– Tia, qual é o dela? O meu é loxemia.
Foi assim que uma menina de quatro anos se aproximou da minha filha para as duas assistirem juntas aos desenhos da Galinha Pintadinha. Tudo seria mais simples se o local do encontro fosse outro, e não uma ala de quimioterapia de um hospital infantil. Entre uma brincadeira e outra, as vizinhas de poltrona se conheceram por um motivo em comum: ambas lutam contra um monstrinho (às vezes, monstrão) chamado câncer. Ela, contra o monstro leucemia. Aos oito meses, a minha Sofia começou a luta contra o monstro retinoblastoma.
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Veja histórias emocionantes de crianças que lutam contra o câncer em Joinville
A cada ida ao hospital, a cada criança que conheço, parte de mim muda. A cada mãe que vejo esperar ansiosa por um resultado de exame, uma conversa com o médico, o fim de uma cirurgia, parte de mim está lá com ela. Porque é inevitável: você passa a torcer por elas como se fossem seus filhos. É quase um pacto silencioso entre mães que sabem que o caminho é longo. Nossos filhos estão juntos nessa. E eles nos dão lições diariamente. A principal delas é que, na luta contra o câncer infantil, precisamos de mais sorrisos do que lágrimas; de mais esperança do que de medo.
Nas idas e vindas ao hospital com a minha filha, vi crianças que não andavam havia meses voltarem a andar, saírem de UTIs, descobrirem que estão curadas. Vi cabelos caírem e voltarem a nascer. Vi mães trocando dicas de como aumentar a contagem de plaquetas. Vi adultos visitarem os profissionais que salvaram sua vida quando eram crianças. Vi voluntários dedicarem parte do seu dia a ajudar crianças e pais nessa luta, seja para segurar a mão, segurar o choro, dar um abraço. Vi crianças passarem o aniversário em uma maca, fazendo quimioterapia. Vi oncologistas ajudarem crianças a caçarem Pokémons. Vi pais mais experientes nessa luta consolarem os estreantes. Infelizmente, também conheci crianças que não voltaram mais. O que eu sou, depois de tudo isso, é difícil dizer.
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As crianças, durante todo esse trajeto, continuam sendo crianças. Elas brincam mesmo enquanto passam por oito horas de jejum. Elas abrem os braços para a enfermeira mesmo sabendo que ela vai aplicar uma injeção. Fazem amizades intensamente, choram na hora da agulha, correm na hora que precisam ficar paradas. Mas elas têm uma coragem silenciosa e acredito que, por menores que sejam, saibam pelo que estão passando. Do jeito delas. No dia em que minha filha completou oito meses, foi a primeira vez que um médico confirmou que ela tinha um câncer.
O retinoblastoma unilateral (em um só olho), um tumor maligno que se forma na retina, como ouvi tantas vezes, é uma “doença de bebê”, mas pode ocorrer em crianças até cinco, seis anos. O sintoma mais comum é o reflexo branco nas fotografias com flash, mas existem outros, como uma pupila mais dilatada do que a outra, além do estrabismo.
Sofia fez seis meses de quimioterapia sistêmica e duas sessões de quimioterapia intra-arterial, um tratamento inovador que tem sido a esperança de muitas crianças com retinoblastoma, pois tem evitado que elas passem por um procedimento mais invasivo, a retirada do olho. Hoje, a doença foi controlada, seu olho foi preservado, mas ainda convivemos com o nosso monstrinho. Minha luta se encaminha para o fim, mas a de algumas famílias que conheço é bem longa.
Gostaria de deixar aqui minha eterna gratidão a cada médico, enfermeiro e voluntário que se dedicam a combater o câncer infantil. É preciso ser especial para entrar nesse mundo disposto a segurar a mão de pais e crianças e ajudá-los nessa luta. E se você chegou até o final desse texto, só gostaria que você soubesse que a
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menininha do começo do texto está bem e seu cabelo já começou a crescer.