Daniela Flores da Rosa contava os segundos nesta semana para que o sábado chegasse. Às 7h, ela será submetida a uma cirurgia de reconstrução do seio esquerdo, removido por completo em agosto de 2009, após uma mastectomia. Por dois anos, o sutiã com enchimento era o que lhe devolvia a segurança.

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Em 2011, conseguiu fazer a cirurgia reparadora e implantou uma prótese, mas devido ao escasso tecido muscular na região do peito, o silicone se deslocou para cima. Hoje, Daniela sente dores lancinantes, mas isso não lhe roubou o bom humor horas antes de se sentir renovada:

– Acho que vou me sentir mais segura agora. Como mulher é ruim, né? Ainda mais que estou solteira – brinca, ao descrever a expectativa pela nova cirurgia de reparação do seio.

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Cleusa Aparecida Vieira não conta apenas segundos: são 24 anos desde que fora diagnosticada com câncer na mama esquerda. Tinha 32 anos na época, dois filhos pequenos para criar e um sobrinho, que recém havia perdido os pais. Nos anos seguintes, recebeu a notícia de que morreria em cinco anos, retirou parte do seio, sofreu queimaduras de terceiro grau por causa da radioterapia.

Depois de uma década e meia, veio o diagnóstico da cura. Mas os traumas na mama esquerda limitaram seu movimento e impedem novas intervenções médicas. Com os seios assimétricos, Cleusa aprendeu a conviver com a dor. Na fila do SUS para reduzir a mama direita, foram cinco anos de espera até este sábado: o dia D para celebrar a liberdade:

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– Meu maior desejo é sair da cirurgia e procurar um biquíni para mim. É a realização de um sonho – confidencia a moradora de Itajaí, de 55 anos.

Daniela e Cleusa serão as primeiras entre 69 mulheres que serão submetidas a procedimentos de reconstrução da mama a partir deste sábado até o dia 29. Uma rede solidária orquestrada em todo o país pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica fará cirurgias em Florianópolis, Blumenau, Jaraguá do Sul e Criciúma.

São mais de 100 voluntários envolvidos, entre médicos, enfermeiros, clínicas, hospitais públicos e empresas que doaram as próteses e medicamentos. O mutirão ocorre simultaneamente no país. Embora tenha também a finalidade estética, a reconstrução mamária é importante para a qualidade de vida e saúde psicológica da mulher.

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– É uma cirurgia reparadora, mas é difícil separar o que é reparação do que é estético. Faz parte da complementação do tratamento da paciente. Não dá para dizer que a paciente está tratada se não tiver a mama reconstruída, se ela não consegue se reintegrar à vida social. A gente vê vários depoimentos de pacientes que se separaram por causa da doença e que não se relacionam com outras pessoas porque não conseguem se expor – avalia o coordenador do movimento na Região Sul, o cirurgião plástico Evandro Parente.

Para a presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Florianópolis, Zita Sander de Meireles, a iniciativa do mutirão é louvável porque devolve a autoestima e a autoconfiança:

– A mutilação da mulher é a pior coisa que pode acontecer a uma mulher. As mamas são o símbolo do corpo feminino.

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Recado emocionado deixado por paciente ao cirurgião plástico Evandro Parente:

Segundo Parente, o mutirão já ocorreu outras vezes no Estado, mas esta será a primeira vez que envolve tantos voluntários e pacientes. A intenção é criar um grupo para viabilizar o projeto uma vez por ano. Serão feitas 46 cirurgias em Florianópolis, 11 em Criciúma, 6 em Blumenau e 6 em Jaraguá do Sul. 

Todas as pacientes atendidas pelo mutirão estavam na fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS) e foram escolhidas por indicação de hospitais, Centro de Pesquisas Oncológicas (Cepon) e Associação Brasileira dos Portadores de Câncer (AMUCC). O critério de seleção foi não ter contraindicação clínica para a cirurgia. 

Reparação nem sempre é feita ao remover o seio

A expectativa do cirurgião plástico Evandro Parente é praticamente zerar a fila de espera pela reconstrução da mama nas cidades onde o mutirão será feito. As pacientes atendidas são mulheres que esperam anos após a retirada do seio até terem a oportunidade de reconstruí-lo. 

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Em alguns casos, a reparação do seio não pode ser feita durante a mesma cirurgia para retirada da mama para evitar complicações. Como a prioridade da saúde pública é tratar as que ainda enfrentam o câncer, quem aguarda apenas pela reconstrução vai para o fim da fila. 

O Hospital Universitário da UFSC, por exemplo, é o único que faz somente a reconstrução mamária pelo SUS, por ter um serviço especializado em cirurgia plástica. Hospitais como a Maternidade Carmela Dutra e o Cepon, em Florianópolis, fazem o procedimento, mas como parte do serviço de tratamento de câncer.

– Essas pacientes acabam concorrendo com as que estão aguardando para fazer o tratamento de câncer. Há uma certa demanda reprimida pela reconstrução, a gente sabe que ela existe, mas não é quantificada. Aqui no Cepon, sempre que possível a gente acaba tentando fazer a reconstrução imediata no momento da cirurgia de mastectomia. Muitas mulheres acabam tendo que fazer mais tarde. E é exatamente para elas que a gente tem dificuldade de fazer a reconstrução – explica o mastologista do Cepon, Carlos Gustavo Crippa.

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Segundo o especialista, a reconstrução mamária é uma realidade recente nos últimos anos e o sistema público não estava preparado, porque por muitos anos as mulheres faziam o tratamento e não recebiam a reconstrução. Conforme Crippa, apenas no Cepon, referência no Estado para o tratamento de câncer, as cirurgias de mastectomia são acompanhadas da reconstrução mamária, caso a condição clínica da paciente permita, o que ocorre em aproximadamente 70% dos casos.

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