*Por Richard C. Paddock e Dera Menra Sijabat

Nos dias de aula, as três adolescentes sobem na moto e vão para sua sala de aula particular: um trecho ao longo de uma estrada estreita na periferia da aldeia de Kenalan. É ali que conseguem um sinal de celular estável.

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Sentadas no acostamento, elas fazem as tarefas nos smartphones e em um único laptop, enquanto carros e motos passam a toda. O trio – duas irmãs e a tia – vem estudando desse jeito desde março, quando a Indonésia fechou as escolas e universidades para conter a disseminação do coronavírus.

“Quando o colégio mandou os alunos estudarem em casa, fiquei confusa porque onde a gente mora não tem cobertura”, diz uma das meninas, Siti Salma Putri Salsabila.

O sacrifício dessas garotas, e de muitos estudantes como elas, retrata bem as dificuldades enfrentadas por milhões de jovens em todo o arquipélago indonésio. As autoridades fecharam as escolas e implementaram o ensino a distância, só que o serviço de internet e a cobertura de telefonia móvel são limitados e muitos não têm smartphones nem computadores.

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Na Sumatra Setentrional, os estudantes têm de escalar as árvores próximas ao vilarejo onde moram, nas montanhas; encarapitados nos galhos mais altos, torcem para que o sinal se mantenha forte e estável para poderem completar as tarefas.

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(Foto: Ulet Ifansasti / The New York Times )

Em todo o mundo, inclusive nos países mais ricos, os educadores estão tendo dificuldades em viabilizar o ensino a distância durante a pandemia, mas nas nações mais pobres como a Indonésia o desafio é ainda maior.

Segundo o próprio Ministério da Educação, mais de um terço dos alunos tem acesso limitado ou nennhum à internet; por isso, os analistas temem que muitos não consigam acompanhar as aulas, principalmente nas áreas mais remotas, onde o ensino continua sendo uma novidade.

Os esforços de contenção do vírus na Indonésia tiveram resultados contraditórios; com uma realização limitada de exames, os especialistas em saúde independentes dizem que o número real de casos é muitas vezes superior ao dos registros oficiais.

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Com o início do ano letivo em julho, as escolas em regiões não contaminadas puderam reabrir normalmente, mas elas servem a um número mínimo de estudantes do país. As comunidades em áreas de baixo risco tiveram até agosto para decidir se reabririam as instituições de ensino, mas poucas o fizeram.

Alguns professores mais dedicados percorrem longas distâncias nas regiões mais remotas para dar aulas presenciais em domicílio a um pequeno número de alunos. Desde abril, a TV e as rádios estatais transmitem uma programação educativa durante várias horas por dia.

A grande maioria, porém, estuda on-line, geralmente adquirindo pacotes que oferecem pequenos volumes de dados. Algumas famílias têm apenas um aparelho para ser compartilhado entre diversos filhos, que normalmente têm de esperar os pais voltarem para casa antes de poderem baixar as tarefas.

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(Foto: Ulet Ifansasti / The New York Times )

Se o ensino a distância é novidade para muitos professores, especialmente nas áreas rurais, para os alunos é uma experiência confusa; já os pais, que normalmente não têm mais do que a educação elementar, não têm estrutura para ajudar os filhos.

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“Os alunos não têm ideia do que fazer e os pais acham que é meio um esquema de férias. Em muitas áreas não há acesso à internet; em outras, é difícil até ter energia”, explica Itje Chodidjah, pedagoga e educadora em Jacarta, a capital indonésia.

“As dificuldades enfrentadas pelos estudantes do interior hoje vão contribuir para reforçar ainda mais as desigualdades futuras na Indonésia, que é o quarto maior país do mundo. Mesmo antes da pandemia, havia uma diferença enorme entre a população urbana e a rural; os alunos já aprendiam muito pouco. Quando veio a pandemia, simplesmente interromperam as atividades de ensino”, afirma Luhur Bima, pesquisador do Instituto Smeru, um centro de políticas públicas de Jacarta.

O ministro da Educação, Nadiem Makarim, que fundou a empresa de tecnologia Go-Jek antes de entrar para a política, briga para equilibrar a saúde e a educação dos alunos, já que o fechamento das escolas, além de atrasá-los academicamente, pode levar à solidão e à depressão.

“A questão é: como equilibrar os riscos à saúde com a perda permanente de aprendizado nas áreas do país que simplesmente não conseguem, ou acham extremamente difícil, executar o ensino a distância? O que está acontecendo aqui na Indonésia e em outros países não é só que os alunos estão deixando de aprender; o nível de estresse, solidão e tensão é alto tanto entre os pais como entre os alunos, sem falar dos professores. Não é um probleminha qualquer”, desabafa ele.

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(Foto: Ulet Ifansasti / The New York Times )

E prossegue: “O ministério simplificou os currículos, abandonou o exame nacional padronizado e autorizou os diretores das escolas a usar a verba de operação para pagar pelo acesso à internet dos alunos.”

Segundo Setyanto Hantoro, diretor-presidente da Telkomsel – a maior empresa de telecomunicações do país, que entrou em uma parceria com o governo para oferecer serviços nas áreas mais remotas –, atualmente 13 milhões de pessoas em 12.500 vilarejos remotos ainda não têm acesso à internet.

Entre as regiões em que a Telkomsel está trabalhando fica justamente Kenalan, onde as três garotas estudam à beira da estrada, e a aldeia de Bah Pasungsang, onde até 20 alunos sobem nas árvores por dia para estudar. “O projeto, porém, só será concluído em 2022”, prevê.

Kenalan fica em uma área montanhosa pouco menos de 25 quilômetros a noroeste de Yogyakarta e perto do maior templo budista do mundo, o Borobudur. A maioria dos vilarejos é agrícola e cultiva milho e mandioca, com os quais prepara uma guloseima muito popular chamada “slondok”.

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As três jovens – as irmãs Siti e Teara Noviyani, de 13 e 19 anos, respectivamente, e a tia, Fitri Zahrotul Mufidah, de 15 – geralmente são bem dedicadas aos estudos, mas assistir às aulas ao ar livre é particularmente complicado, ainda mais quando chove. Noviyani conta os apuros de uma aula recente, da qual participou embaixo de uma garoa constante. “Tive de usar uma das mãos para segurar o celular e a outra, o guarda-chuva. Dava para o professor e os colegas verem os carros e as pessoas que passavam e me cumprimentavam.”

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(Foto: Ulet Ifansasti / The New York Times )

Depois que os perrengues das meninas ganharam destaque na imprensa local, no centro comunitário do vilarejo onde moram foi instalada uma antena de telefonia móvel – com sinal tão fraco que tiveram de retornar ao acostamento, segundo Noviyani, que é aluna da Universidade Muhammadiyah, de Magelang.

Hilarius Dwi Ari Setiawan, de 11 anos, que mora em Kenala e está no sexto ano, não tinha telefone, e seu pai, Noor Cahya Dwiwandaru, que é agricultor, fez um empréstimo para adquirir um celular no valor de US$ 85.

Se Cahya ficar no ponto ideal na cozinha de casa e levantar o aparelho bem alto, consegue um sinalzinho fraco. Para baixar as tarefas do filho, ele tem de parar de trabalhar e ir de moto até o vilarejo vizinho, onde a recepção é melhor.

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“As crianças ficam estressadas com a situação; os pais ficam bravos, os irmãos mais novos perturbam… Para completar, a explicação em vídeo dos professores não é clara”, resume Vincentia Orisa Ratih Prastiwi, professora de Hilarius.

Uma vez por semana, Ratih, de 27 anos, se reúne com Hilarius e quatro colegas para aulas presenciais na casa de um deles. Ela é solidária com as dificuldades dos meninos. “É difícil esperar ajuda do governo porque todo mundo está sofrendo com a pandemia, mas, se possível, o problema do sinal bem que podia ser resolvido”, conclui.

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