É época de colher aipim. Mas é tempo da safra de tangerina também. Enquanto isso, um cantinho da plantação precisa ser bem cuidado, porque as alfaces já estão pomposas e esverdeadas. Um pouco mais à frente, as folhas da beterraba indicam que as raízes comestíveis podem ir à panela e, próximo a um riacho, as avantajadas batatas-doces quase imploram pela enxada. Repolho, pepino, taiá, banana. O que não faltam são opções nas terras da família Tribess. A diferença é que enquanto algumas pessoas têm pequenas hortas em casa para consumo próprio, é do solo que Maria Cristina, Ademir, Alfredo, Samara e Sandra tiram o sustento do dia a dia. E engana-se quem pensa que esse contexto agrícola só ocorre em cidades menores do Vale do Itajaí, porque é em um grande terreno que atravessa a Rua Luiz Maske, na Itoupavazinha, que estes blumenauenses labutam.

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Atirar para todos os lados e manter diversos cultivos, segundo Ademir, é uma estratégia da família para evitar perdas de safras e prejuízos – o que para os pequenos agricultores, como é o caso dele, pode significar anos e anos de trabalho só buscando colocar a casa em ordem. Ele conta que até pouco tempo o tomate era a única fonte de renda. Os metros quadrados repletos do fruto resultavam em cifras numerosas à família. Até que uma praga surgiu e fez o vermelho deixar o tomateiro para invadir a planilha de despesas.

– A bactéria acabou com tudo. Foram três anos no aperto – lamenta Ademir, ao lembrar da época desfavorável.

As terras vão além do alcance dos olhos. Quando parece ser o limite, Adi – como prefere ser chamado – aparece com um trator. Isso porque é próximo ao morro, a um quilômetro dali, que a fartura acontece. De um lado, milhares de pés de aipim. Do outro, centenas de árvores estão repletas de tangerina a ponto dos galhos envergarem e quebrar. Ambos são os pilares da produção da família. Só com a mandioca, os Tribess têm a meta de colher aos menos 23 toneladas neste ano. Já da mexerica, são mais 14 toneladas. Com a venda para o programa de merendas escolares, feiras e supermercados da região, a família ganha o suficiente para viver com conforto e renda maior do que se optassem por “trabalhar fora”, garante Adi:

– Uma vez consegui um serviço em uma fábrica de refrigerantes. Só aguentei nove meses.

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Número de agricultores despencou em 20 anos

Para quem diariamente passa pelas principais vias urbanas do município é difícil imaginar que na Blumenau voltada à indústria têxtil e, mais recentemente, como polo de software e outros tipos de prestação de serviço, há quem viva do campo. Conforme dados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Blumenau hoje há cerca de 400 pessoas apenas na cidade que vivem da roça, metade de duas décadas atrás. Esse novo êxodo rural, segundo a presidente Cátia Hackbarth, é consequência de uma geração que não quer apostar na economia rural e prefere seguir outros caminhos profissionais – algo que ocorre em todo o país. Isso faz com que o cultivo fique a cargo dos mais velhos, o que gradativamente restringe a produção.

– O produto é bom, sem agrotóxicos, mas não é valorizado. Por isso muitos saem e vão trabalhar em fábrica, já que veem que às vezes só disso não dá para viver. Mas é preciso lembrar que se o agricultor não plantar, a cidade não vai jantar. A economia rural de Blumenau tem que ser mais valorizada, inclusive pela própria população – opina Cátia.

Já Adi nem mesmo pensa em largar a roça. Desde criança na área, ele se especializou e até projeta novos cultivos. Tomate- cereja para exportação, pitaia e criação de tilápia são os focos daqui para frente. Tudo buscando melhorar a renda. Mas será que ele dá conta de manter uma plantação com tanta variedade? Ele garante que sim.

– A gente tem que se virar, né? Pra tudo se dá um jeito – diz o orgulhoso agricultor de 40 anos, enquanto uma gota de suor escorre pelo rosto sujo de barro após um dia inteiro embaixo do sol – o mesmo que sua família faz desde 1930.

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Produção anual chega a R$ 40 milhões

Embora restrita a algumas regiões da cidade, a produção rural movimenta cerca de R$ 40 milhões por ano, divididos entre lavouras permanentes, temporárias, pecuária, entre outros. A produção de ovos alavanca esse total. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, o município produz 10,7 milhões de dúzias por ano, correspondendo a R$ 21,4 milhões, colocando Blumenau com o terceiro melhor índice do Estado, pouco atrás de Biguaçu, que está na segunda posição, e com metade dos números de São Ludgero, com a marca de 22,4 milhões de dúzias anuais.

Atualmente, Blumenau possui 2 mil propriedades rurais, das quais 700 têm produção, e aproximadamente 900 agricultores ligados ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade. Destes, menos da metade tem no campo o seu principal sustento.

Lavouras mistas são herança histórica no Vale

Enquanto grandes planícies brasileiras são ilustradas por megaplantações de soja, cana-de-açúcar, milho ou café, o Vale do Itajaí tem uma característica peculiar, que são os minifúndios. Desde o tempo da colonização, as lavouras eram constituídas com base na variedade, com o objetivo de gerar o sustento das famílias aqui estabelecidas.

A historiadora Sueli Petry explica que não havia uma padronização no cultivo porque, antes de tudo, o blumenauense pensava naquilo que iria comer no dia a dia, e não no que iria sobrar. Só décadas depois é que o trabalhador rural percebeu que as sobras não precisavam ser destinadas só aos porcos e começou a comercializá-las.

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– É a característica do regime rural. Não havia padronização porque se pensava em sobrevivência. Frutas, legumes, verduras, batata-doce, aipim, tudo com o objetivo de ter diversidade na alimentação da família – conta Sueli.

Esse laço com o passado é o que, para a historiadora, se reflete nas pequenas plantações blumenauenses dos tempos atuais. Embora, atualmente, em muitos casos o objetivo seja o comércio e não necessariamente o sustento, como é o caso da família Tribess. Os minifúndios do passado ganharam a companhia de maquinários, tecnologias, mas não perderam a característica principal: oferecer um produto fresco, sem agrotóxicos e proveniente de famílias humildes da cidade.

Direção do sindicato diz que falta incentivo do município

O desinteresse dos jovens pela agricultura como fonte de renda é ponto importantes sobre o futuro da economia rural de Blumenau. Mas para a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, Cátia Hackbarth, há outra questão preponderante no desdém dos mais novos pela roça: a falta de incentivo público.

A alegação é de que, embora as famílias tenham propriedades grandes o suficiente para garantir uma produção, há pouco ou nenhum motivador para que elas tenham o interesse em fazer desta a única fonte de recursos.

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– É preciso que haja um programa para a cessão de implementos agrícolas, tratores, arados, plantadeiras. É preciso, por exemplo, linhas de crédito para maquinário. Hoje o agricultor trabalha a vida inteira para conseguir comprar um trator – conta a presidente.

– O produto daqui é bom, sem agrotóxicos, mas não é valorizado. Por isso muitos vão trabalhar em fábricas, porque veem que disso, (roça) às vezes, não dá para viver.

Outra questão a ser debatida, para o sindicato, é o preço dos produtos no mercado.

– Muitos lugares preferem pegar de grandes cooperativas, onde o aipim vem velho e não é fresco como o nosso, só porque é mais barato. Mas vou te dizer: por R$ 0,50 o quilo eu prefiro dar o aipim para as vacas do que vender – pondera Gilmar Barth, produtor de aipim na Itoupava Central.

Alexandre Faht, nomeado há menos de uma semana para o cargo de diretor rural da prefeitura de Blumenau, admite que há carências no setor, mas garante que há apoio para os agricultores.

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– Temos várias frentes de trabalho com agricultores, como médico veterinário, serviço de inspeção, técnicos agrícolas, patrulha mecanizada, assistência às feiras, inseminação de bovinos, assistência técnica. Há problemas, mas estamos tentando – afirma.

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