Começou com canções que todo mundo sabia a letra e virou novo fenômeno da música brasileira. Os números do ECAD, órgão responsável por regulamentar a arrecadação de direitos autorais, confirmam que a moda do sertanejo universitário veio para ficar: Sorocaba foi o artista que mais recebeu direitos autorais, considerando todos os segmentos de execução pública no ano passado.

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– Pelo segundo ano lidero o ranking dos compositores do ECAD, isso mostra que nossas músicas agradam a todas as faixas etárias e se diferenciam também pelos arranjos e outros instrumentos – diz o músico, que também é sócio da Fields, casa noturna de Florianópolis dedicada ao gênero.

O sertanejo universitário também aparece nas três primeiras posições do ranking de músicas mais tocadas em shows em 2012. Na primeira posição, figura Ai, Se Eu Te Pego, que se tornou conhecida mundialmente pela interpretação do cantor Michel Teló, seguida por Balada, interpretada por Gusttavo Lima, e Fugidinha, também popularizada por Teló.

Música ruim e com prazo de validade ou a sacada de fazer canções simples que animam multidões? A maior parte dos entrevistados concorda em uma coisa: sertanejo universitário é música para jovem fazer festa.

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Rodrigo Moreira, professor de História da Música Popular Brasileira da Udesc

Gosto musical é algo que vai além da ideia de qualidade. Definir qualquer música como boa ou ruim é algo discutível, envolve mais questões ideológicas do que técnicas. Penso que música boa é aquela que cumpre as funções sociais que justificam sua existência. Sobre o sertanejo universitário, assim como no caso de outros gêneros populares da indústria fonográfica atual, percebemos um discurso preconceituoso que tenta desqualificar tudo o que é produzido.

Essa visão preconceituosa sobre o gênero, ou pessimista, só revela ideologias contrastantes. A diversidade de ritmos e estilos incorporados pelo sertanejo universitário indica as preferências do mercado. A indústria fonográfica sempre busca entender o que o povo quer consumir.

Algumas pessoas acreditam que o gosto popular é determinado pelos veículos de comunicação. No entanto, penso que esse processo não é tão passivo. O povo é quem elege o que vai consumir e a indústria, por sua vez, tenta tirar proveito desse mercado. O sertanejo universitário reflete ideologias e a identidade de uma parcela da população composta principalmente por jovens de classe média. Talvez o termo universitário se refira a isso. Já o termo sertanejo originalmente fazia referência a uma espécie de “saudade” do modo de vida do campo, e isso era cantado nas canções. Hoje a temática é um pouco diferente e indica mudanças socioculturais no público que se identifica com o rótulo sertanejo.

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Tiago Agostini, Editor Assistente do Terra e colaborador da revista Rolling Stone Brasil

Não há muita diversidade dentro do sertanejo universitário. Basicamente todas as músicas têm ritmos parecidos, uma mistura de pop rasteiro com algum pouco toque do sertanejo tradicional. Não é um gênero muito complexo, feito basicamente para dançar e animar multidões.

Todo estilo musical é uma forma de expressão cultural, mesmo sendo mais popular ou tendo qualidade inferior a outros. Ele reflete o comportamento de uma grande parte dos jovens, tendo um pouco a ver com a ascensão das classes C e D. Há também o fator “modinha”, que é muito normal no Brasil.

Na história da nossa música popular, sempre houve um gênero que surgiu meio que “do nada” e dominou as paradas por um bom tempo, até perder força e virar item secundário. Nos anos 80 foi o rock, nos 90 tivemos o axé e o pagode, nos 2000 o sertanejo universitário, pra citar alguns exemplos. Assim, ele se encaixa no comportamento de uma juventude que não se importa muito com o tipo de música, quer mesmo é apenas se divertir e pegar geral na balada.

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Gabriela Figueiredo Santos, estudante de Ciências Sociais da UFSC

Vale a pena buscar o melhor que essas músicas podem oferecer. Já fui algumas vezes em baladas de sertanejo universitário, sempre saio de lá dizendo que gosto da música mas não do comportamento das pessoas. Todos parecem estar à caça. Ou muito bêbados…

O sertanejo universitário recebe críticas ferrenhas pelas letras pouco exploradas literalmente e arranjos simples, mas essas são as características dessa fase do gênero e reflete o ritmo de vida de grande parte da geração de hoje.

As músicas continuam falando sobre amor, mas esse amor pode durar algumas poucas horas, ou ainda compartilhar o mesmo coração com outros vários ao mesmo tempo. As letras hoje inspiram a pressa do contato, a infinita possibilidade do ritual “da pegada” de minutos.

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Quando pergunto para as pessoas por que elas curtem sertanejo universitário. a maioria fala sobre a questão da dificuldade de encontrar um par. O sertanejo dá uma boa mão na conquista, a torna acessível porque é uma música que dança junto, por conta da bebida que facilita… As pessoas todas parecem estar carentes e usam de tudos para tentar a sorte e arranjar um par na balada. O sertanejo tem se tornado quase que um salão de exposição de vestidos fechados à vácuo e bíceps cerrados. O ritmo acaba se perdendo entre a euforia do 360º dos arrochas.

Édio, integrante da dupla sertaneja Édio e Thiago

Uma das coisas que gosto no sertanejo universitário é que ele tem influências de outros gêneros, é uma música eclética, tem coisas do rock, do arrocha, é um ritmo sem preconceito, divertido e alegre. Infelizmente a ideia do sertanejo raiz está meio perdida. Mas tem artistas que ainda tentam preservar as influências da moda de viola, que reflete o sentimento do homem simples do interior.

Não me agrada a ideia do modismo porque a moda sempre passa, tem tempo determinado. Houve a época do funk, do axé, do sambanejo… Mas o sertanejo sempre permanece. Sem forçar, sem desvirtuar, o ritmo tem sua força.

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Rodrigo Simões, empresário da R7entretenimento, que tem artistas sertanejos em seus catálogos

Para mim não existe sertanejo universitário. Desde que o novo sertanejo começou a tomar força, surgiram artistas mais jovens, com figurino moderno, cabelos estilosos, arranjos musicais ousados, composições comerciais, e tudo isso acabou atraindo o jovem a se tornar um adepto do novo segmento musical. Até então muitos deles tinham vergonha ou achavam brega dizer que música sertaneja era boa! Com a vinda dessa nova roupagem, o segmento conseguiu atrair novos adeptos sem qualquer preconceito.

Penso que todo o artista que se propõe a compor uma letra, criar arranjos musicais, ensaiar um show e por fim apresentá-lo ao público tem valor artístico e cultural, desde que isso seja feito com profissionalismo. Sobre a qualidade das músicas, não dá para generalizar, pois se ouve muita coisa boa no mercado hoje.

Concordo, sim, que algumas músicas compostas por determinados artistas têm prazo de validade pré-determinado, são apenas para fazer festa. Normalmente são aquelas das quais as letras têm muito pouco conteúdo, que não dizem nada, não tocam o coração nem marcam momentos. Elas não ficam eternizadas em nossas mentes. É música com prazo de validade!

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Tiago Silva, músico que acompanha a cantora de axé Diana Dias, entre outros artistas

Vejo o sertanejo universitário como um estilo muito simples e direto, com estruturas e formas repetitivas e canções muito parecidas. O refrão “chiclete” talvez tenha sido usado da forma mais eficiente até agora em toda a história. Infelizmente a tática funciona e os “tchás”, “tchererês”, “tchús” e suas breves variações estão por toda a parte. Tudo é muito parecido. Compositores e artistas sertanejos universitários comprovam isso no limitadíssimo uso de fonemas para os refrãos. Como se não bastasse, vivemos em uma época em que não é preciso talento algum para se fazer sucesso. Jovens desafinados sem um mínimo de vocação para a música hoje se lançam artistas.

O estilo expressa exatamente o modo como o jovem de hoje vê a coisas. Nessa geração, tudo é rápido e fácil. Depois de um dia exaustivo, ninguém quer saber de letras profundas e complexas. Pensar pra quê? Já pensaram o suficiente no trabalho/ faculdade. Eles querem é beber, beijar, se esbaldar no open bar. Eles querem “tchú”, eles querem “tchá”. Simples assim.