetros por galão. Mas é possível economizar em praticamente todo o resto. O mais óbvio: não é necessário pagar por quartos de hotel. Quem dirige motor-homes tem a opção de se hospedar em um “estacionamento de férias”, que fica em média em torno de 20 dólares (R$ 31) por pessoa por noite, disponibilizando chuveiros, banheiros, cozinhas (algo desnecessário) e uma fonte de energia, ou enfrentar por conta própria um “acampamento livre”, permanecendo em terras públicas, o que é punível pela lei.

Economia em comida

Com o motor-home, dá também para economizar em comida. Eu me virei muito bem ao longo de quatro dias com 60 dólares (R$ 93) em mantimentos, e fiz apenas uma refeição fora do veículo: um prato de mexilhões de lábios verdes que me custou 17 dólares (R$ 26) no irresistível restaurante Coromandel Mussel Kitchen, localizando na cidade de mesmo nome. Somem-se também paradas para tomar o café com leite “flat white” (a resposta neozelandesa ao latte), um lanche ocasional e uma garrafa barata de shiraz da região, e meus gastos com alimentos e bebidas ao longo de quatro dias e noites ficaram em menos de 100 dólares neozelandeses (R$ 155).

Hidromassagem improvisada

O lado oeste da península apresenta um litoral sinuoso e praias pedregosas, além de antigas cidades mineradoras, como Thames e Coromandel. O lado leste é mais conhecido por seus belos trechos de areia, incluindo a Hot Water Beach (praia de água quente), onde a altura da água geotérmica aquecida fica pouco abaixo da superfície da areia. Isso cria um estranho fenômeno durante a maré baixa: dezenas de adultos revivem a infância em que construíam castelos de areia, cavando buracos com pás para criar banheiras de hidromassagem temporárias.

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Minha última parada na Península Coromandel foi a Reserva Marinha Te Whanganui-A-Hei (Cathedral Cove), onde trilhas bem marcadas entre as árvores levam a uma série de praias e enseadas. Nenhuma delas é tão bonita quanto a própria Cathedral Cove, um grande meia-lua com colinas que se erguem por trás da areia, e uma rocha em forma de esfinge na beira da água. Eu a tinha toda para mim, embora houvesse muitas evidências de que muita gente tinha passado por lá no início do dia, incluindo uma mensagem escrita na areia em coreano. Curioso, tirei uma foto e a enviei para um amigo, que a traduziu: “Charlie, eu te amo. Jae Sok”.

Foto: Seth Kugel

Mas o motor-home brilhou de verdade ao passar pela Rodovia Forgotten World (“Mundo esquecido”), onde fui depois do Lago Taupo. Peguei um mapa da estrada em um i-SITE, centro eficiente e conveniente de informações turísticas da Nova Zelândia, onde é possível também fazer reservas de hospedagens que vão desde pequenas cabanas até grandes complexos (tomei um banho extremamente necessário por 5 dólares em Rotorua). Não consegui deixar de parar em quase todas as sugestões que me fizeram, incluindo a peculiar cidade de Whangamomona, que declarou sua independência da Nova Zelândia como república em 1989, e comemora um janeiro sim, o outro não, a eleição de um presidente (é tudo muito jocoso: uma cabra e um poodle já foram eleitos).

Cidade fantasmagórica

O melhor lugar de todos, porém, é Ohura, uma pequenina e quase fantasmagórica cidade – nenhuma das vitrines do centro comercial de três quarteirões que visitei na sexta de manhã mostrava negócios em funcionamento. O museu da cidade, no que costumava ser uma loja de ferragens, está na ativa – contanto que você consiga alguém para abri-lo para você. Um morador me indicou Charley Hedges, cuja casa ficava em um longo caminho à direita da rua principal. O que ele não me contou foi que Charley e sua esposa maori, Janet, iriam primeiro me convidar para ir a sua casa e dividir comigo café, biscoitos e comentários espirituosos quanto à vida que levavam no interior desde que se mudaram da cidade de Hamilton, a terceira maior da Ilha do Norte, para Ohura.

O museu está cheio de coisas misteriosas, intrigantes e maravilhosas, doadas, segundo Janet, por famílias e empresas locais, muitas vezes quando elas foram embora da cidade ou fecharam suas empresas. Havia uma lista telefônica local de 1954 pendurada em um telefone a manivela, obviamente várias décadas mais velho, além de uma coleção de antigas máquinas agrícolas, entrei as quais uma geringonça enorme que Charley me contou ser um dispositivo para cortar palha.

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Quando parti, já era o meio da tarde. Acelerei, então, pelo resto da estrada. Mas não pude deixar de parar para desfrutar de uma vista deslumbrante, em meio às colinas verdes, em um lugar chamado Tahora Saddle. Parei o motor-home na pequena área de observação – perfeita para um piquenique. Corri até a traseira do veículo e preparei uma salada com ingredientes que tinham sobrado – folhas de espinafre, abacate, fatias de pera asiática e brócolis. Cortei o último pedaço de queijo cheddar em fatias, quebrei bolachas cracker, trouxe tudo para fora e caí nas boas graças do sol – e sobre a glória do meu motor-home – enquanto comia.