*Por Jason Horowitz e Elisabetta Povoledo

Roma – No domingo anterior à Páscoa, o telefone do padre tocou.

O reverendo Claudio Del Monte levava o celular, que lhe foi dado por funcionários do hospital de Bergamo, junto com um pequeno crucifixo e um pouco de álcool gel caseiro. Em vez da batina de sempre, vestia um avental descartável, uma máscara cirúrgica sobre a qual havia outra máscara, óculos de proteção e uma touca na cabeça. No peito, uma cruz que fizera com um marcador preto.

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Pediu licença aos dois pacientes de coronavírus que estava visitando e atendeu a chamada, embora já soubesse do que se tratava. Minutos depois, chegou ao leito de um idoso que conhecera dias antes, cujo rosto agora estava escondido pela máscara de oxigênio, o pessoal da UTI reunido em torno da cama.

"Eu o abençoei e perdoei seus pecados; ele apertou minha mão com força e fiquei ali até que fechasse os olhos. Então rezei a unção dos enfermos, troquei as luvas e continuei a ronda", conta Del Monte, de 53 anos.

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O surto do coronavírus na Itália é um dos que mais matam no mundo, e, embora os médicos e enfermeiros na linha de frente do norte do país tenham se tornado símbolo de sacrifício contra o inimigo invisível, padres e freiras também fazem parte dessa luta. Especialmente em áreas extremamente infectadas como Bergamo, onde estão arriscando e, às vezes, dando a vida para suprir as necessidades espirituais dos devotos, quase sempre idosos, atingidos pelo vírus.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times )

O vírus já matou mais de cem padres em todo o território nacional, muitos dos quais já aposentados e particularmente vulneráveis a uma doença que atinge os idosos, seja nas casas de repouso, seja nos monastérios. "Avvenire", o jornal administrado pela conferência dos bispos italianos, está homenageando os mortos com a hashtag "PriestsForever".

Os padres que morreram em serviço foram lembrados pelo papa Francisco na Missa da Quinta-Feira Santa, rezada em uma Basílica de São Pedro vazia. "Já são mais de 60 os que morreram aqui na Itália, atendendo os doentes nos hospitais", disse o pontífice, referindo-se a eles como "os santos mais próximos, que deram a vida ao trabalho".

Francesco Beschi, o bispo de Bergamo, conta que perdeu 24 padres em vinte dias, em uma região onde o vírus fez mais de 2.600 vítimas oficiais. Cerca de metade dos sacerdotes era aposentada e já estava fora de serviço, mas muitos ainda cumpriam seus deveres pastorais.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times )

Eles oferecem consolo por meio de grupos de WhatsApp, acenam da janela do carro quando vão levar comida para os doentes, apoiam-se no batente de quartos infectados para fazer os ritos finais e se paramentam com equipamento de proteção individual para fazer orações e oferecer encorajamento nos leitos hospitalares.

Reclamam de não poderem chegar mais perto, de que o último toque tenha de ser dado com a mão enluvada, de que o último rosto que os doentes veem geralmente é em uma tela. Com um vírus fatal que separa famílias e cônjuges, os padres também confessam a dor de se distanciarem do rebanho quando os fiéis mais precisam de apoio.

Um deles era Fausto Resmini, de 67 anos, que durante quase trinta foi o capelão benquisto do presídio de Bergamo, e fundador de um centro de recuperação de jovens problemáticos. Os religiosos seus colegas contam que ao longo do último mês de trabalho ele contraiu o vírus; recebeu tratamento no Humanitas Gavazzeni, onde Del Monte faz suas rondas, e morreu em 23 de março.

Tais sacrifícios não impedem outros religiosos de atender os doentes. "O correto é ficar em casa, mas sou padre e, às vezes, é preciso driblar as regras para suprir as necessidades das pessoas", diz Giovanni Paolini, de 85 anos, na cidadezinha de Pesaro, região central do país.

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Em uma segunda-feira recente, ele fez a oração fúnebre para um dos quinze membros da paróquia local mortos pelo vírus. Explica que, quando possível, consola os fiéis por telefone ou pelas redes sociais, e garante que usa máscara e outros equipamentos de proteção para visitar os idosos com medo de morrer, geralmente sozinhos. "Você escolhe essa vida porque quer ser útil aos outros", resume.

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(Foto: Nadia Shira Cohen / The New York Times )

Esses párocos incorporam a visão da Igreja articulada por Francisco, que volta e meia invoca a imagem de um hospital de campanha e os personagens da obra-prima italiana "Os Noivos", na qual padres milaneses heroicos cuidam altruisticamente dos afetados pela peste.

Na missa matutina de dez de março, o papa rezou "por nossos sacerdotes, para que tenham coragem de ir até os doentes".

Tal estímulo parecia violar as restrições que a Itália tinha adotado exatamente no mesmo dia para manter as pessoas em casa e impedir a disseminação do vírus, mas o porta-voz do Vaticano imediatamente alegou que o apelo papal compreendia claramente a necessidade que os sacerdotes tinham de agir "respeitando as medidas de saúde estabelecidas pelas autoridades".

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times )

O cardeal Michael Czerny, assessor muito próximo de Francisco, explica que o pontífice parece calmo, mas ao mesmo tempo intensamente envolvido na resposta da Igreja à pandemia. "O que o deixa mais feliz são os padres que não precisam esperar que lhes digam o que fazer. Se pudesse, com certeza Sua Santidade também estaria na linha de frente. Ele nos quer nas fronteiras, e além dos limites", garante.

Só que esses limites não são estabelecidos com segurança. "Quando o perigo do contágio ficou claro, aí sim os padres começaram a adotar as precauções devidas. Enviei uma carta aos meus párocos deixando claro que queremos levar Cristo ao povo, mas não o contágio. Foi uma escolha dolorosa, porque não deixa de ser uma limitação", diz Beschi.

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(Foto: Fabio Bucciarelli / The New York Times)

Em Castiglione d'Adda, uma das primeiras cidadezinhas postas em quarentena pelo governo federal durante o surto inicial, em fevereiro, praticamente todas as cerimônias e os serviços religiosos públicos foram interrompidos. O padre Gabriele Bernardelli, de 58 anos, explica que mantém contato com os fiéis pelo WhatsApp e pelo Instagram. "O celular se tornou um instrumento pastoral."

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