Quando precisam fazer pesquisas sobre como era a vida na Terra há mais ou menos 280 milhões de anos, os estudantes e pesquisadores de Mafra, cidade do Planalto Norte de Santa Catarina a 130 quilômetros de Joinville, precisam apenas olhar para fora, verificar se não está chovendo e se deslocar por cerca de cinco minutos de carro para chegar ao sítio de coleta de fósseis que fica às margens da BR-280, na entrada da cidade. O privilégio de estar tão perto de um local rico em informações sobre a vida no planeta em sua origem não foi ao acaso — demandou organização, investimentos e paciência para a criação de um Centro Paleontológico há 22 anos, enquanto a cidade passava por uma polêmica com repercussão nacional —, mas tem garantido a Mafra reconhecimento internacional com as descobertas feitas por seus pesquisadores na região e no resto do país. A última foi publicada em 19 de agosto pela revista da Academia Brasileira de Ciência: uma espécie de réptil voador, o pterossauro, que viveu no Brasil há cerca de 80 milhões de anos.
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O Keresdrakon vilsoni caminhou e voou por toda a América do Sul, mas seus ossos em ótimo estado de preservação foram encontrados e identificados pela equipe do geólogo Luiz Carlos Weinschütz em Cruzeiro do Oeste, no Noroeste do Paraná. Weinschütz, que é natural de Mafra e retornou à cidade de 56 mil habitantes após concluir o mestrado e doutorado em São Paulo, assumindo logo depois a coordenação do Centro Paleontológico de Mafra e do Museu da Terra e da Vida, foi justamente um dos envolvidos na descoberta que culminou na abertura do campo de pesquisa de Cruzeiro do Oeste.
Ele acompanhava o pesquisador Paulo Manzig à Universidade Estadual de Ponta Grossa quando, em uma gaveta de um laboratório, encontraram um crânio fóssil de pterossauro preservado em rocha. Sem etiqueta que o identificasse, Weinschütz e Manzig precisaram usar suas habilidades de investigação na vida prática, até descobrirem que os fósseis haviam sido encontrados 40 anos antes, por um agricultor de Cruzeiro do Oeste que, acreditando ter feito uma descoberta valiosa para a ciência, encaminhou-a para a universidade.
— É uma história muito longa e muito bonita, de uma sucessão de acasos que culminaram em redescobrir um ponto que um senhor, na década de 70, achou peças que considerou que podiam ser importantes — recorda Weinschütz.
Foi este acaso que levou a equipe do Cenpaleo a iniciar as pesquisas em uma cidade do Paraná onde ninguém imaginava que pudessem estar guardados fósseis no subsolo de uma zona rural. Em pouco mais de sete anos, já foram encontrados e descritos o pterossauro Caiuajara dobruskii (que foi nomeado em homenagem ao agricultor Alexandre Dobruski, que encontrou os fósseis e morreu 20 anos antes de sua descoberta ser oficializada pela paleontologia), o lagarto Gueragama sulamericana e o dinossauro Vespersaurus paranaensis (descrito por equipes da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual do Paraná), além do mais recente, o pterossauro Keresdrakon vilsoni.
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— A pesquisa lá fugia um pouco do que estávamos acostumados, porque é de outro tempo: são fósseis de 80, 100 milhões de anos, de grandes répteis da época dos dinossauros. Tivemos que ir atrás de um especialista e convidamos o professor Alexander Kellner (atual diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro), um dos maiores especialistas do mundo nessa área, e ele começou a ajudar nesse trabalho, a fazer a parte de descrição atômica do fóssil — explica o coordenador do Cenpaleo.
Apesar de o Centro Paleontológico ter mais de uma década em pesquisas na área da paleontologia antes das publicações sobre os fósseis do Paraná, foram estas descobertas que deram visibilidade para os pesquisadores de Mafra. Desde então, alguns de seus integrantes passaram a integrar um programa federal para fazer coleta de fósseis na Antártida e chegaram convites para que fossem realizar pesquisas em outros países, como a China.
E, segundo Weinschütz, ainda há muito material retirado de Cruzeiro do Oeste para ser aberto e “limpado”. Então, a possibilidade de outras descobertas de mais de 80 milhões de anos surgirem no laboratório de Mafra em breve é grande. Mas, ao mesmo tempo, as principais pesquisas estão voltadas ao que deu origem ao centro de estudos em paleontologia na cidadezinha do interior de Santa Catarina que tem sua economia focada em agricultura e na indústria madeireira: as formas de vida que existiam na Terra muito antes de os dinossauros passarem pelo planeta.
— Estamos tendo um reconhecimento muito grande nas descobertas feitas em Mafra e região. Infelizmente, não temos materiais bonitos. Aqui (no Norte de Santa Catarina), a gente não encontra dinossauros. Mas, para a comunidade científica, o que achamos aqui tem uma importância muito grande — afirma o pesquisador.
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Voluntário de Santa Catarina dá nome à mais nova espécie de pterossauro descoberta no Brasil
Um dos maiores do Brasil
No Brasil há, atualmente, 68 instituições museológicas (entre museus, salas de exposição e parques temáticos) com acervo paleontológico. Cinco deles estão em Santa Catarina, mas o único totalmente focado no assunto é o Museu da Terra e da Vida de Mafra. Atualmente, ele possui um acervo registrado de mais de 10 mil peças, o que o coloca na lista dos dez museus com maior acervo em paleontologia do Brasil.
Saiba como visitar o Museu da Terra e da Vida:
O Museu da Terra e da Vida fica no Bloco “E” da UnC, na Av. Pres. Nereu Ramos, 1071, Jardim do Moinho, em Mafra.
Abre de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Os ingressos custam R$ 6, com meia-entrada a R$ 3 para estudantes. Idosos tem entrada gratuita.
Para mais informações e agendamentos, o telefone é (47) 3641-5514.





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